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A produção independente e a realidade de ser mãe sozinha

Em entrevista exclusiva, psicóloga ensina a melhor maneira de lidar com as emoções quando o projeto de um filho é solo.

Por Mônica Brandão (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 03h17 - Publicado em 7 jun 2015, 18h58

Hoje em dia, ter um filho não significa necessariamente ter um companheiro ao lado. Muitos são os casos de mulheres que se aproximam dos 40 anos e, sem ter encontrado alguém com quem quisessem formar uma família, optam por uma produção independente. Também há aquelas que não se importam em encarar a gravidez mesmo se o companheiro não assumir o filho ou se enfrentarem uma separação.

Não há dados oficiais no Brasil sobre o número de mães solteiras, mas, segundo levantamentos do IBGE em 2009, entre as famílias com filhos, 26% tem como referência alguém do sexo feminino e sem cônjuge. Ou seja, uma mulher chefiando a família sozinha. Com os avanços das técnicas de reprodução assistida e uma mentalidade mais flexível da sociedade, a tendência é que cada vez mais mulheres escolham essa opção. Felizmente, os especialistas apontam que a predisposição das pessoas para aceitarem essa situação e apoiarem a mãe solteira também está aumentando.

Não é uma decisão fácil, mas nada impede que uma família constituída por mãe e filho seja feliz e estruturada. A psicóloga Rita Calegari, especialista em atender grávidas e mães no Hospital e Maternidade São Camilo, em São Paulo, ensina a melhor maneira de lidar com as emoções quando o projeto de um filho é solo.

Quando uma mulher opta pela produção independente, como saber se está no caminho certo, sem transferir eventuais frustrações amorosas para o filho?
Rita Calegari: Independentemente do tipo de grávida, a mulher deve se perguntar por que quer ter um filho. É para compensar algo, para ter alguém que goste dela, dê carinho? Para não se sentir sozinha? Quando fazemos essa pergunta, a resposta deveria priorizar: quero cuidar de alguém. Quando o objetivo é outro, a chance de os planos falharem é muito grande. A segunda pergunta é: qual a razão para fazer isso sozinha? Se a resposta for “porque quero compensar a falta de sorte no amor” também não dará certo, já que estamos falando de amores diferentes. O pensamento deve ser mais ou menos o seguinte: “Tive várias relações, mas não encontrei alguém especial e quero uma família”. Quando a falta de sorte no amor acontece porque a mulher é inflexível, não se esforça pelo outro ou é egoísta demais para conviver, isso vai interferir no seu relacionamento com o filho também. Não adianta fugir do fato de que esse lado da personalidade terá de ser trabalhado. Se ela não consegue se relacionar com os companheiros, terá dificuldades para se relacionar com o filho pelos mesmos motivos. Ele não será um bebê fofo e passivo para sempre. Vai crescer e exigir atenção. Vai viver a própria vida. Criamos o filho para o mundo. Não dá para tê-los por motivos egoístas.
 
No caso de um namorado que não quis assumir a gravidez ou um casamento que foi desfeito logo no começo, como ela pode lidar com o sofrimento, a frustração e talvez até certa sensação de fracasso? Afinal, a gravidez deveria ser o início de uma família…
R.C.: Devemos pensar que são dois projetos diferentes. A construção de um casamento é um, e a construção de uma família, outro. O primeiro deveria levar ao segundo, mas, às vezes, a ordem se inverte e a gravidez surge antes de o relacionamento se fortalecer. Pode ser difícil lidar com o sofrimento, mas uma boa ideia é focar a energia no relacionamento com o bebê, em construir uma família saudável com ele. Afinal, essa criança não deve arcar com o custo emocional do afastamento dos pais. Algumas mulheres ficam muito decepcionadas com o parceiro, mas, para muitas, o pior é a cobrança consigo próprias por não terem escolhido um bom companheiro. Essa culpa não deve existir. A sensação de abandono também não é rara. O grande problema é que esses sentimentos negativos levam à baixa autoestima e ao sofrimento e ninguém consegue educar outro indivíduo para ser feliz nesse estado. É preciso colocar as ideias em ordem, procurar ajuda, viver o luto, mas seguir em frente.
 
Como contar para a família e os amigos que você está no processo de uma produção independente?
R.C.: Prepare-se para reações de surpresa, afinal, essa atitude ainda é vista, socialmente, como uma novidade. É importante ser sincera sobre suas razões. Quanto mais segura estiver, mais fácil será o momento de contar aos outros e explicar os motivos. Você terá argumentos sólidos e nos quais acredita. Por isso, é tão importante analisar suas motivações e saber, internamente, por que tomou a decisão. Lembre-se de que muitas dessas pessoas serão apoios no futuro. Por isso, tenha paciência, aguarde o tempo necessário para cada um assimilar a notícia, rever suas posições e compreendê-la.
 
Como lidar com a falta de um companheiro na criação da criança?
R.C.: O papel masculino é muito mais importante do que se imagina. É por meio do pai que o bebê é apresentado ao mundo. É ele que se coloca na relação simbiótica entre o filho e a mãe e ensina que existem outros tipos de amor. Mas esse papel tanto pode ser de um amigo, um parente, como pode ser de outra mulher. Na verdade, é importante que essa criança tenha outras relações que sejam diferentes do que ela vive com a mãe. Isso é o que um companheiro faria diariamente. A criança precisará de exemplos masculinos, aprender o ponto de vista dos homens, tão diferentes em alguns aspectos dos femininos, mas isso pode vir da convivência com tios, primos, professores, amigos da família. A mãe deve proporcionar possibilidades para essas convivências. O papel de pai pode ser compartilhado e executado por outras pessoas, mas é necessário saber que um dia a própria criança cobrará o porquê da ausência dele. Esteja preparada para bem explicar.
 
A mãe solteira tende a mimar o filho na tentativa de suprir a falta do pai?
R.C.:: Na verdade, ela corre tanto o risco de mimar quanto de ser rígida demais. Quando existe um casal, um faz o contraponto do outro. O pai, por exemplo, pode ser mais rígido, enquanto a mãe é mais flexível, ou vice-versa. A mãe solteira dará conta de todos os papéis. Por isso, é tão importante a criança ter outros vínculos afetivos. Também é imprescindível que essa mãe escute os conselhos de pessoas próximas, avalie se as críticas são válidas ou não, analise suas atitudes e compare suas ações para ver se não está tendendo para um lado ou para outro.
 
O que responder se a criança perguntar do pai?
R.C.: Conte a verdade. A mulher precisa estar preparada para isso e nunca deve mentir para a criança. Mais cedo ou mais tarde, a verdade será descoberta e isso levará ao sofrimento da família. Respeite o tempo que seu filho precisa para compreender o que passou. Talvez ele fique triste ou magoado no início, até com certa raiva da mãe, mas no fim isso será bom para seu amadurecimento e sua busca pela felicidade. Conte sua história usando uma linguagem que ele entenda e fique disponível para suas perguntas. O assunto pode voltar à tona várias vezes na infância, até ele assimilar tudo. Tenha paciência. Quando a mãe trata do assunto com segurança e tranquilidade, a criança aceita melhor a situação, entende as suas razões e a adota como modelo para o futuro.
 
Como a sociedade vê a mãe solteira atualmente? Ainda existe preconceito?
R.C.: Sempre existe preconceito, quando se trata de algo diferente. Mas vejo uma mudança na sociedade. A definição de família mudou bastante. Muitas casas são chefiadas por mulheres, muitas uniões são feitas com dois pais ou duas mães, pessoas se casam duas, três, quatro vezes. Essas diferenças se tornaram mais comuns. Quanto mais segura a mulher estiver de suas decisões, menos importância dará ao preconceito caso seja vítima dele. Na verdade, ela pode se surpreender em ver como alguns indivíduos são solidários e companheiros nessas situações.
 
A família composta de apenas mãe e filho pode ser feliz e estruturada emocionalmente?
R.C.: Com certeza! Não existe uma receita, um modelo certo, tipo papai, mamãe, dois filhos e cachorro. Nós é que colocamos isso na cabeça, sem entender que há outras maneiras de conviver. Ser feliz é uma construção diária, que envolve resiliência, trabalho, paciência. É preciso querer ser feliz todos os dias, o que não significa ter só alegrias pelo caminho. O ser humano evita conflitos e problemas, como se isso fosse possível. Mas é com eles que crescemos. A família feliz não é a que segue um modelo ou não tem nenhum problema. É aquela que transforma o que poderia ser um fracasso em possibilidades de melhorar. Quando age assim, não importa quantos membros possua, será feliz e equilibrada.

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