O nascimento do bebê desperta o instinto maternal e, com ele, vem a… Culpa! Esse sentimento incômodo não deixa incólume nem as mulheres que se dedicam 24 horas aos seus rebentos. “Meu filho está muito apegado, será que sou presente demais?”, questionam. A coisa só piora quando elas têm de se dividir entre casa e trabalho. “Sou muito egoísta porque penso em carreira enquanto meu bebê precisa de mim”, punem-se.
Se entram na equação lazer, hobbies e outros interesses pessoais, então, a coisa fica feia. E vem o exagero: “Sou uma péssima mãe porque deixo meu filho uma vez por mês com a avó para almoçar com minhas amigas.” O fato de esse mal-estar ser comum a todas as mulheres que têm filhos não significa, porém, que um esforço para controlar a culpa seja desnecessário ou em vão. Pelo contrário. É possível, sim, viver a maternidade de maneira mais tranquila. E um dos primeiros passos é identificar as origens de tanta culpa.
A mais antiga delas vem do que os psicanalistas costumam chamar de “herança intergeracional”, ou seja, a ideia para lá de caduca de que mulheres nasceram para serem mães e cuidarem da casa, da família. Só isso. Uma bobagem tremenda, mas que persiste no subconsciente feminino.
Em geral, é por causa dela que você se pega questionando se o emprego não está ocupando lugar demais em sua vida mesmo que tenha feito a opção de trabalhar meio período para poder se dedicar ao bebê. É essa noção de que as mulheres nasceram exclusivamente para a maternidade também que incomoda quando você decide deixar os filhos com a babá para sair com o maridão, ou quando resolve ler um livro em vez de arrumar o material escolar das crianças.
E não para por aí. “Outra grande fonte de culpa é uma fantasia onipotente, a ideia de que é possível dar conta de tudo e com perfeição”, afirma a especialista em psicopatologia do bebê, Maria Cecília Pereira da Silva, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Funciona mais ou menos assim: em 24 horas, você tem que ser sensível aos sinais de desamparo do seu filho, garantir que sua rede de apoio atenda suas necessidades e comandos, manter o mesmo ritmo de produção no trabalho que tinha quando era solteira (ou ainda aumentar), estar linda, namorar, dormir oito horas e acordar animadona para correr na esteira.
Ou: já que decidiu dar um tempo na carreira para cuidar da cria, vai ter que amamentar até os dois anos, no mínimo, cozinhar todas as refeições dos seus filhos com ingredientes orgânicos escolhidos a dedo por você mesma, construir brinquedos artesanais, contar histórias interessantíssimas que inventou, colocar o bebê para dormir todas as noites e por aí vai… “As mulheres estão adoecendo com suas expectativas de perfeição”, escreveu Karen Kleiman, fundadora e diretora executiva do Centro de Stress Pós-parto dos Estados Unidos no artigo Guilty, Mothernhood and the Pursuit of Perfection (Culpa, Maternidade e a Busca pela Perfeição, em português).
Está claro que, na maioria dos casos, a culpa é parte de uma armadilha que criamos para nós mesmos. Mas tal sentimento também tem uma função benéfica. Ele serve de norte para nos ajudar a avaliar se estamos agindo da forma que julgamos correta. “A culpa é uma expressão de maturidade psíquica, emocional”, diz a psicanalista Belinda Mandelbaum, coordenadora do Laboratório de Estudos da Família do departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP. “Ela é sinal de que somos responsáveis por aquilo que fazemos com o outro.” Ou seja, a culpa faz parte da vida de quem zela pelos filhos. Uma atitude saudável, portanto, é usar o sentimento como um instrumento diário de aperfeiçoamento da vida em família. Ao menor sinal de culpa, pare, avalie a situação e deixe o instinto agir.