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Por que você deveria parar o que está fazendo e ir assistir ‘Soul’ agora

Com o auxílio do professor Leandro Karnal, nós vamos tentar te explicar por que o novo filme da Pixar ajuda pais e filhos a entenderem a vida.

Por Fernanda Tsuji
Atualizado em 1 fev 2021, 11h31 - Publicado em 29 jan 2021, 14h00

Assim que dei o play, fiquei pensando se a minha filha de quatro anos entenderia “Soul”. Não seguimos nenhuma religião, então ela não tinha bagagem alguma sobre vida após a morte, paraíso, inferno, missão. Mas se no começo eu estava preocupada com as questões que despertariam nela, ao longo do novo filme da Pixar, eu me vi inundada das minhas próprias perguntas.

(E me desculpe se você veio achando que eu teria uma resenha que explicasse a complexidade desta nova empreitada da Disney sobre, nada menos, que o sentido da vida. Não é bem assim, mas fique por aí, podemos conversar.)

Passado os 107 minutos do filme, eu me encontrei olhando para tela com a cabeça cheia: tá, mas será que eu sei o meu propósito? De onde vem minhas paixões? Estou desperdiçando minha existência?

Sentadinha do meu lado, minha filha também parecia ter muitas perguntas. “O que é alma, mamãe? O que acontece depois que a gente morre? Pra onde foi o gato?”. É, se tem um mérito desta animação é ela nos despertar – não importa a idade – de nossa própria existência, coisa, que veja só, a gente se esquece na correria da rotina. Não te parece irônico?

(Disney/Divulgação)

Na trama – a primeira com um protagonista afro-americano -, Joe Gardner é um professor de música um tanto amargurado por onde suas escolhas o levaram. Frustrado, ele se divide entre o grande sonho de viver de jazz e o trabalho mais ou menos que serve para pagar os boletos. Num fatídico dia, ele recebe uma proposta de emprego fixo – o que daria à sua mãe orgulho e tranquilidade -, mas ao mesmo tempo, surge também um convite para um teste numa banda de jazz incrível. Animadíssimo, ele mal percebe quando cai num bueiro aberto e… bem, vira uma alma (fantasma, ser de luz, energia, o que você preferir…) no Grande Além.

Ali, tentando desesperadamente voltar à vida para não perder sua chance única no jazz, ele vai parar no Grande Antes, um lugar metafórico regido por preceptores, onde as almas “crianças” vivem antes de serem enviadas ao seus corpos. Este endereço cósmico é também morada de 22, uma alminha que não consegue ver graça nenhuma neste lance de “ir viver” e sempre dá um jeito de se livrar de sua encarnação. Nem mesmo Madre Teresa consegue convencê-la, veja só! Ao conhecer Joe, no entanto, ela vai acabar descobrindo que a teoria pode ser bem diferente da prática. E que esta é a graça!

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(Alerta: este texto pode conter spoilers – e muita especulação sobre o sentido da vida!)

Falar sobre a morte para entender a vida

(Disney/Divulgação)

Se num primeiro momento parece que a Disney está querendo teorizar sobre vida após a morte, ao longo da animação você percebe que a questão central é muito mais ampla do que qualquer dogma religioso. E verdade seja dita: é quase um caminho evolutivo das questões já levantadas nos últimos filmes da Pixar. Repare como todos envolvem o sentido da vida – e o fim dela.

Em “Dois Irmãos” (2020), o luto do pai era parte fundamental do enredo, assim como em “Viva – A Vida é uma festa” (2017), que também fala da perda de um ente querido e até trabalha a questão do “outro lado da vida”. Já em “Up – Altas Aventuras”(2009), o luto dialoga com a velhice e os sonhos. Isso sem esquecer do universo complexo de “Divertida Mente” (2015), onde dar nome aos sentimentos era um desafio para entender as mudanças no nosso caminho.

Estes dois últimos, aliás, são mérito da sensibilidade de Pete Docter, animador, produtor e diretor da Pixar, que ganhou um Oscar por ‘Up’ e foi indicado a outros cinco. Sua marca registrada são os longas que tratam dos sentimentos humanos, como é o caso de ‘Soul’, seu feito mais recente.

Quando foi lançado no Disney+ (se você ainda não tem, clique aqui para assinar), em dezembro, muitas críticas diziam que o estúdio estava se afastando das crianças ao adotar temas cada vez mais filosóficos e metafísicos. Mas não é bem assim. Ir compreendendo desde cedo que a vida tem um fim, que as pessoas vão embora, não deve ser tratado como uma tragédia ou tabu, mas como um ensinamento de que temos que dar valor enquanto estamos aqui.

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Além do mais, o filme trabalha dois planos narrativos que conseguem agradar crianças e adultos de maneiras diferentes. Sim, a criança ainda não viveu o bastante, por exemplo, para entender sobre frustração, sensação de fracasso e decepção consigo mesmo, porém, de novo, se os temas forem abordados desde a infância, maiores as chances delas irem entendendo, conforme o seu desenvolvimento, que estes também são sentimentos que permeiam nossa existência.

Intuitivamente, minha filha me perguntou antes mesmo do filme começar: “mamãe, vai ser emocionante de chorar e pensar na vida como ‘Viva’ e ‘Up’?”. Até ela já sacou que a Pixar não brinca em serviço. “Um filme bom é um signo aberto, como uma obra de Michelangelo, por exemplo, onde todos descobrem um sentido ao observarem. Isso é genial na animação! A capacidade de se apresentar a um público amplo e diverso e fazer perguntas fortes e centrais como “qual é o sentido da vida?” e ao lado disso, ainda possuir uma narrativa divertida. Isso torna um filme mais interessante do que um simples passatempo. É uma obra que poderia ser utilizada tanto numa aula de filosofia da faculdade quanto para uma criança pequena ver”, comenta Leandro Karnal, historiador, professor e escritor em uma conversa com o Bebê.com.br, à convite da Disney.

Almas perdidas querendo se encontrar

(Disney/Divulgação)

Como minha filha bem levantou a bola aí em cima, a animação é emocionante e “faz pensar”. Em tempos de pandemia, onde estamos nos questionando sobre a existência e com a morte muito presente nos noticiários e ao nosso redor, é inevitável não se identificar com os dilemas de Joe. Vou fazer só três perguntas embutidas no filme que já rendem horas de questionamento: 1) A pessoa já nasce com suas paixões? 2) Você acredita que a vida tem um propósito? 3) O que faz de você…VOCÊ?

Calma, respira! Não existe resposta certa ou errada. E aqui o tema começa a ficar bem complicado, por isso, vamos pedir ajuda de novo ao professor Karnal. “[No filme] nós vemos o imperativo que é sobreviver num mundo com boletos. E dentro deste universo comum, o Joe tinha uma aposta de que o mundo devia ser cheio de paixão e não de repetição apenas”, indica Karnal, e continua: “No fim, não é sobre tocar uma partitura, a vida não tem roteiro, não tem uma única forma de pensar. O que existe é o diálogo com a minha própria centelha, a minha própria paixão e com o sentido que eu vejo em relação às coisas ao meu redor”.

É, o buraco metafórico que Joe caiu é fundo.

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Isso que o professor chama de “centelha”, no filme é representado por uma palavra, em inglês, de significado similar: sparkle Ou seja, aquele brilho que cada indivíduo tem e que traz a fagulha de ânimo, de vivacidade à nossa busca individual. Centelha esta, que a rotina tende a ir apagando sem que a gente perceba numa mistura de tédio, ânsia eterna pelo próximo estágio, pelo sonho não conquistado, pela vida que queríamos ter. “Quem é você quando ninguém está vendo? Quem é você sem o superego, sem o domínio dos outros?”, provoca o historiador.

E segundo Karnal, dá sim para reascender esta fagulha, no entanto, é uma busca em nossa própria jornada de descoberta. “O lúdico ajuda a encontrar a centelha. É preciso dizer a si: ‘tenho que explorar coisas novas pra encontrar esta centelha que vai se somar e construir a paixão dentro de mim, da qual sem ela, nada tem sentido’. Temos que exercitar a paixão dentro da nossa vida. Todos estes elementos fazem você ser quem você é”, diz ele, que acredita que o filme não faz uma leitura moral da existência.

Como mãe, fico aqui me pensando que é preciso reconhecer o que é inerente da personalidade e do desenvolvimento da criança, e qual a medida da centelha dela que devemos incentivar num exercício constante de atenção para não moldar os nossos sonhos em nossos filhos.

A tão comentada metáfora do oceano

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Mesmo que você não tenha assistido ao filme, deve ter visto variações deste meme acima circulando. É a lenda do oceano, que represente bem o dilema do músico. “Fala sobre o estranhamento e a desnaturalização. O peixe está tão acostumado com a água ao seu redor e querendo tanto algo épico, a que chama de oceano, que o que percebe como natural fica blindado, fica cego a isso”, pontua o professor.

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É aquela costumeira sensação de que estamos destinados a algo muito maior, a um propósito espetacular que não deve ser isso aqui que estamos, de fato, vivendo, entende? É o que Karnal indica como “o esvaziamento do sentido”, transformando Joe em vítima de sua própria ilusão.

Angela Bassett, icônica atriz negra e dubladora da diva Dorothea (esta aí do meme acima) contou, em entrevista ao PopSugar, o que entende da cena. “Penso que significa que ele passou anos, décadas tentando chegar ao “oceano”. Mas do que o oceano é feito? Água. No que ele tem nadado? O que ele tem ensinado? Ele ensina hoje futuros músicos. Alguns nunca serão ótimos, tá tudo bem, eles ficarão ali só mais um ano. Mas alguns farão canções magníficas, inspiradoras, que mudarão a vida das pessoas, mas Joe não consegue ver isso. Ele pensa que está só de bobeira sendo um peixe fora d’água, sem entender que está tudo ali na frente dele“, diz ela.

“A mensagem é que nos pequenos detalhes existe uma lição de sentido. ‘Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito’, como diz Hamlet, na peça de Shakespeare”, crê Karnal, que completa: “O propósito, a missão, o sentido são dados EM MIM e PARA MIM”.

Durma com essa, leitores! 

Sem perder tempo, sem me perder de mim

(Disney/Divulgação)

Escrevo este texto escutando uma música da minha banda preferida que diz “você tem que aprender como morrer se quiser estar vivo“. Acho que foi bem isso que Joe aprendeu, não é mesmo?

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Afinal, seja girando uma placa na esquina (como o cativante personagem da alma hippie), tocando música num clube de jazz ou dando aula numa escola, um questionamento – que não precisa de resposta, mas pode ficar habitando nossa essência – é será que estamos tendo momentos significativos sendo quem somos? O tal do “carpe diem”, que muitos associam com “aproveitar o dia a qualquer custo”, mas que pode falar também sobre valorizar este tempo que temos em vida.

Como você pode perceber, nem mesmo as perguntas da minha filha podem ser respondidas com explicações simples. Ao que parece, conviver com os questionamentos faz parte e pode ser um bom sinal de que estamos vivos e atentos. Mais ou menos o que a 22 vai perceber (sem dar muitos spoilers): não adianta teorizar, a beleza da existência é experimentá-la. Quando não tivermos mais questões, bem, aí talvez estaremos… mortos.

Longe de mim tentar dizer pra você qual é o sentido da vida. Ninguém sabe, mas isto não quer dizer que não vamos passar a nossa existência tentando significá-la. Conforme envelheço, me parece, cada vez mais, que vou precisar viver para descobrir. Boa sorte pra gente!

Confira o trailer:

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