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“A maternidade me tornou invisível”

Você se sentiu sozinha depois que teve filhos, como se não fosse visível para as pessoas? Confira a reflexão de uma mãe sobre o assunto.

Por Luísa Massa
Atualizado em 28 out 2016, 12h50 - Publicado em 28 mar 2016, 10h22

Marrie Ometto, 33 anos, é mãe da Clara, de 2 anos, economista e idealizadora do blog Mamãe Plugada. Aqui, ela fala sobre os sentimentos que teve depois que a sua filha nasceu e como percebeu que retomar a sua visibilidade era importante para a felicidade das duas.

“Ninguém nunca mencionou para mim que uma das primeiras consequências que surgiriam com a maternidade é a temporária invisibilidade – tanto pelos outros como por você mesma. Não é impossível passar por isso, mas também não é nada fácil. A partir do momento em que estamos grávidas, nossas atitudes parecem virar domínio público. As pessoas sentem-se no direito de dar conselhos não solicitados na sua vida, no seu corpo (o tamanho da barriga é um deles – já ouvi muitas coisas como “está grávida de gêmeos?” “nossa, quantos quilos você já engordou?”), no futuro do bebê e até mesmo no seu relacionamento a dois. Uma tia muito querida me dizia durante a gestação: “não reclame. Aproveite o seu estado de graça, a atenção, a preocupação, o respeito que as pessoas estão tendo com você agora. Depois que o bebê nascer, você se tornará invisível”.

Eu, no auge da primeira gestação, não compreendia o conselho. Só fui entender depois de um tempo, quando comecei a olhar para trás e enxergar com nitidez o que se passou. Ainda grávida, vi toda a minha vida profissional de 10 anos de experiência e estudos em grandes instituições do país serem soterrados pelo fato de eu estar esperando um bebê. Ouvi coisas terríveis como: “o substituto que vamos contratar no seu período de licença-maternidade será um homem. Afinal, ele não engravida”. Quando fui atrás de outras oportunidades, a pergunta era sempre essa: “você vai querer ter mais filhos?”. Em uma das últimas entrevistas que fiz até desistir de retornar ao mercado temporariamente, uma das maiores líderes da corporação pontou: “olha, se você quiser ter outro bebê, avise já. A empresa está deixando claro que está abrindo uma nova divisão agora e não quer arcar com esse tipo de situação”.

Assim que a Clara nasceu, a invisibilidade foi nítida. Poucas pessoas se preocupam com a mãe, com o que ela sente após o parto, se está com dores e precisa de ajuda. Ao contrário: já querem saber da amamentação, do ganho de peso da criança, da visita na maternidade… Até aí eu entendo e ser invisível pelo amor que as pessoas sentem pela minha filha nunca me afetou, mas não deixa de ser difícil. Em relação ao casamento, mudou do vinho para o vinagre. Eu tive um baby blues fortíssimo e não fui compreendida. Não julgo o meu marido porque ele nunca soube o que era isso ou qualquer coisa que se relacione com a depressão pós-parto, mas eu sofri muito e calada.

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Eu amo a minha filha mais do que a mim mesma e por algum tempo me permiti viver essa tal invisibilidade como mãe de primeira viagem: eu me sentia esgotada, sempre melecada de leite materno, via minha casa zoneada, meu corpo não estava como eu queria, eu não tinha mais tempo para mim, meu casamento estava terrível e eu me sentia paralisada com a sensação de “preciso pensar no nosso futuro” e de não conseguir elaborar em um plano para sair dessa. Naquele momento, a minha nova profissão era ser dona de casa, eu me dedicava muito pela família e via que poucos davam valor. Aliado a todos esses sentimentos, eu perdi o meu pai e uma tia muito querida quando a Clara tinha apenas cinco meses. Mesmo com o maior amor do mundo nos meus braços, eu atingi o fundo do poço. Sinceramente, eu não sentia falta da minha vida sem ter filhos, mas sentia falta de mim mesma – da minha visibilidade como mulher charmosa, profissional dedicada, guerreira, que sempre atingia as metas. Eu sentia falta de ser amada.

Um dia, eu olhei no fundo dos olhos da Clara e vi que a felicidade dela dependia da minha visibilidade porque eu sou o maior exemplo para ela, que ainda não enxerga o meu passado porque nasceu depois de tudo o que eu fui e conquistei. Essa percepção abriu os meus olhos e lutei como nos velhos tempos, nadei contra marés fortes e cheguei às margens, onde pude ter a nítida visão de que a mudança começaria exclusivamente por mim. Passei a planejar melhor o meu dia, minhas funções como dona de casa, os meus planos profissionais, a minha dedicação à pequena, os meus exercícios, a me cuidar mais, a retomar a fé e a dialogar com o meu marido porque sabia que essa conversa era necessária para nos acertarmos: juntos ou não. O diálogo nos levou a ver que tínhamos muito amor, mas muita hostilidade. Decidimos lutar para retomar o casamento e ele passou a valorizar o fato de eu cuidar do lar e ainda conseguir trabalhar de casa – o que foi um enorme passo.

Hoje vejo que eu não errei por fraqueza. Eu aceitei a invisibilidade por inexperiência, por achar que a doação de mim mesma a minha filha era a maior prova de amor. Fui fraca, me deixei afundar, mas recuperei a tempo de me salvar de um afogamento. Ser mãe é maravilhoso, mas muito doloroso também. Muitas pessoas não relatam essas dificuldades, até eu acho difícil falar sobre o assunto, mas o meu objetivo é apenas acalmar o coração de quem passa ou passou por isso. Depois de muito tempo, me sinto visível. Não sou mais a mesma, mas vejo as coisas com mais clareza e consigo enxergar que tudo tem uma saída.”

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