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“Como foi descobrir que meu filho de um ano e meio tinha câncer”

Conheça a história da mãe que enfrentou uma busca incansável pelo diagnóstico do filho doente e, depois, lutou bravamente para ver o pequeno curado.

Por Laís de Andrade
Atualizado em 15 fev 2017, 16h26 - Publicado em 9 nov 2016, 21h10

Natália Moraes, 23 anos, é mãe de Nicolas, de 4 aninhos, administradora e sócia da escola “Le Petit Nicolá”, projetada em homenagem ao filho. Aqui, ela conta como foi descobrir um tumor maligno em seu pequeno antes mesmo dele completar 2 anos de vida e revela, ainda, como lidou com o medo e a insegurança durante esse período conturbado e como ela e a família conseguiram vencer a doença juntos.

“Eu tinha apenas 18 anos e estava grávida. Descobri minha gestação muito cedo, com cerca de três semanas, e tomei todos os cuidados necessários que o período exigia. Eu rezava muito para que o bebê viesse saudável e não fazia absolutamente nada que pudesse prejudicá-lo. Eu não dirigia mais e até seguia algumas superstições para mantê-lo seguro! Assim, a gravidez seguiu tranquila e saudável durante os nove meses. Tive o Nicolas com 37 semanas, na Pro Matre na Paulista, em São Paulo, e tudo ocorreu perfeitamente. Ele era muito quietinho e, até os quatro meses era eu quem na maioria das vezes o acordava para mamar – ele raramente chorava, não apresentava cólicas, resfriado, febre… Nada!

Quando ele completou oito meses as coisas mudaram: ele começou a andar sozinho e nem na hora de comer conseguíamos mantê-lo sentado. A cadeirinha do carro e o cadeirão de alimentação eram os inimigos dele! Eu nunca tinha visto meu filho se sentar sequer por um segundo para ver um desenho… E isso me deixava exausta! Além de toda essa agitação, o intestino dele começou a apresentar mudanças e estava sempre oscilando entre diarreias e ressecamentos – o que, na época, eu acreditava que era o motivo para as dores de barriga e as dores nas costas que ele apresentava. Vê-lo dessa maneira me desesperava, passei a ter dias frustrantes tentando entreter uma criança que não parava quieta nunca. Ele passou a chorar constantemente e não se distraía com nada!

Diante desse quadro, decidimos levá-lo ao pediatra e, assim, começou nossa briga com os médicos e hospitais que insistiam em nos dizer que estava tudo bem, que ele não tinha nada e que era o comportamento normal de uma criança. Dos oito meses dele até um ano e meio, foram receitados remédios para verme, para intestino, supositórios, papinhas laxativas… Mas nada disso fez efeito de fato. Lembro do meu marido passar noites com meu filho agachado no chuveiro chorando e tentando fazer com que nosso pequeno fizesse cocô, sempre com tentativas frustradas. Um dia, percebemos uma espécie de ‘bolinha’ no final da coluna do Nicolas, que era muito difícil de identificar, pois ela só era visível quando ele abaixava e fazia força. Lembro-me de uma noite em especial, quando notamos que aquela pequena deformidade estava realmente incomodando nosso filho, pois ele chegou da escolinha e começou a andar de um lado para o outro da casa com a mãozinha nas costas, tentando arrancar a ‘bolinha’ e só parou quando, finalmente, conseguimos acalmá-lo.

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Durante meses, passamos por diversos médicos e hospitais renomados de São Paulo e ninguém conseguia nos dizer o que havia de errado com nosso pequeno. Chegamos, então, ao ponto de ir a um neurologista, que pediu exames mais específicos, porém, ele já nos adiantou: os choros, a hiperatividade e não parar sentado eram apenas coisas de uma criança normal e, quem sabe, um pouco mal-educada.

Voltamos à consulta de retorno com o especialista e foi aí que as coisas começaram a desmoronar. Até hoje não consigo explicar o olhar e a expressão facial dele vendo os exames do meu filho e nos dizendo, boquiaberto, que não sabia como explicar o fato do Nicolas estar ali, andando, brincando e tentando subir pelas escadas da maca na sala. Nosso pequeno havia nascido com um tumor maior que sua bexiga, que pressionava todos os seus órgãos, principalmente o intestino, e estava também deformando sua coluna. Sem perder tempo, o neurologista encaminhou nosso filho para um oncologista. Quando saímos de lá, não falamos nada sobre o assunto. Fomos invadidos por um misto de medo, após aquela terrível descoberta, e alívio, por finalmente termos solucionado o que era aquele incômodo todo.

No dia 20 de março de 2014, chegamos ao Graacc. O médico logo nos disse para ficarmos tranquilos, pois até o primeiro ano da criança aquele tipo de tumor do nosso filho – teratoma sacrococcígeo – não era maligno. Porém, o Nicolas já estava com 1 ano e 6 meses e a demora da descoberta poderia ser fatal. Preocupado, o especialista nos orientou a não dar mais nada que pudesse prender o intestino do bebê, porque o risco dele não aguentar até a cirurgia era gigante. Eu só conseguia olhar para aquela criança com tanta vida no olhar e desacreditar de tudo aquilo. Era nítida sua dor, mas mais nítida ainda era sua vontade de viver.

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Na segunda-feira, dia 24 de março, ele foi internado e na quarta-feira, 26, ele foi para o centro cirúrgico. Eu e meu marido nos sentíamos anestesiados com a sensação de ter nosso bebê em uma cirurgia, mas ao mesmo tempo nos sentíamos confiantes. Tudo o que queríamos era que aquela dor acabasse. A cirurgia foi um sucesso, retirada total do tumor, mas para isso haviam desviado o intestino dele em uma colostomia – o que acreditávamos que seria nossa única batalha após aquela cirurgia. Eu entrei naquela UTI como eu havia entrado naquele hospital: com o peito aberto para o que viria, com uma força dentro de mim que só poderia estar vindo de Deus, porque não tem explicação.

Após 23 horas internado, Nicolas saiu da UTI. Nosso pequeno estava tirando aquilo de letra, quando recebemos outro golpe. Após uma semana, a biópsia constatou que o tumor era realmente um câncer. A partir daí foram só notícias ruins. Eu era uma rocha por fora, apesar de todo furacão interno, e estava aguentando tudo bravamente. Na semana seguinte, os exames constataram metástase pulmonar: cerca de 80 nódulos de câncer no pulmão. E por essa eu não esperava. Eu estava na faculdade quando recebi a terrível notícia do meu marido e chorei baixinho até que me senti preparada para levantar, sair da sala de aula e ir até o hospital encontrar o meu filho.

E lá estávamos nós começando uma quimioterapia. Passávamos os dias cantando, fazendo vídeos nossos contando até três, fazendo gracinhas, tentando não passar para ele o menor indício de que ali, para nós, parecia o fim do mundo. Colocaram um cateter no pescoço dele, um dos oito que ele teve durante o tratamento, antes de passarem para o portocatch – que é um cateter interno, porque suas veias tão fininhas não aguentariam. Todo esse processo lhe rendeu uma infecção… Foram 28 dias internado. Nicolas perdeu a fala, saiu de lá sem soltar uma palavra sequer. E nós, pais, já não conversávamos mais quase nada, estávamos sempre buscando respostas internas.

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A princípio, seriam 5 ciclos de quimioterapia, a cada 21 dias. Cada ciclo durava 3 dias seguidos. Quando estávamos nos encaminhando para o quinto e último ciclo, os exames já eram excelentes, havia apenas um nódulo e, pra gente, aquilo já era uma guerra ganha. Mas, na reavaliação após o último ciclo, o nódulo havia resistido e voltado a crescer. Outro golpe! De volta à estaca zero, nossos sentimentos continuavam dormentes, era só um silêncio ensurdecedor. E nossa luta durou por quase um ano contra esse único nódulo. Ouvimos médicos nos dizerem que não sabiam mais o que fazer… Inventaram protocolos de quimioterapia (combinação de diferentes medicamentos) na tentativa de fazer sumir aquele nódulo que desaparecia e voltava em questão de dias. Enfim, os médicos chegaram à conclusão de que o transplante de medula era a única e última chance para o nosso bebê. Antes do procedimento, passamos por diversas consultas preparatórias, constituídas basicamente em nos dizer: ‘não podemos garantir que ele saia vivo, mas, se sair, estará curado!’.

Nós tínhamos largado tudo para cuidar dele, nossas mães ajudavam com tudo que podiam, estavam sempre por perto para revezar com a gente quando a necessidade de descansar era maior do que o medo de deixá-lo… Chegamos ao ponto de ter que expor o nosso filho na internet a fim de conseguirmos doações de fraldas, leite e dinheiro para poder pagar o nosso aluguel.

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Quando finalmente conseguimos levá-lo para o transplante de medula, foi lá que vimos ele perder o sorriso, a vontade de viver. Foi lá que vi meu filho se entregar, desistir. Vi pedaços da sua garganta e estômago saírem com o sangue em seus vômitos. Vi seu corpo morrer, seu pulmão parar enquanto só seu coração batia. À meia-noite do dia 25 de dezembro de 2014, três dias após o transplante, quando foram verificar seus sinais vitais não havia nada. Nosso pequeno não estava oxigenando e as enfermeiras correram para chamar a médica. Meu marido encostou-se à parede e hoje eu sei que ele rezava para Nossa Senhora, mas na hora eu não entendi e nem tentei, eu achei que tudo havia chegado ao fim, achei que era o momento pelo qual eu tentei não acreditar que chegaria, mas inconscientemente eu me preparava desde que descobrimos a metástase. Eu achei que passaria o resto da minha vida sobrevivendo e lutando apenas com a saudade, com a dor da despedida.

Mas aquela foi a batalha final! O Nicolas conseguiu ser reanimado e, desde então, só tem obtido vitórias. Desde aquela reanimação ele voltou a lutar e a tirar aquilo de letra novamente. E no dia 8 de janeiro a medula finalmente pegou. Ele estava curado e nós fomos pra casa. Saímos de lá como se saíssemos da maternidade, com o nosso filho que acabava de renascer.

Em outubro, fez um ano que ele tirou a colostomia e o portocatch e em dezembro, faz dois que ele fez a cirurgia de medula. As idas ao Graacc agora são menos frequentes e sempre com bons resultados. Meu filho chegou ao centro oncológico com 126 mil de taxa de câncer, sendo estado terminal a partir de 50 mil para um adulto. Agora, enfrentamos batalhas diárias com a sua baixa imunidade depois de tantos antibióticos fortíssimos e o transplante. Nosso guerreiro vai à fonoaudióloga duas vezes por semana para a fala. E nossa família vem, mais uma vez, se reerguendo bravamente, estamos nos refazendo. Hoje, Nicolas tem até uma escola com o nome em sua homenagem: ‘Le Petit Nicolá’. E não dá para mensurar o tamanho da sua vitória! Não tem um dia sequer que eu me esqueça de dizer o quanto o amo e de agradecer por tê-lo aqui comigo!”

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