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Reprodução assistida: auxílio psicológico para o casal é fundamental

Recorrer a técnicas de fertilização para realizar o sonho de ser mãe pode mexer muito com as emoções da mulher. Saiba o que aconselham os especialistas.

Por Lia Scheffer (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 03h43 - Publicado em 8 jun 2015, 10h33

O abalo ao se descobrir infértil e o grau de estresse são tão grandes que, segundo pesquisas recentes, podem ser comparados ao de portadores de aids ou câncer. Por causa disso, o apoio psicológico se faz indispensável para preservar o bem-estar do casal e prepará-lo para o resultado, seja ele qual for. Médicos e psicólogos dão conselhos valiosos para acalmar os ânimos nessa fase conturbada e manter o equilíbrio
 
1. Evite a pergunta “de quem é a culpa?”
Segundo Hilton Pereira Cardim, professor adjunto da Universidade Estadual de Maringá e diretor da Fertclinica, engana-se quem pensa que a infertilidade acomete apenas o sexo feminino. “Dos 15% das pessoas que sofrem para ter um filho, 40% são mulheres, 30% homens e, em cerca 30% dos casos, o problema vem de ambos os lados”, diz. “Ou seja, o número de homens e mulheres inférteis é praticamente o mesmo.” Independentemente do motivo, é importante que o casal não inicie acusações do tipo “de quem é a culpa?” porque, além de abalar a relação, esse conflito prejudica o tratamento. “A falta de compreensão de ambas as partes pode gerar muitas brigas no casamento. É essencial que os parceiros permaneçam em equilíbrio para que o auxílio médico surta efeito”, orienta o especialista.
 
A ânsia por engravidar leva as mulheres a monitorar o período de ovulação e até mesmo a programar as relações, atrapalhando a sexualidade do casal. Soma-se a isso a diferença de comportamento entre os parceiros – enquanto eles têm uma atitude aparentemente passiva, elas costumam ficar irritadiças e ansiosas. “Muitas vezes, o homem adota uma postura mais calma para tentar passar tranquilidade e proteger a companheira. O problema é que isso pode deixar a parceira nervosa. Ela enxerga essa atitude como um comportamento de quem não está nem aí”, observa Cardim. Já para seu colega Gilberto da Costa Freitas, também da equipe do Pérola Byington, a crise matrimonial denuncia ainda outros erros. “Quando o relacionamento está desgastado, percebemos que a tentativa de conceber um filho serve apenas como uma estratégia para resgatar a harmonia perdida e, aí, o fracasso é certo”, alerta.
 
2. Fuja do pensamento do “por que justo eu?”
Imagine a frustração de quem busca engravidar repetidas vezes sem sucesso. Quando as tentativas ultrapassam o período de um ano – prazo que, de acordo com critérios da Organização Mundial da Saúde, um casal já pode ser considerado infértil –, é preciso recorrer à ajuda especializada. “Essa mulher atravessa uma fase muito delicada após tentar realizar o sonho de ser mãe durante um ou dois anos sem êxito. Além de ansiosa, ela passa, a partir do início do tratamento, a fazer uso de uma série de hormônios, que podem deixá-la à beira de um ataque de nervos”, explica Marcio Coslovsky, diretor médico da clínica Huntingtom Medicina Reprodutiva, no Rio de Janeiro. Durante esse período, é comum que a candidata à mamãe chore por qualquer bobagem e sinta-se triste, ansiosa e irritada – em outras palavras, parece uma TPM sem fim.
 
“Quando a ala feminina descobre que não pode ter filhos, é um choque muito grande e o primeiro pensamento é: ‘Por que justo eu?’”, conta Freitas. Nessa fase de questionamento, a busca por apoio, sobretudo psicológico, faz toda a diferença. “Um psicólogo, por exemplo, irá se preocupar em conhecer a trajetória do casal desde a descoberta da infertilidade até o momento em que decidiu procurar ajuda e avaliar o nível de estresse de ambos”, explica Katia Maria Straube, psicóloga especializada em reprodução assistida, de Curitiba. Com esse tipo de suporte, pouco a pouco a ansiedade e o nervosismo dão lugar à compreensão e a futura mãe aceita, finalmente, que o tratamento é menos assustador do que parece.
 
3. Tenha em mente que o tratamento pode não funcionar nas primeiras tentativas
Apesar de cerca de 70% dos casais que se submetem as técnicas de reprodução assistida realizarem o sonho de conceber um bebê logo no começo do tratamento, é preciso se preparar para um possível fracasso. De acordo com a Sociedade Europeia de Reprodução Humana, metade dos pacientes desiste se o resultado positivo demora a chegar. “Quando a gravidez ainda parece um sonho distante mesmo depois de várias tentativas, é difícil manter a calma. Mas o importante é não se deixar abalar”, afirma Coslovsky. A crise no casamento gerada por esse desgaste emocional e a pressão social por filhos só tendem a piorar o quadro de ansiedade e estresse. “Nessas horas, a vontade de jogar tudo para o alto e desistir é grande, mas, com o auxílio de um profissional, é mais fácil se reerguer e tentar outra vez”, afirma Cardim.
 
4. Esteja preparada para a possibilidade de uma gravidez de múltiplos
A chance de ocorrer uma gestação de múltiplos também não deve ser descartada, lembra Kátia. “Atualmente, muitas pessoas já sonham com a chegada de gêmeos, mas isso acaba sendo uma surpresa para a maioria dos casais, que planejaram com todo o cuidado a chegada do primeiro bebê”, diz a psicóloga. “O importante é ter a consciência de que sempre há essa probabilidade.” A preocupação com a gravidez de gêmeos ou trigêmeos é ainda maior quando se leva em conta o fator econômico. “Uma novidade como essa pode causar tanto danos emocionais como financeiros. O casal precisa estar preparado para refazer todos os seus planos e receber a notícia de braços abertos”, orienta Freitas.
 
5. Poupe para gastar mais do que imaginava
Além das técnicas de reprodução serem caras, é preciso ter sempre em mente que o investimento pode se estender mais do que o imaginado. “Muitas vezes, a mulher terá que tentar outras vezes e gastar não só mais tempo como também mais dinheiro”, lembra Kátia. Porém esse fator não anula o desgaste físico e emocional como o primeiro motivo para abrir mão de ter um filho. Mesmo na Europa, onde clínicas socializadas oferecem até seis tratamentos de fertilização totalmente gratuitos, metade dos casais, em média, desiste após o segundo ou terceiro resultado negativo.
 
6. Divida os problemas com o parceiro e reduza, assim, seu estresse
As pessoas são preparadas, desde a infância, para um dia desempenharem o papel de pais. No caso feminino, essa cobrança é ainda maior. “A mulher cresce com o pensamento de que um dia será mãe. Imagine o trauma causado se ela se descobre infértil. É uma crise tremenda”, diz Cardim. Segundo pesquisas recentes, a paciente que sofre de infertilidade pode chegar a um grau de estresse comparável ao de portadoras de aids ou câncer. Sentimentos de culpa, fracasso, ansiedade, depressão, irritabilidade e frustração são bastante comuns nessa fase. “A mulher geralmente consegue realizar tudo: se quer passar na faculdade, estuda. Se quer um emprego, batalha. E, se gosta de alguém, conquista. Já a gravidez, por mais que seja desejada, parece estar fora de seu controle”, compara Cardim.
 
A melhor maneira de não transformar esse período em um pesadelo é enxergar além do problema e trabalhar para que a maternidade não seja o único foco na vida do casal. “Costumo dizer às minhas pacientes que a vida não se resume ao útero e ao ovário. Os dois precisam dar valor ao relacionamento, à família e aos amigos”, aconselha Cardim. Apesar de apenas 10% das causas de infertilidade não estarem relacionadas a problemas físicos, a questão emocional deve ser tratada com muita atenção. “Ainda não sabemos as razões por trás desses casos específicos e o quanto o lado psicológico afeta o resultado, mas é certo que, quanto mais o casal dividir seus problemas com um especialista e receber a orientação devida, maiores são as chances de um tratamento bem-sucedido”, afirma Freitas.
 
7. Compartilhe as frustrações por meio de terapias convencionais ou alternativas, como a ioga e a dança

O ideal é que todos os casais em tratamento busquem apoio psicológico, mas há situações em que o desgaste emocional pode ser ainda maior, como nos pacientes submetidos a terapias que exigem a recepção de óvulos e embriões ou barrigas de aluguel. “A assistência psicológica também é útil quando um dos parceiros sofre algum tipo de depressão ou tem um histórico de distúrbios psiquiátricos. Mães solteiras e homossexuais também merecem ser acompanhadas de perto”, lembra Freitas. Muitas clínicas também oferecem terapias alternativas, como acupuntura, dança e ioga, para complementar o tratamento. “O fundamental, acima de tudo, é que o casal se sinta à vontade para compartilhar suas emoções e frustrações e aprenda a compreender as etapas do processo, sem expectativas fantasiosas”, diz Kátia.
 
8. Deu certo… Mesmo assim, continue a buscar
“Os três meses após a descoberta da gravidez ainda são delicados porque o risco de aborto é maior, já que a gravidez não está 100% consolidada”, lembra Kátia. Mesmo depois desse período, é interessante que a mulher continue sendo acompanhada para aprender a lidar com questões que, até então, haviam ficado em segundo plano. “Um psicólogo pode orientar o casal sobre como contar à criança a respeito da forma como foi concebida”, exemplifica a especialista. Se possível, o acompanhamento deve ser permanente. Assim, pai e mãe estarão habilitados a trabalhar seus conflitos e, juntos, conseguirão criar e educar esse filho tão aguardado.