“É necessário acabar com essa ideia de que a infância se perdeu”
A frase é da pesquisadora Renata Meirelles, criadora do projeto "Território do Brincar" e vencedora na categoria Cultura da 20ª edição do Prêmio CLAUDIA.
“O brincar é o aqui e agora, é quando você está sendo você na sua essência”. É nisso que acredita a documentarista Renata Meirelles, uma pesquisadora que viaja os quatro cantos do Brasil para conhecer, por meio das brincadeiras infantis, diferentes aspectos da nossa cultura. Junto do marido, o documentarista americano David Reeks, Renata criou grandes projetos voltados para esse tema.
O primeiro deles foi o BIRA – Brincadeiras Infantis da Região Amazônica, lançado em 2001. O casal visitou 16 comunidades indígenas e ribeirinhas do Amapá, do Pará, do Amazonas, do Acre e de Roraima, onde conheceu brinquedos pra lá de criativos: o pião de tucumã (uma semente dura e resistente), o bole bole (brincadeira que usa 20 pedrinhas) e a espingardinha de taboca, feita com um tipo de bambu e espinhos e que é utilizada para caçar formigas. A partir das imagens registradas nessas viagens, foram produzidos diversos filmes de curta-metragem, premiados em festivais de cinema. Outro fruto desse trabalho foi o livro Giramundo, vencedor do Prêmio Jabuti.
Em abril 2012, surgiu uma nova empreitada: junto do marido e dos dois filhos, Renata percorreu o Brasil e visitou comunidades rurais, indígenas, quilombolas, grandes cidades, sertão e litoral. A ideia era mostrar o país por meio dos olhos das crianças e registrar as sutilezas da espontaneidade do brincar. Dessa viagem – que durou até dezembro de 2013 – nasceu o Território do Brincar, feito em parceria com o Instituto Alana. O projeto se desdobrou no documentário que leva o mesmo nome (e que estreou em maio de 2015) e, em breve, vai dar origem a um longa-metragem, dois livros e duas séries infantis para a televisão.
Para saber um pouco mais sobre o papel das brincadeiras na formação de uma criança, fizemos uma entrevista exclusiva com Renata Meirelles, que foi a vencedora na categoria Cultura da 20a edição do Prêmio CLAUDIA, que aconteceu nesta terça-feira (6), em São Paulo. Confira a seguir:
1. Qual foi a importância do brincar na sua vida?
Bom, eu fui uma criança que brinquei muito. E eu trago isso dentro de mim, no meu trabalho, no meu dia a dia. Enquanto estava nos meus espaços livres e espontâneos, eu me sentia muito potente, feliz, acolhida pelos outros e por mim mesma. Então, acho que foi esse lugar que eu tentei carregar comigo na minha rotina, naquilo que eu faço. Afinal, ao brincar, a gente está focado nos interesses, na liberdade de ações.
2. O que simboliza o brincar na vida de uma criança?
O brincar é o aqui e o agora, é quando você está sendo você na sua essência. O brincar tem esse canal de sentir quem é você no mundo, com o outro, na sua própria construção de ser. E isso vai sendo carregado conosco ao longo da vida. A nossa infância é levada aonde quer que formos. Até porque ela é o primeiro alimento, a base, o período em que a gente mais se acessou.
3. No fim das contas, faz diferença brincar com um brinquedo ultratecnológico ou com um pedaço de madeira, por exemplo?
O que importa é você ter tempo pra brincar, é poder ter uma autonomia, uma liberdade naquilo que quer e naquilo que está fazendo. As crianças vão utilizar os recursos que elas têm disponíveis no lugar onde estão. Às vezes, a gente pode ter um ambiente incrível mas não contar com uma liberdade interna. Também considero importante a relação com a natureza ao brincar, porque isso deixa claro o que somos.
4. Como você avalia o uso da tecnologia nas brincadeiras?
Quando estão acessando a tecnologia, é claro que as crianças vivem uma brincadeira isolada. Eu considero isso mais como uma atividade do que uma proposta de livre expressão. Acho que há, sim, uma restrição de convivência corporal. Mas o que a gente precisa é um discurso para além das telas, das mídias e da tecnologia. Temos que entender o fenômeno do brincar e da infância. É necessário acabar com essa ideia de que a infância se perdeu. A gente acredita que a infância está esvaziada e, quanto mais dizemos isso, mais acreditamos que não tem jeito. E aí a criança acaba consumindo muita tecnologia e preenchendo muito do seu tempo, mas ela não tem que estar sempre ocupada. Ela sabe gerenciar a sua própria liberdade. É só a gente oferecer isso a ela.
5. Há diferenças entre brincar sozinho e com outras crianças?
Os dois são importantes. Ficar sozinho e ter espaços de solidão, de devaneios, de silêncio, de respiros no dia a dia é uma procura importante das crianças. Mas isso tem que ser uma das opções – e não a única! A criança que não tem opção de ficar só, de brincar sozinha, aquela que está o tempo todo dentro de instituições… Acaba sentindo muita falta disso. Ela sabe o que precisa e é importante que tenha meios para buscar aquilo.
6. Qual o papel dos pais e da escola no incentivo às brincadeiras?
Seja quem for: escola, pais, cuidadores… As pessoas precisam acreditar no potencial do brincar. Acreditar no quanto isso é a força da vida e o que faz as crianças serem elas mesmas. E isso não significa que vão ficar soltas e abandonadas. Temos que trabalhar em mostrar esse fenômeno do brincar.