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“O que eu aprendi quando decidi parir”

Parto normal ou cesárea? Confira o depoimento de uma mãe que fala sobre como essa escolha modificou a sua vida.

Por Luísa Massa
Atualizado em 27 out 2016, 19h11 - Publicado em 6 jul 2015, 08h29

Juliana Baron, 28 anos, é mãe do João Pedro, de 5 anos, e do José Antônio, de 3 meses, e idealizadora do blog Psicologando. Aqui, ela conta como a experiência de parir mudou suas percepções.

“Há cinco anos tive o meu primeiro filho por meio de uma cesárea eletiva. Na época, com 23 anos, imatura e com um desejo inocente de viver um parto normal, deixei que o roubassem de mim. Bebê muito grande, colo alto e uma pitada minha de ansiedade (estava com 38 semanas), fizeram com que minha médica marcasse o procedimento que traria meu filho ao mundo para uma sexta-feira, véspera de feriado. Óbvio.

Logo depois que João Pedro nasceu, mergulhei na intensidade do puerpério e da livre demanda e isso me impediu de perceber a violência que sofri quando fui privada de informações verdadeiras sobre a importância daquela cesárea. Meu bebê resistiu à retirada prematura – apesar de ter ficado uma hora na UTI por sofrimento respiratório -, mas hoje sei que eu queria muito mais do que um sobrevivente.

Alguns anos depois, quando comecei a pensar no segundo filho e passei a pesquisar mais sobre parto normal, entendi o roubo do meu protagonismo. Porque uma coisa é a mulher escolher a cesárea, outra é ela ser levada a escolher por um (falso) risco ao seu bebê. E esse foi o primeiro aprendizado que tive ao decidir parir: de que se munir de informações é a melhor arma nessa sociedade cesarista, na qual muitas mulheres acham que escolheram a cesárea, mas, na verdade, foram totalmente desencorajadas pelas pessoas em quem mais confiaram naquele momento.

O segundo aprendizado veio logo em seguida, quando comecei a manifestar meu desejo de parir: é necessário muito empoderamento para escolher a dor e a humanização nessa mesma sociedade. Aos 23 anos, eu não era empoderada de uma maneira geral e, por isso, reconheço que fui cúmplice naquele furto. Mas nessa segunda oportunidade, a história era outra. Depois de muita terapia (por motivos alheios ao parto), um processo doloroso de aceitação de quem eu sou e do que eu gosto e uma guinada na área profissional (comecei a estudar Psicologia), ninguém me roubaria mais nada e nem me convenceria do contrário. Iriam duvidar de mim, fazer piadas, apelar para discursos rasos sobre a tal “ditadura do parto normal”, mas eu iria parir. Estava decidido.

Assim, desde o início da minha segunda gestação, para não dizer ainda antes do “positivo”, busquei informações sobre parto natural – aquele que ocorre sem nenhuma intervenção e que era o meu desejo primário. Comecei pelo médico, peça-chave em virtude da minha história anterior. Não queria um que “até fizesse parto normal SE tudo estivesse bem”. Queria aquele ativista, que dá palestras, agacha se for preciso e enche de estatísticas científicas quem puxa o nariz para essa “loucura de parto vaginal”. 

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Por sorte, encontrei um profissional excelente e, durante nove meses, tivemos o melhor pré-natal. Sem neuras, sem induções nas escolhas e muitas informações. Queríamos um parto humanizado hospitalar porque apesar de achar lindo parto domiciliar, ainda não me sentia pronta para vivê-lo. Queria natural, humanizado, na água, com marido e filho junto, mas hospitalar. Sabia que me sentiria mais segura ali e que meu médico me proporcionaria a tranquilidade necessária e respeitaria as minhas escolhas. Também busquei uma doula, outra peça fundamental nessa caminhada, e uma fotógrafa habituada a partos normais. Sou apaixonada por fotografia e queria registrar aquele momento.

Outro fato que aprendi quando decidi parir era de que precisava não só me preparar, mas preparar aqueles que estariam presentes no grande dia. Sabia que talvez pedisse para desistir quando a dor apertasse e precisava que o meu time se mantivesse forte naquilo que acreditávamos. Fiz toda a família assistir o filme “O Renascimento do Parto” e mais um monte de vídeos na Internet. Meu marido começou o processo de habituação de olhos fechados e com aflição de ver sangue, mas nos últimos meses, já assistia parto pélvico e topava colocar os pés na banheira. Como gostaríamos que nosso filho de 5 anos estivesse presente, conversamos muito com ele e fizemos com que ele também assistisse a alguns vídeos. Queríamos que ele aprendesse que uma mulher parindo faz parte da natureza e que aquilo não tem nada de obsceno. No fim, ele levou tudo de forma tão natural que mais aprendemos com ele, do que ensinamos. João Pedro não só assistiu o irmão nascer, como me imitava gritando nas contrações e chorou de emocionar a todos após o parto.

Com sete meses, descobri que estava com diabetes gestacional. A princípio, isso seria um empecilho para o parto natural, como já ouvi muito médico dizer. O meu não. Se eu controlasse o problema, poderíamos seguir com o nosso plano e faríamos de tudo para que eu pudesse parir. Chorei muito quando descobri, porque a dieta era bem rigorosa, mas venci. Fiquei quase quatro meses sem açúcar (e um monte de produtos que são açúcares disfarçados), sem derivados do leite, sem farinha/arroz branco e algumas frutas e legumes. Sentia que a minha convicção pelo parto estava sendo colocada à prova e aquela era uma oportunidade de mostrar que eu era capaz. A única condição que a doença impunha era de que eu entrasse em trabalho de parto antes de completar 40 semanas ou teríamos que induzir. 

Três dias antes de completar 40 semanas, comecei a praticar alternativas naturais de indução para não precisar de intervenções. Fiz muito banho quente de imersão, tomei litros de chá, participei de uma sessão de renascimento, caminhei bastante, namorei muito, fiz acupuntura e o mais importante: conversei com o meu bebê, liberando ele de todas as minhas expectativas e faltas. Eu queria muito parir, mas precisava me preparar para o que a natureza guardava para mim. E esperar o tempo dela foi outro grande aprendizado.

José Antônio anunciou sua chegada um dia antes de completarmos 40 semanas. Como eu brinco, sendo um bom ariano, já nasceu desafiando. Às cinco da manhã de uma segunda-feira, as contrações começaram e, às sete, perdi meu tampão. Passei o dia inteiro com dores fortes, mas que permaneciam de seis em seis minutos. Mesmo assim, fui à acupuntura, no médico, na farmácia, no mercado. Naquela noite, que estava muito estrelada e agradável, saí para caminhar com o marido. Parávamos a cada contração e cantávamos uma música.

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Meu desejo de parir estava acontecendo e aquilo me enchia de força. Depois da caminhada, as contrações aumentaram. Passei a madrugada sozinha, vibrando e entoando o meu mantra/grito para aliviar a pressão. Na manhã do dia 31 de março, fomos ao médico fazer um procedimento para afinar o meu colo do útero, mas já não era mais necessário porque eu estava com três centímetros de dilatação. Decidimos voltar para casa para que o trabalho de parto evoluísse mais rápido. Na companhia da minha doula e da minha mãe, fui vencendo cada contração no silêncio do meu quarto. No meio da tarde, quis ir para a maternidade. As dores já estavam bem intensas e eu dizia que queria analgesia – o que nunca aconteceu.

José Antônio chegou ao mundo às 22:46 daquela terça-feira, depois de 46 horas ininterruptas de contrações. Não tive um parto natural, sem nenhuma intervenção, porque no começo da noite, estava muito cansada, minha dilatação não evoluía e optamos pela ocitocina. Eu poderia esperar mais, afinal, falta de dilatação não é motivo genuíno para cesárea. Basta que se espere, mas nem sempre aguardar é possível para uma mulher com dor. E eu já estava começando a não achar graça naquilo tudo. Não vou dizer que foi fácil. Nas últimas horas pedi analgesia, mas meu médico conversou comigo dizendo que estávamos quase lá, que era para eu acreditar em mim. Tive muito medo do expulsivo e as contrações estavam tão frequentes, que não conseguia ficar mais consciente. Definitivamente, estava na “partolândia”, o mais perto possível da minha natureza bicho.

Em uma sala lotada (eu, meu marido, o médico, minha mãe, minha irmã, meu filho, a doula e a fotógrafa – e eu juro que não me incomodei com tantas pessoas ali) e muito amor ao meu redor, eu pari. Chegou ao mundo um menino de 3,760 kg e 51 cm, sem qualquer analgesia ou laceração. Ali, sentada naquela banheira, que um dia ilustrou a capa do filme que me fez mudar o modo como enxergo a forma de nascer, aprendi que não só era capaz, como fui a responsável pela força que fez o meu filho nascer e vir direto para os meus braços.

Hoje, três meses depois daquele dia, continuo aprendendo com a escolha que fiz. Aprendi que o parto não me tornou uma mãe melhor ou pior porque, na minha primeira experiência, marquei cesárea e tenho um vínculo enorme com o meu João Pedro. Escolher parir e me manter firme nisso me mudou como pessoa, como mulher! Aprendi sobre resiliência, sobre vencer autossabotagens, sobre propósitos, sobre consciência e, acima de tudo, sobre empoderamento. Amo essa palavra! Empoderar significa você dar poder a alguém e ao protagonizar o meu parto, eu dei muito poder a mim mesma. 

E é esse empoderamento que desejo mostrar para outras mulheres quando escrevo sobre a minha vivência. Não sou hippie, não sou vegana, não moro na lagoa, mas eu pari. Eu, que tomo remédio por qualquer dor de cabeça, que tenho máquina de lavar roupa, que tenho bolsas caras, fui a protagonista da experiência mais transformadora que vivi nessa vida, porque assim escolhi. E talvez esse tenha sido o maior aprendizado ao decidir parir: que eu posso confiar em mim, nos meus propósitos e que, quando eu quero (e a natureza me permite), sou a protagonista das minhas escolhas e da minha vida.”

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