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“O aborto espontâneo e a dor do luto”

Receber a notícia de que o seu bebê não se desenvolveu não é fácil. Conheça a história de uma mãe que passou por isso e veja como ela encarou esse momento.

Por Luísa Massa
Atualizado em 10 Maio 2017, 16h47 - Publicado em 10 Maio 2017, 16h12

Lívia Haddad, 34 anos, é jornalista, idealizadora do blog Lei da Gravidez e mãe da Beatriz, de 3 anos. Aqui, ela conta como foi passar por um aborto espontâneo na gestação do segundo filho e relata como encarou o processo de luto ao lado da família.

“Falar sobre aborto espontâneo é delicado, mas o assunto é mais comum do que pensamos. Aproximadamente 20% das gestações são interrompidas desta forma, mas este número ainda é contestado, uma vez que muitas mulheres acabam abortando sem ao menos saberem que estavam grávidas. Fato é que hoje eu faço parte dessa estatística. E confesso: não é nada fácil!

No final de janeiro descobri que estava esperando um bebê e quando a gente vê aquele segundo risquinho na tira do teste de farmácia, o mundo já se transforma. Você se sente mãe e faz planos. Chora, se emociona, tem medos e uma certeza: um amor sem limites. No meu caso, mais um amor, já que eu tenho a Bia. Apesar de estar num momento de turbilhões na minha vida, essa gravidez me dava forças e uma esperança que as coisas iriam melhorar. Estava tudo indo (aparentemente) bem. Os enjoos fortes e os hormônios revirando conforme o cronograma.

Com oito semanas a primeira ultra indicou que estava tudo dentro do normal. E assim se seguiu. Sem nenhum problema visível, continuei a vida, já chegando no fim do primeiro trimestre e na expectativa de um abril mais tranquilo. Mas foi no último dia de março que as coisas se reviraram dentro de mim. Fui fazer a ultra de 12 semanas, aquela que permite avaliar se o bebê tem algum problema e dá até para chutar o sexo. Eu estava muito nervosa.

Quando entrei na sala e a médica colocou o aparelho, eu já percebi que algo estava errado. Depois de uns longuíssimos dois minutos de tentativa de ver o bebê, ela foi direta: “ele não desenvolveu, está sem batimento” e colocou pra ouvir o coração, sem nenhum som, só aquele vácuo. E uma dor bateu forte. Há mais de três semanas aquele serzinho já não tinha mais vida dentro de mim. E foi assim, sem sintomas, sem sangramento, sem indício nenhum de que algo estava errado. Eu, que nunca tinha ouvido falar em aborto retido, saí da sala e chorei feito criança. Não era possível. Eu perdi um filho!

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No momento do exame estávamos eu, meu marido Luís e a Bia na sala. Ela, aos três anos, ainda não entendia nada, mas chorou ao me ver aos prantos. Fui sincera desde o primeiro momento, dizendo que o bebê não estava mais ali e que tinha virado um anjinho. Ela nunca me perguntou, às vezes faz referência à gravidez, mas quando a olho para explicar, ela aponta para o céu. Contar aos nossos pais também foi uma etapa delicada, com muito choro meu e do meu marido, que mesmo abalado tentava me dar o suporte que eu precisava.

O processo de falar aos poucos que sabiam era doloroso. E encontrar as pessoas e ter que explicar era mais ainda. Por isso me expus, coloquei minha dor a mostra numa rede social para que todos entendessem e foi o que aconteceu! Recebi muito carinho, muito mesmo! Falando isso agora para vocês, as lágrimas que achei que tinham secado voltam a brotar nos meus olhos. Passei três dias chorando compulsivamente.

No momento da descoberta tinha optado por esperar que saísse naturalmente, mas percebi que seria muito difícil psicologicamente saber que aquele bebê estava na minha barriga, mas sem vida. Então após uma conversa com minha ginecologista, resolvi induzir o processo e acabar logo com aquilo. Dizem que a curetagem é um processo dolorido. Você é internada no hospital, de jejum, a médica do plantão coloca alguns comprimidos internamente para amolecer o colo do útero e acelerar um ‘parto’ e, quando você expele, entra no centro cirúrgico para limpar todo e qualquer resquício que possa ter ficado lá dentro. Geralmente dura algumas horas e você pode ter alta no mesmo dia.

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Não doeu, eu me senti aliviada e pensei que tinha fechado este ciclo. Mas não. A dor física veio e a psicológica não passou. As cólicas não são nada perto da tristeza, mas quando elas apertam a lembrança volta mais forte. Não tem jeito, a culpa vem e vai, assim como as memórias daqueles três meses de espera, as conversas com a barriga, as orações, os planejamentos. Tudo interrompido pelo luto. E eu me dou o direito de chorar, de sentir tristeza, de não entender o que aconteceu. Me permito ficar quieta, calada, sem querer conversar sobre isso ou sobre nada.

Mas ao mesmo tempo, eu tenho consciência de que Deus sabe de todas as coisas. E Ele sabe que eu tenho força, assim como todas que passaram por isso, para superar essa fase e tirar todo ensinamento dela. Somos nós que temos que acreditar na nossa capacidade de passar por este ciclo e dar continuidade na nossa vida. Mesmo com o passar dos dias, não penso agora se eu quero engravidar novamente. No começo vem a revolta e o pensamento de que não quero mais, mas o tempo para tentar uma nova gravidez é grande (seis meses após a curetagem) e eu vou respeitá-lo, pois me dará também espaço para me conhecer e não ter nenhuma pressão. Mas a verdade é única: nenhum filho vem para substituir o outro.

E confesso, fiquei muito mais grudada na Bia, e ela em mim. Ela é meu foco, minha vontade de ficar bem e ser feliz, porque ela é quem me traz a alegria que às vezes penso que perdi. Agora eu vou ser bem sincera: a coisa que mais me ajudou durante todo o processo foi conversar com mulheres que também passaram por isso. E descobrir que pessoas próximas também já sofreram aborto me mostrou que abrir essa dor e criar essa identificação nos torna mais fortes, humanas e capazes de superar. Não conto isso aqui para causar medo de que aconteça com você, mas para que tenhamos compaixão pelas mães que estão sofrendo. E se aconteceu, saiba que você não está sozinha. Outras mulheres se compadecem da sua dor. E hoje eu te respeito muito mais pela pessoa forte que você se tornou.”

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