A história de duas gestações invisíveis que duraram mais de 100 semanas

O tempo que as gestantes do coração aguardam pela chegada de um filho supera (e muito!) uma gravidez tradicional. Mas a espera, ambas concordam, vale a pena

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 13 Maio 2018, 08h00 - Publicado em 13 Maio 2018, 08h00
 (Livia de Camargo Lourenço Lima/Arquivo Pessoal)
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Adotar é um ato de amor e também de paciência! Isso porque o processo é burocrático e demorado. Apesar do longo período para concretizar o sonho da maternidade, o “nascimento” é tão surpreendente como o de uma gravidez biológica. E a espera, por sua vez, é igualmente cheia de expectativas e altas emoções. Leia abaixo o relato de duas mulheres que passaram pela experiência de uma gestação invisível.

Depois de 3 anos de espera, um parto que durou um mês

Claudia Mendes Campos Conceição, 37 anos, de Brasília/DF, já era mãe de Laura Helena, hoje com 13 anos, quando decidiu entrar em 2014 no Cadastro Nacional de Adoção. No último final de semana, Ângelo Gabriel, 2 anos, chegou na casa dela para ficar de vez.

Chá do Ângelo
Enquanto esperava a chegada de Ângelo, Cláudia e a família realizaram um chá de bebê. (Cláudia Mendes Campos Conceição/Arquivo Pessoal)

“Minha primeira gestação foi tranquila e Laura nasceu de parto cesárea, sem complicações. Sempre nos interessamos pela adoção, mas o plano era ter filhos biológicos primeiros. Só que, depois disso, tive quatro abortos espontâneos. No último, em março de 2012, o bebê já estava com quatro meses e o coração parou de bater, sem que a médica conseguisse explicar o porquê.

Foi bem complicado e, depois disso, a adoção começou a ficar mais real na nossa vida. Em 2014, fomos à Vara da Infância e Juventude pedir informações sobre como ingressar no Cadastro Nacional de Adoção e demos entrada no processo em outubro do mesmo ano. Em 2015, começamos o curso de capacitação que é obrigatório e, logo no primeiro encontro, a equipe técnica foi bem enfática, dizendo que não estávamos ali para escolher uma criança na prateleira. A preocupação era achar uma família para a criança – e não uma criança para a família.

Depois do curso, mudamos nosso perfil para aceitar pequenos de zero a cinco anos – antes era até um e meio – e com doenças tratáveis. Um ano depois, em setembro de 2015, fomos habilitados para a adoção. Aí começou outra espera até que a criança aparecesse – na época, nos disseram que isso poderia demorar até cinco anos.

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Durante dois anos, eu ia de cinco em cinco meses à vara perguntar como estava a fila. Até que, em março de 2018, recebi uma ligação confirmando nosso perfil desejado e, no fim, a moça avisou que tinha uma criança dentro dele, de 2 anos e 8 meses, mas que ele tinha catarata congênita, doença que poderia levar à cegueira.

Esperei meu marido chegar em casa para confirmar se seguiríamos com o processo, mas já sabia que a resposta dele seria positiva, então fomos conhecer o Ângelo no dia 11 de abril. O primeiro encontro foi muito bom, melhor do que esperávamos. Sei que ouvimos essa história de ‘olhei e sabia que era meu filho’ e esse não foi meu caso, mas quando olhei para ele vi a possibilidade do ‘sim’ topamos seguir em frente.

Depois disso, passamos a visitá-lo diariamente no abrigo e as despedidas ficaram cada vez mais difíceis. O abrigo ficava a 45 km de casa, eu fazia pós-graduação e cuidava da minha filha, mas me desdobrava para ir lá ficar ao menos uma hora com ele. Um dia me ligaram para falar que, quando a psicóloga mostrou uma foto minha e do meu marido para ele, ele tinha respondido ‘mamãe, papai’. Foi um momento de felicidade intensa!

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(Claudia Mendes Campos Conceição/Arquivo Pessoal)
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As coisas foram evoluindo rápido e nosso primeiro passeio externo foi  durante uma visita ao pediatra – ele estava com pneumonia e o levamos ao médico. Parece algo negativo, mas depois disso nossa relação se estreitou mais ainda. Ele viu que não estávamos ali só para brincar com ele de vez em quando, mas para dar remédio, levar ao médico e fazer as coisas ‘chatas’ também.

Quando ele conheceu minha filha, que ansiava há anos por alguém para compartilhar a vida, como ela mesma dizia, o encontro também foi tímido, como o nosso. Mas no primeiro passeio juntos, nós quatro, eles já se tratavam como irmãos, brincavam… Parecia que ele sempre esteve ali! Assim, marcamos a primeira noite em casa para o feriado de 1º de maio, que era também aniversário do meu esposo.

Ele chegou em casa como se já morasse lá, foi muito gostoso e, quando voltou ao abrigo, ele ficou triste, não queria comer se nós não estivéssemos e assim conseguimos antecipar a vinda definitiva dele. Foi exatamente um mês entre a primeira ligação e a chegada do Ângelo à nossa casa. No último sábado, 5. ele veio para não ir mais embora.

ilustraçao de mãe com bebe no colo. Ao fundo, imagens de plantas
As mãos de Cláudia e sua família na primeira noite de Ângelo em casa (Claudia Mendes Campos Conceição/Arquivo Pessoal)
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O tempo de espera é ruim, mas parte de um processo. No nosso caso, não podíamos montar quarto ou comprar roupa pois não sabíamos se viria menino ou menina ou que idade teria. E quando chegou o dia, nossa rede de apoio ajudou muito, porque não temos família em Brasília, mas contamos com nossos amigos, o pessoal da igreja. Assim como uma gestação, quando você mostra os exames, há toda uma expectativa da chegada da criança e vimos isso acontecer de perto. Nós não estávamos sozinhos. E isso deixou tudo ainda mais especial!”

“Será que já está chegando?”

Depoimento de Lívia de Camargo Lourenço Lima, 36 anos, de São Vicente/SP. Depois da chegada de Pedro, pela qual ela esperou dois anos, ela adotou Kaique, de 13 anos.

Livia e família

“Sempre tive o desejo de adotar, mas queria ter filhos biológicos antes. Depois do casamento, eu e meu marido começamos a tentar, mas a gestação não acontecia. Fizemos exames, mas não conseguimos encontrar uma justificativa para essa dificuldade. Como não havia explicação, resolvi optar pela adoção ao invés de buscar técnicas de fertilização.

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Em 2013, iniciamos o processo do cadastro e esse trâmite, de passar pela entrevista e providenciar a documentação, demorou um ano. A cada passo, uma nova expectativa: será que vão aprovar as fotos da casa que mandamos? Será que aprovarão nossa documentação? Vamos passar em todas as fases?

Aí você recebe o certificado de que está apto – no nosso caso foi um ano depois – e dá aquele alívio, mas começa uma nova espera que você nunca sabe quanto tempo vai durar: a fila. Você fica pensando se o bebê já está chegando, se é hora de arrumar as coisas, que idade ele terá. Foram dois anos nessa etapa até que o Pedro chegou para a gente, em 2016.

Ele estava no abrigo desde que nasceu e, quando completou oito meses de vida, recebemos a ligação do fórum. Eu não quis nem ver o rosto dele. Se estava no perfil que tínhamos escolhido, era meu filho. Ali mesmo dei entrada no processo da guarda e fui buscá-lo no abrigo com uma autorização temporária concedida por eles. A guarda saiu rápido para a gente, em dez dias.

O amor nasce na hora que você bate os olhos, não tem como. É um misto de emoção, de medo da maternidade, de como vamos fazer e de alegria. Nós choramos muito, queríamos pegar no colo e não soltar mais. É um amor incondicional! Até hoje é impossível eu não me emocionar lembrando desse momento.

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Depois disso, veio o Kaique. Eu o conhecia, pois trabalhava como assistente social na instituição onde ele estava abrigado. Ele já havia sido devolvido de uma adoção e nós sempre tivemos uma identificação muito grande e até passeávamos juntos, mas meu marido não pensava em adotar.

Só que, quando o Pedro chegou, meu marido descobriu que era possível amar um novo filho. E eu já tinha certeza de que o Kaique era meu filho, não podia mais viver naquela situação, longe dele. Então conversamos de novo e decidimos pedir a guarda dele, que chegou rápido pois ele já estava destituído do poder da família biológica.

Pedro chegou em março de 2016; Kaique em março de 2017. Não sinto que houve período de adaptação, pois é como se eles sempre tivessem sido parte da família. Vivemos uma nova rotina louca em casa, de escola, trabalho… Mas tento lembrar de como era a vida antes deles e simplesmente não consigo”.

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