Em família: como lidar com os parentes após o nascimento do bebê
Bebê novo é sinônimo de familiares e amigos, todos ansiosos por pegar no colo e, claro, dar sugestões sobre como os pais devem cuidar e educar a criança.
Em meio à emoção e alegria que invade a vida de quem acabou de dar à luz, outra invasão pode se somar aos desafios do pós-parto – que não são poucos, indo desde o cansaço físico e a recuperação do corpo até o bebê que clama, ou grita, por leite e atenção. É que, nessa fase, amigos, parentes e agregados costumam compor uma história à parte. Seja porque pipocaram na sua casa, passando o recém-nascido de mão em mão (será que lavadas com água e sabão?), seja porque se intrometeram no seu modo de cuidar da criança.
Como interromper esse processo e impor limites sem ser grosseira? Uma consultora pessoal, uma terapeuta familiar e quatro mulheres e mães que driblam com maestria essas situações respondem.
1. Visitas que acampam na maternidade
Existem, sim, várias possibilidades para escapar ilesa desse incômodo. Quando as visitas em questão são pessoas mais íntimas, tudo fica mais fácil. “A mãe pode se posicionar e dizer com todas as letras que está muito cansada. Caso se sinta inibida, a alternativa é falar que quer se deitar um pouquinho ou até mesmo fingir que dorme“, aconselha Heloísa Sundfield, da Help Personal Assistant.
Cada maternidade tem uma organização e, caso os visitantes se enquadrem na categoria “sem noção“, você pode lançar mão da equipe de enfermagem e combinar para que esses profissionais interfiram, citando ordens médicas, sugerindo um rodízio para não ficar muita gente no quarto ou até limitando o tempo de visita. Hoje em dia, é comum que o recém-nascido fique no quarto, mais um motivo para evitar essa aglomeração.
É bem verdade que há famílias nas quais as convenções sociais tomam o lugar de uma boa conversa. Nesse caso, a sinceridade pode ser recebida como uma agressão. “De qualquer forma, é direito de qualquer pessoa que passou por uma cirurgia poder descansar e restabelecer suas energias“, diz Angela Martins, terapeuta familiar sistêmica. “Assim, a mulher pode simplesmente fechar os olhos e permitir-se o descanso necessário“, arremata.
2. Em casa: sala sempre cheia, e até tarde
A euforia familiar continua por semanas depois do nascimento, prolongando alguns inconvenientes. Foi o que aconteceu no caso de Luana da Rosa Linck, professora e mãe de Beatriz. “Tudo o que eu queria era paz, pois mal caminhava reta, não podia rir, tossir e sentar sozinha, tudo doía. E meu apartamento, que é bem pequeno, foi tomado por mais de dez pessoas“, ela conta. Está cansada? Não dormiu? Peça licença e explique. “É uma atitude delicada, coerente e natural“, defende Angela Martins.
O companheiro tem uma função essencial caso a mulher se sinta intimidada em falar para os presentes que precisa descansar. Deixe o “serviço sujo“ de dispensar convidados para ele. “Meu marido dizia que eu acordava várias vezes à noite e começava a contar como eu estava cansada. Na maioria das vezes, funcionava e, quando não, a pessoa acabava se tocando de tanto que eu bocejava“, conta Deborah Tavares Marinho, funcionária pública e mãe do Bernardo.
Luana Linck se recorda ainda do quanto a incomodava ver seu bebê, ainda pequeno, passar de mão em mão. “Sem falar das fotos com flashes“, conta. Como se trata de um recém-nascido, dá para compreender a sensação que tal situação provoca. Afinal, a criança, ainda com o sistema imune imaturo, não deveria ser acostumada a ficar o tempo todo nos braços de alguém. “Você precisa criar as próprias regras. Por exemplo: o bebê só fica no colo quando é hora de mamar. Fora isso, ele fica no berço“, defende Heloísa Sunfeld. Se necessário, repita as recomendações do pediatra. Se você usar um tom cordial e educado, tudo pode ser dito sem maiores preocupações. “Sempre que essas colocações são feitas com amor, elas não transmitem indelicadeza, e sim proteção, o que é muito natural e aceitável“, sugere Angela Martins.
3. Hóspedes não solicitados
Outro fato reincidente, especialmente se o bebê é o primeiro da família, é a sogra ou outro parente querer se mudar para a casa da nova mãe sob o pretexto de ajudar a cuidar do recém-nascido. E, não raro, sem que essa ajuda tenha sido solicitada. “Mais uma vez, a sinceridade pode doer, mas encurta os caminhos do mal-estar que fica presente nas relações quando jogamos com falsidade“, explica Angela Martins. É fundamental manter a franqueza. Essa atitude é também uma forma de proteção para estabelecer limites que serão importantes ao relacionamento familiar no futuro.
Quando o hóspede é a sogra, o ideal é passar a bola para o pai. Afinal, mãe é mãe. “O risco de ela se ofender com algo que ele diga com certeza é menor do que com algo que eu diga“, defende Priscila Daniele Manchenho, engenheira agrônoma e mãe do Leo. Faça um combinado: cada um fala com a respectiva mãe.
4. Palpites sem fim
“A Beatriz é primeira de tudo das duas famílias: sobrinha, afilhada, neta, bisneta. E aí surgiu o grande problema: um bebê depois de anos sem nenhum“, conta Luana Linck. É importante ter em mente que as pessoas querem mesmo é ajudar. Mas isso não significa que a mãe não possa se impor – ela deve fazer isso. E, vale lembrar mais uma vez, tudo pode ser dito desde que com jeito e delicadeza. “É difícil falar não, mas noto que, se não o fazemos, ninguém nos deixa tomar as decisões. Somos pais, assim como eles foram, e vamos errar e acertar“, analisa a mãe de Beatriz.
Priscila Arruda Prado, analista de sistemas, conta que cansou de escutar da avó sobre o quanto é importante agasalhar o pequeno. “O pediatra nos aconselhou justamente a não agasalhar muito o Theo“, explicou ela. E a réplica que recebeu, para sua revolta, foi: “Fica escutando esses médicos, fica!“. O ideal é que a mãe escute os palpites, sem contrariar ou enfrentar, mesmo que não acate as sugestões. Se a conversa se estender, mude de assunto. Uma dica: encoraje essas pessoas a falar sobre a experiência delas como mãe. “Certamente, elas terão prazer em contar suas histórias e isso mudará o foco da conversa“, aconselha a terapeuta Angela Martins.
Priscila considera transferir a responsabilidade para o médico: “Estou pensando em levar minha avó junto na consulta ao pediatra para ela escutar tudo o que ele tem a dizer“. Não deixa de ser uma boa ideia, não?
5. Comentários que incomodam e magoam
O pós-parto é um momento de desafios e mudanças. A sensibilidade de cada mulher é um fator que varia e pode colaborar para o desconforto. “Não há por que se melindrar com comentários sobre as feições do bebê ou com comparações, mas, caso isso aconteça, seja sincera“, aconselha Heloísa Sundfeld. A participação do pai da criança é fundamental. Não para fazer todas as vontades da mãe, mas para ajudá-la a enfrentar todas as situações e saber se posicionar. “Quando a mãe consegue ignorar e não valorizar essas opiniões, fortalecendo o que ela mesma pensa, estará protegida das inconveniências alheias“, explica Angela Martins
6. Parto normal versus parto cesariano
“Escutei de tudo no pós-parto. Até que eu não tinha do que reclamar, pois não senti a dor de parto. Quem teve filho de cesárea é menos mãe?“, pergunta Priscila Prado. Escolher o tipo de parto é uma decisão que cabe à mulher e ao obstetra. Sem contar que, às vezes, nem sequer se trata de uma opção, já que há casos em que a cesárea é uma indicação médica para preservar a saúde e a vida da mãe e do bebê. Foi o caso de Priscila e muitas outras mulheres. E o fato de ser um método cirúrgico não faz com que a mulher seja “menos mãe“, claro. “Acho que cabe à mulher dar a esses comentários a irrelevância que eles merecem. Quem os faz, em minha opinião, está errado“, defende a consultora pessoal Heloísa Sunfeld.
7. A expectativa, o julgamento e a realidade
O que cada mulher sente com a maternidade está relacionado às circunstâncias vividas ao longo da vida e durante a gravidez. Melhor seria se todas as futuras mães pudessem viver esse período como um encontro com o seu filho, de modo que seu bebê se sentisse aceito, amado e seguro, ainda que haja dificuldades e desafios a serem vencidos. No campo do ideal, isso é possível, sim. Da mesma forma como é comum a mulher se sentir estranha e insegura diante da nova vida que está sob a sua responsabilidade. Portanto, não gaste suas energias tentando se encaixar em padrões que muitas vezes são irreais. É como querer mudar o seu corpo, a sua altura, para se encaixar nos padrões de beleza das passarelas. “A realidade sempre se impõe com outro colorido, mas, nem por isso, se torna cinza. Desde que a vontade de ser mãe prevaleça e fortaleça a mulher“, considera Angela Martins.
8. A obrigação de amamentar
Amamentar é bom, sim. Faz bem para a mãe e para o bebê, claro. E que mulher não quer amamentar? “Na minha vida, só conheci uma pessoa que, antes mesmo de estar grávida, já dizia que nunca iria amamentar“, conta Helena Sunfeld. Ou seja, alimentar a criança no peito é ótimo. Mas, às vezes, pode trazer também – e disso quase ninguém se lembra – algum sofrimento. Nem toda mulher produz o leite necessário ou engata a mamada com rapidez e sem obstáculos. Procure e você vai encontrar histórias a respeito de bico dos seios rachados e de bebês que não conseguem sugar com eficiência. Se isso acontecer, não se sinta culpada. O assunto deve ser tratado como um trabalho em equipe: mãe, bebê, ginecologista e pediatra. Ou seja, ficam de fora avós, primas e amigas. “A mãe deve pensar no que é bom para ela e para o filho. É preciso ter foco!”, ressalta a consultora. “Não dar atenção às críticas e não revidar é um caminho para encurtar o assunto e evitar desgastes“, diz Helena Sunfeld.
9. O cardápio da mãe
“Os pitacos começaram ainda na gestação. Uma colega de trabalho não me deixou comer uma fatia de bolo de chocolate. Disse que eu estava indo bem e não podia desandar na reta final. Nossa… Cheguei a chorar de raiva!“, conta Deborah. Raiva, rancor e impaciência são sentimentos que afloram rapidamente quando se está grávida e com os hormônios em turbulência. Calma e jogo de cintura são as melhores armas para enfrentar as intromissões. Quando o bebê de Priscila nasceu, a sogra, que sempre levou a sério costumes populares, muitos dos quais não têm nenhum embasamento científico, foi a conselheira da vez. “O mais difícil foi convencê-la de que eu não precisaria passar os 40 dias do resguardo, tomando apenas canja de galinha“, lembra a mãe do Leo.
10. O cardápio do bebê
A gestação é só uma preparação para o que está por vir. As cobranças e os palpites a respeito da alimentação do bebê podem até diminuir com o passar dos anos, mas tendem a se prolongar pelo menos até as primeiras papinhas. “Minha solução para lidar com os conselhos foi simplesmente ouvir e responder: ‘Que interessante!’ ou ‘Entendi’. Depois fazia tudo do jeito que eu queria“, conta Deborah Marinho. Ela, por sinal, é um bom exemplo de criatividade e jogo de cintura para lidar com essas situações. Nos casos em que extrapolaram os limites da tolerância e paciência de Deborah, ela soltou, bem marota: “Li em algum lugar que o filho mais fácil de cuidar e de educar é o do outro, né?“.
Ser mãe é um processo de aprendizado constante. Portanto, quanto antes você conseguir relevar comentários e se impor, melhor para sua saúde e paz. Para isso, uma dose de bom humor só tem a acrescentar!
Fontes
Angela Martins, terapeuta familiar sistêmica
Heloísa Sundfield, consultora pessoal da Help Personal Assistant.
Contamos com as histórias das mães Priscila Daniele Manchenho, engenheira agrônoma e mãe de Leo (com 7 meses); Deborah Tavares Marinho, funcionária pública e mãe do Bernardo (com 2 meses); Priscila Arruda Prado, analista de sistemas e mãe do Theo (com 24 dias); Luana da Rosa Linck, professora e mãe de Beatriz (com 6 meses). As entrevistas foram realizadas em agosto de 2010.