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Mãe em Manaus conta como é trabalhar em um hospital de combate ao Covid-19

Apesar da situação crítica da cidade, Vanessa se mostra otimista e fala sobre como as altas são comemoradas. "É uma injeção de ânimo que a gente recebe".

Por Flávia Antunes
Atualizado em 8 Maio 2020, 17h54 - Publicado em 8 Maio 2020, 17h40

A dentista Vanessa Marques é mãe de Maria Eduarda, de dois anos. Como profissional da saúde, ela sempre teve o sonho de ajudar as pessoas – seja dentro da clínica ou fora dela – e por isso prestou concurso para o Corpo de Bombeiros Militar. O que ela não imaginava era que, dez anos depois, seria convocada para trabalhar em um hospital. E em uma situação muito complicada: no meio de uma pandemia de coronavírus que tem sua cidade natal, Manaus, como um dos epicentros da doença no país.

Pois é, além de lidar com os dilemas da maternidade, e da nova rotina de isolamento social que todas as famílias estão enfrentando, ela se deparou com o desafio de ter que continuar saindo de casa e lidando com a rotina de doentes em seu ambiente de trabalho.

Em seu relato, Vanessa conta quais foram as adaptações em casa com a família, como está sendo o dia a dia dentro de um serviço de saúde e como as pequenas vitórias estão dando forças para continuar na batalha contra a pandemia na quinta capital com mais casos de Covid-19 no Brasil.

Confira o relato na íntegra:

Rotina no hospital

“Eu fiz um concurso para o Corpo de Bombeiros Militar há dez anos, mas por algumas questões, só fui nomeada agora, para atuar neste hospital – que estava fechado, e o governo do Amazonas alugou a estrutura para criar o hospital para o combate ao Covid-19. Ele não está tão cheio agora, porque não é um hospital de portas abertas, apenas recebe pacientes que já vêm encaminhados com diagnóstico confirmado de coronavírus. No momento, ele tem cerca de 60 pacientes, mas os leitos estão sendo ampliados ainda.

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Fico das 8h às 18h na coordenação tanto da odontologia quanto dos oficiais de dia, que organizam e tomam conta de tudo que acontece no hospital em relação à estrutura militar. Faço trabalhos administrativos e outras funções, mas não dentro da enfermaria e da UTI.

Eu sou dentista, então é uma área totalmente fora da minha zona de conforto. Estávamos com o curso de formação marcado para começar mas, assim que começou a pandemia, o curso foi suspenso. Quando o governo ampliou a rede de serviços, resolveu convocar todo o efetivo que estava esperando para entrar. Tanto que nem fizemos o curso de formação militar, porque foi uma emergência.

Eu sou da área da saúde, então já era uma coisa que eu tinha a expectativa. Sempre tive o sonho de entrar para o Corpo de Bombeiros, e, se teve que ser assim, é porque tínhamos que contribuir desta forma.

No começo todo mundo ficou bem assustado. Dá medo, mas encaramos e, hoje em dia, percebemos que a contribuição que a gente dá é maior que qualquer insegurança. Quando eu me propus, foi para contribuir. Então encaramos com uma missão e, para o militar, é aquela frase clássica: ‘missão dada é missão cumprida’. 

Adaptações em casa

Eu optei por não me afastar da minha filha, Maria Eduarda, justamente porque não estou na linha de frente tendo contato direto com a doença. Eu trabalho dentro do hospital, mas fico na coordenação. E mesmo usando máscara e proteção, sabemos que ninguém está imune.

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Moro com minha filha e meu marido. Minha mãe é idosa, então nossa sogra que está nos ajudando. Eu optei por não me afastar, mas precisei de reforço da rede de apoio. Minha sogra dorme lá em casa de vez em quando, porque preciso sair muito cedo. Também adotei algumas estratégias: chego no carro, já deixo tudo que veio comigo no porta-malas, troco a roupa e coloco em um saco, chego em casa e tomo banho – para só então chegar perto da minha filha.

Quando a pandemia começou, tentamos explicar de forma mais lúdica para ela – que tinha um bichinho na rua, e por isso ela não podia ir para a escolinha, nem para a casa dos familiares. Ela perguntava muito pelas amigas, mas agora parece que se acostumou – que aquele se tornou o mundinho dela. 

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Manaus em estado crítico

Aqui na cidade, conheço muitas pessoas que tiveram a doença com sintomas leves. A situação é crítica, isso está no noticiário todos os dias, mas o governo vem se empenhando para desenvolver um trabalho bacana e a prefeitura criou um hospital de campanha. Mas nem sempre os esforços conseguem acompanhar a velocidade de crescimento da doença.

Pessoas morreram sem conseguir leitos, assim como em outros lugares do país. Toda hora chegam equipamentos novos, respiradores… Mas era um estado que não estava preparado. Aqui em Manaus, estamos tendo dificuldades até com cemitérios públicos – não tem mais espaço adequado, os caixões estão acabando…

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Cresceu em uma velocidade muito grande, em grande parte por falta de crença da população, que acaba não se precavendo adequadamente. Onde eu moro, as pessoas do meu convívio estão fazendo o isolamento social. Mas, se você visita alguns bairros mais distantes, a vida continua normal. 

Sobre o futuro…

Eu estou bem otimista. Quando tem alta aqui no hospital, todo mundo sai para assistir, porque é uma injeção de ânimo que a gente recebe. A gente faz aquele corredor de aplausos, imprimimos plaquinhas escritas “eu venci o Covid” e damos para a pessoa, que sai segurando. Acontecem óbitos, sim, mas também estão acontecendo muitas altas.

Outro dia, por exemplo, uma senhora de 93 anos venceu a doença, e ontem o hospital deu a primeira alta de UTI – o paciente estava há duas semanas entubado e conseguiu sair respirando normalmente. Acho que ainda vai levar um tempinho para passar e para as coisas se acalmarem, mas vamos ‘devagarzinho’ voltando à vida normal.”

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(Juliana Pereira/Bebê.com.br)
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