Você já deve ter brincado com um bebê e sentido uma espécie de conexão, mesmo quando o pequeno ainda não possui a fala desenvolvida. Fato é que esta sensação é muito comum mesmo para quem não é pai e mãe e pode não ser só fruto da nossa imaginação. Sim, há um embasamento científico nisso.
O motivo? Uma pesquisa recente, divulgada pelo Science Daily, sugere que, na hora da brincadeira, o adulto pode estar literalmente na mesma “frequência” cerebral da criança, vivenciando atividades cerebrais similares nas mesmas regiões do sistema nervoso. O estudo foi conduzido por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos e foi o primeiro a investigar a interação dos baixinhos e de seus responsáveis durante o momento lúdico.
“Pesquisas anteriores mostraram que o cérebro dos adultos sincronizam quando eles assistem a filmes e escutam histórias, mas pouco se sabe sobre como essa ‘sincronia neural’ se desenvolve nos primeiros anos de vida”, disse Elise Piazza, pesquisadora associada do Instituto de Neurociência de Princeton.
E foi justamente a falta de material sobre o assunto que motivou o experimento. Depois de todo o processo, os pesquisadores constataram que as atividades cerebrais dos participantes da brincadeira se elevam e declinam juntas, enquanto eles compartilham brinquedos e fazem contato visual.
Piazza e os outros co-autores do estudo – Liat Hasenfratz, acadêmico do mesmo instituto; Uri Hasson, professor de psicologia e neurociência; e Casey Lew-Willians, professor associado de psicologia – apontam que esta sincronia neural pode ter implicações importantes para o desenvolvimento social e para o aprendizado da linguagem.
O passo a passo do experimento
Estudar a vida real e a comunicação face a face entre bebês e adultos não é nada fácil. De acordo com Elise, a maioria das pesquisas anteriores sobre a conexão neural envolveu o escaneamento do cérebro de adultos a partir da ressonância magnética funcional (fMRI) em sessões separadas, enquanto eles assistiam a filmes ou escutavam histórias.
Já para analisar a comunicação em tempo real, como foi o caso deste estudo pioneiro, os pesquisadores precisaram criar um ambiente “amigável para as pequenos” para que fosse possível gravar simultaneamente a atividade cerebral do cérebro do bebê e do adulto. Assim, os estudiosos desenvolveram um novo sistema de neuroimagem que utiliza a espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS), um método extremamente seguro que registra a oxigenação do sangue como um indicador da atividade neural.
A técnica permitiu que os cientistas gravassem a coordenação neural entre os baixinhos e os adultos enquanto eles brincavam com brinquedos, cantavam músicas e liam livros. Os participantes foram 18 crianças, com idades entre 9 a 15 meses.
O experimento aconteceu em duas partes. Na primeira, os adultos passavam cinco minutos interagindo diretamente com a criança, enquanto ela sentava no colo de um de seus pais. Na seguinte, o processo foi invertido, e outro adulto escutava a história enquanto a criança brincava em silêncio com seu pai.
Foram coletados dados de 57 canais do cérebro geralmente envolvidos em sistemas de predição, processamento de linguagem e entendimento da perspectiva de outras pessoas. Ao examinar os resultados, os pesquisadores notaram que, durante as sessões face a face, o cérebro dos bebês estava sincronizado com o dos adultos em diversas áreas responsáveis pelo entendimento do mundo – que provavelmente ajudaram a criança a decodificar o sentido geral da história.
Quando as duplas eram separadas e passavam a interagir com outras pessoas, as conexões desapareciam. O achado vai de encontro com a expectativa dos pesquisadores, mas os dados não deixam de conter elementos surpreendentes. Por exemplo, o fato de que a ligação mais forte ocorreu no córtex pré-frontal, envolvido no aprendizado, planejamento e execução, e área que os cientistas consideravam pouco desenvolvida durante a infância.
“Nós também estamos surpresos em descobrir que o cérebro das crianças estava muitas vezes ‘liderando’ o cérebro dos adultos por alguns segundos, o que sugere que os bebês não apenas recebem estímulos passivamente, como podem guiar os adultos para a próxima coisa que eles irão focar: qual brinquedo pegar, que palavra dizer”, afirmou Lew-Williams, co-diretor do Laboratório de Bebês de Princeton, onde a pesquisa foi conduzida.
“Durante a comunicação, tanto o adulto quanto a criança pareceram formar um ciclo de feedback”, explicou a autora da descoberta. “Ou seja, o cérebro do adulto pareceu prever quando os bebês iriam sorrir, o das crianças antecipou quando o adulto usaria uma ‘fala infantil’, e ambos os cérebros rastrearam em conjunto o contato visual e a atenção aos brinquedos. Então, quando os participantes brincavam juntos, seus cérebros se influenciaram de forma dinâmica“, esclareceu ela.
Implicações da descoberta
Os pesquisadores se mostraram bastante otimistas sobre o futuro dos achados. Esta abordagem pode abrir portas para o entendimento de como funciona a conexão com cuidadores no desenvolvimento atípico – como o de crianças diagnosticadas com autismo – e também pode ajudar os educadores a otimizarem suas estratégias para atenderem os pequenos com diferentes funcionamentos cerebrais.
E não para por aí! Apesar das descobertas terem sido promissoras, nem tudo foi esclarecido. Por isso, os estudiosos continuam investigando como a conexão neural se relaciona ao aprendizado da linguagem por parte dos baixinhos em idade pré-escolar.