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Trocador de fraldas em banheiros masculinos é apenas um começo

Casado com Luíza Diener, autora do blog Potencial Gestante, Hilan Diener, 33, é pai dos pequenos Benjamin, de quatro anos, e Constança, de um ano e dez meses. Aqui, ele reflete sobre como o machismo ainda está presente no nosso dia a dia quando o assunto é o papel do pai nos cuidados com os filhos. Confira!

Por Hilan Diener (colaborador)
Atualizado em 27 out 2016, 23h21 - Publicado em 14 abr 2015, 11h06

Pai de primeira viagem se mete em cada furada… Ainda me lembro da primeira vez que levamos o Benjamin à pediatra, com poucos dias de vida. Luíza e eu não tínhamos a menor noção de quem ela era, mas marcamos um horário por indicação do hospital em que o Joca nasceu. Relembrar aquela consulta me dá até raiva – a quantidade de bobagens que a médica falou e o número de coisas que eu até acreditei não está no gibi. Mas teve uma coisa que realmente me marcou: a médica só se dirigia à Luíza. Era um tal de “mãezinha, faz isso…” e “aí ~ m.ã.e.z.i.n.ha ~ faz aquilo” enquanto eu fiquei ali apenas como mero expectador. Um ser de segunda categoria. Um figurante. Até tentei chegar mais pra frente na cadeira para ficar no campo de visão dela, mas parecia que eu tinha poderes mutantes de invisibilidade. 

Saí de lá chateado com a situação, mas isso me fez pensar. A pediatra estava errada, sim, mas de certo modo eu entendo por que ela me tratou daquele jeito. Afinal, nós, homens, damos todos os motivos para isso. Começou ali, quando eu nasci com um cromossomo Y. Desde então minha família, meus parentes, depois a escola, a TV, os amigos, ou seja, toda a sociedade, me criou como “menino” e, segundo nossa cultura, meninos não foram criados para exercer cuidados – mas, sim, para trabalhar, lutar e prover.

Os meninos são “treinados” para serem bons em tudo o que é divertido, atlético, ágil, matemático, mecânico e viril. Não sobra tempo para as ditas “coisas de meninas” (que deveriam ser de meninos também) e quando se tornam pais nada muda: continuamos vivendo – ao menos a maioria – a paternidade da mesma forma divertida, atlética, ágil, matemática, mecânica e viril que levamos a vida inteira. 

Isso explica muita coisa, mas não justifica. Recentemente o ator Ashton Kutcher se tornou pai e começou a perceber a mesma coisa que notei alguns anos atrás com esse episódio da pediatra: a sociedade é machista e enxerga somente as mulheres como cuidadoras. Um exemplo disso é o fato de que em estabelecimentos, em geral, não existem fraldários masculinos. A maior parte dos trocadores (quando existem) está sempre dentro de um banheiro feminino. Então se você, pai, quiser trocar a fralda suja da sua criança ou vai ter que se fantasiar de mulher ou vai se aventurar em lugares bizarros, pequenos e sem nenhuma estrutura. Além disso, ainda terá que enfrentar olhares tortos de reprovação/nojo ou de uma estranha admiração pelo simples fato de ser um homem que cuida do filho que você pôs no mundo. 

E é sempre bom lembrar que “ajudar” e “cuidar” são coisas bem diferentes. Quando alguém diz: “Nossa! Seu marido ajuda muito com a crianças” a impressão que dá é que o marido está ali apenas fazendo um favor temporário para a família. Até a nossa linguagem enxerga o homem como um ajudante descompromissado que, de vez em quando, por sorte da esposa, aparece pra dar uma ajudinha… Isso não é cuidar! Cuidar é uma responsabilidade conjunta. É assumir os filhos e tudo o que vem junto nesse pacotão e criá-los.  

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Infelizmente, o mundo é machista. E sua mulher vai sofrer por causa disso e vai sobrar pra você também (que quer ser diferente). No final, todo mundo perde. O que fazer então? A minha esperança está na nova geração. Existem muitos pais por aí criando filhos aos trancos e barrancos como eu, mas de alguma maneira de uma forma mais inclusiva. Rompendo com um modus operandi de séculos a fio, começando a entender e também a exercitar o real significado de cuidar e criar um filho.

Eu ainda estou muito longe de entender esse senso de missão e responsabilidade que minha esposa tem. Confesso que não é fácil e nem sempre satisfatório. Geralmente tenho a impressão de que estou correndo atrás de um prejuízo. Não é algo que eu naturalmente queira fazer. É preciso um esforço – quase que um empurrão interno – para ser um pai de verdade. É preciso muita coragem e é preciso ser muito macho. Porque esse papel pode ser extremamente frustante, enlouquecedor e cansativo, mas também é incrivelmente transformador, emocionante e libertador.

Quem sabe nossos filhos cresçam nesse ambiente melhorado e, quando forem pediatras ou donos de empresas, percebam que homens e mulheres – com todas as suas diferenças e semelhanças – podem, sim, amar e cuidar das suas crias. E, quem sabe (finalmente e de uma vez por todas) instalem logo em todos os lugares possíveis esse bendito fraldário nos banheiros masculinos.

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