Aline Crisóstomo Botelho, 26 anos, engravidou em 2015, quando já tinha desistido de ter o segundo filho. No ultrassom, ela e o marido, que são de Ourinhos/SP e já tinham uma menina, descobriram que o bebê apresentava Síndrome de Down e problemas cardíacos. A gravidez seguiu seu curso, com ultrassons mais frequentes para acompanhar a evolução.
No mês seguinte, por volta do sexto mês da gestação, Aline recebeu outra notícia impactante. “Me ligaram de madrugada falando que um amigo meu tinha morrido num acidente grave”, relembra. “Com o nervosismo, passei muito mal e tive que ser levada às pressas para o hospital. Lá, fiz o ultrassom e não encontraram os batimentos cardíacos do meu bebê.”
“O médico disse que ele faleceu por conta do problema no coração, e que poderia ter sido desencadeado pelo susto que levei”, conta. “Meu mundo desabou. Eu me perguntava como tinha deixado aquilo acontecer com meu filho. Hoje as pessoas me perguntam se eu não quero mais filhos e respondo que não, pois tenho medo de acontecer de novo”.
Perder um filho que ainda nem nasceu é uma experiência muito dolorosa, e é natural buscar causas para ele. Só que nem sempre elas aparecem. Nesse processo, o sentimento de culpa e insegurança pode dar as caras e o eterno questionamento: afinal, eu poderia ter feito algo para impedir o aborto?
Conversamos com especialistas para esclarecer alguns mitos e verdades sobre o assunto!
Emoções fortes podem desencadear aborto?
É polêmico. “Uma das teorias é a de que uma notícia ruim colocaria a mulher num estado de choque, que poderia liberar uma grande quantidade de adrenalina na corrente sanguínea que reduziria o fluxo de sangue para algumas estruturas e aumentaria o risco do aborto, mas há mais relatos do que estudos sobre o assunto”, tranquiliza o ginecologista e obstetra Alberto Guimarães, mestre da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), precursor do movimento “Parto Sem Medo”.
Os médicos concordam que, na prática, é difícil relacionar as coisas. “Não há como comprovar cientificamente que uma emoção desencadeou um aborto”, aponta Ricardo Luba, ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana, membro da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo). “É mais provável, mas ainda difícil que aconteça, que uma pessoa que passa por um evento muito estressante desencadeie outros fatores que atrapalhariam a gestação, como uma pressão alta”, completa.
É mais fácil perder um filho no início da gestação?
Verdade. Tanto que o termo aborto espontâneo é usado só até a 22ª semana ou enquanto o bebê pesa menos de 500g. “Disparadamente, a perda ocorre no primeiro trimestre, e ter um aborto é considerado normal”, destaca Guimarães. A maioria acontece, aliás, antes que a mulher sequer desconfie da gestação. “Já o aborto tardio, que é menos frequente, deve ser observado com atenção desde o primeiro, pois pode estar relacionado a alguma condição de saúde da mãe”, aponta. Malformações e doenças congênitas no bebê também aumentam esse risco.
Dá para prevenir um aborto?
Parcialmente verdadeiro. “É possível fazer intervenções que diminuem o risco quando há algum problema de saúde conhecido da mãe, mas não garantir que ele não aconteça”, diz Luba. É o caso da trombofilia, por exemplo, tendência a formar trombos no sangue que interrompem precocemente a gestação, amenizado com picadinhas diárias de um medicamento.
Outras medidas que ajudam a reduzir o risco é fazer um check-up antes de engravidar, tomar ácido fólico, corrigir possíveis deficiências nutricionais e manter um estilo de vida saudável — cigarro, drogas e consumo excessivo de álcool também estão relacionados ao problema.
Aborto é problema da mulher?
Mito. Entre 15% e 20% das gestações não evoluem, e isso não é culpa de ninguém. “Esta perda no geral está relacionada a alterações no bebê, que ocorrem em divisões celulares iniciais, é um acontecimento natural”, destaca Guimarães. Fora que alterações no sêmen do pai interferem no sucesso da gravidez.
Um estudo recente mostrou que danos no DNA dos espermatozoides podem aumentar o risco de interrupções precoces. Infecções nos órgãos sexuais e o próprio avançar da idade aumentam a chance de problemas no esperma.
Se eu já tive um aborto corro mais risco de ter outro?
Mito. O primeiro aborto é considerado pelos médicos como normal. “Trata-se da seleção natural, e estatisticamente falando, a mulher que teve só um aborto tem menos risco de sofrer uma perda do que uma que nunca sofreu”, aponta Guimarães. Normalmente, a investigação é feita a partir da segunda perda, que é menos comum e pode indicar um problema de saúde da mãe ou do pai, mas é possível antecipá-la. “Como trabalho com reprodução humana, costumo solicitar antes”, diz Luba.
Ficar doente pode levar a um aborto?
Parcialmente verdadeiro. Doenças crônicas, como as autoimunes e a diabetes, podem ameaçar a gestação, mas é possível controlar esses quadros e diminuir o perigo. Resfriados simples e viroses, não oferecem muito risco, mas algumas infecções da mãe são mais preocupantes, como toxoplasmose, rubéola e sarampo. Boa parte delas é prevenida com a vacinação, que pode ser feita em alguns casos inclusive durante a gravidez.
Exercícios podem provocar aborto espontâneo?
Parcialmente verdadeiro. Gestantes podem e devem fazer exercícios moderados, mas os intensos que eram praticados antes da gestação devem ser avaliados com o médico. “Existe a insuficiência istmo-cervical, uma fragilidade do colo do útero que pode levar ao aborto, e esforços intensos aumentam essa tendência”, explica Luba.
Vale ressaltar que, no geral, se movimentar é benéfico, e o sedentarismo deveria ser evitado pelas gestantes. Entre as vantagens, melhor controle das dores típicas da gestação e do peso.
Todo sangramento indica um aborto?
Mito, diversos sangramentos podem ocorrer nos nove meses de espera, mas o sintoma não necessariamente representa risco ao filho. Até a quinta semana da gestação, por exemplo, pode ocorrer um sangramento normal e discreto, decorrente da implantação do embrião no útero. De qualquer maneira, como a presença de sangue é um dos sintomas do aborto, ocorridos do tipo devem ser comunicados ao médico, para que ele avalie a situação.