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“Senti a mesma emoção do dia do parto de cada uma das minhas filhas”

Maria Helena nasceu com mielomeningocele e foi deixada pelos genitores no hospital. Mas a história mudou quando Rosangela se apaixonou por ela.

Por Carla Leonardi
25 Maio 2022, 13h09

“Adotar é amor”. Esse é o mote da campanha promovida pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2017, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para um tema tão importante. Visando à mobilização popular a partir de entidades e pessoas públicas, 25 de maio foi definido como o Dia Nacional da Adoção. E para celebrar a data, convidamos Rosangela e Mauricio Jaramillo para compartilhar a história de como a pequena Maria Helena passou a fazer parte de uma família estruturada e feliz.

Rosangela, de 54 anos, é enfermeira pediátrica, e Mauricio, de 52, é cardiologista pediátrico em Brasília. Pais de duas moças já adultas, eles conheceram a história da Maria Helena (nome que pretendem usar após a conclusão do processo de adoção) por meio da filha mais velha, que cursa medicina e fazia um estágio voluntário em uma UTI neonatal.

Maria Helena nasceu com mielomeningocele e, por não ter diagnóstico prévio, a condição acarretou diversas sequelas. Deixada pelos genitores ainda no hospital, ela foi encaminhada a um abrigo, quando Rosangela manifestou o desejo de mudar a história de sua família e daquele pequeno bebê.

Confira, a seguir, o depoimento de Rosangela, que conta como tem sido todo esse processo.

“Sempre gostei muito de cuidar de crianças e estava feliz com minhas duas filhas. Algumas vezes, chegamos a pensar em adotar crianças que soubemos que tinham sido abandonadas com ‘problemas de saúde’, porém, sempre que nos envolvíamos, as famílias as assumiam e entendíamos que não era para adotarmos e, sim, seguirmos cuidando de nossas filhas.

Quando soubemos da história da Maria Helena, a vontade de retomar os cuidados com uma criança ressurgiu de uma maneira muito intensa e decidimos saber mais sobre a possibilidade que teríamos de adotar aquela princesa.

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Nossa filha mais velha estuda medicina e estava fazendo um estágio voluntário em uma UTI neonatal, e lá conheceu a Maria Helena e sua história. Na época, estavam aguardando que a família fosse buscá-la. Minha filha manteve contato para saber do desenlace, porém ainda não havia comentado conosco nada sobre a criança. No dia em que contaram para ela que a neném seria transferida para um abrigo, porque a família a abandonou, foi quando ela nos contou. 

No mesmo momento em que ela me contou a história e me mostrou a fotinho que tinha dela, meu coração aqueceu e ainda não sei explicar muito bem o que senti. Mas nesse instante eu disse: ‘como assim, uma criança com tantos problemas de saúde vai para um abrigo? Ela não vai ter chance nenhuma de ser adotada nem de sobreviver. Nós podemos adotá-la e ajudá-la!’.

Percebi que minha fala causou um certo impacto no meu marido e nas minhas filhas, todos me olharam com espanto, não acreditando que eu estava falando sério. Então eu reforcei dizendo que eu, como enfermeira pediátrica, e meu marido, como médico cardiopediatra, éramos a melhor opção que aquela criança poderia ter. Assim, concordamos em descobrir para qual abrigo ela seria transferida e agendamos uma visita para conhecê-la.

Existia a possibilidade de, ao conhecê-la, pensarmos em apenas ajudá-la e mantê-la no abrigo, ou realmente decidirmos adotá-la. No dia, foi a família inteira: eu, meu marido e minhas duas filhas. Eu, ao ver a neném, senti novamente meu coração aquecer e uma emoção muito forte, não sei explicar. Todos seguramos a neném no colo, mas eu ainda não sabia o que cada um estava sentindo. Ao sairmos de lá, nos entreolhamos dentro carro e, de imediato, todos começaram a chorar, dizendo que a vontade já era de levá-la para casa, que triste deixá-la lá! Entendemos essa reação como um sim de toda a família para adotá-la.

Uma decisão em família

Temos duas filhas maravilhosas, uma com 23 anos, que concluirá o curso de medicina no próximo ano, e a segunda filha tem 21 anos e está na metade do curso de medicina veterinária. Ambas moram conosco junto com 5 cachorras que foram resgatadas e também são maravilhosas.

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A filha mais velha foi a responsável por conhecermos a história da Maria Helena e se envolveu totalmente no processo. A filha mais nova participou das decisões pela adoção e das sugestões para adaptarmos a neném quando chegasse em casa. No entanto, ela se distanciou durante o processo, pois percebeu a família muito envolvida e entendeu que, se não desse certo, ela precisaria estar forte para nos ajudar.

Após conhecermos a Maria Helena e sua história, assim como sua condição de saúde, chegamos em casa e começamos a buscar informações sobre a doença, os cuidados e as limitações que ela poderia ter. Nós lemos muitos conteúdos para sabermos como nos preparar para os cuidados e também como nossa decisão alteraria nossas vidas.

A partir dessa análise inicial da condição da criança, entendemos que ela demandaria muito cuidado, muitos tratamentos e necessitaria de alguém com disponibilidade para acompanhá-la durante todo o processo. Eu sempre me coloquei à disposição para assumir os cuidados e tudo que fosse necessário. Os demais membros da família também se disponibilizaram em revezar e assumir os cuidados.

Mãos adultas e mãos de bebê em formato de coração
(FotoDuets/Getty Images)

Cuidados especiais

Maria Helena é uma criança que nasceu com uma doença chamada mielomeningocele, que é uma malformação na qual a coluna nasce dentro de uma “bolsa” e a correção é feita ao nascer. No entanto, no caso da Maria Helena, a ‘bolsa’ da mielomeningocele rompeu durante o parto porque não tinha o diagnóstico prévio, e ela precisou de uma cirurgia de urgência para corrigi-la. No entanto, após a cirurgia, ela ficou paraplégica, porque o rompimento dessa ‘bolsa’ rompeu sua medula espinhal. 

Além dessa paraplegia, ela precisou passar por outra cirurgia, com apenas um mês de vida. O procedimento foi feito para implantar uma válvula que drenaria o ‘excesso de líquido’ da cabeça para o peritônio (espaço dentro do abdome). A necessidade dessa cirurgia existe por conta da hidrocefalia, uma alteração neurológica caracterizada por acúmulo de líquido na cabeça, que é consequência da mielomeningocele.

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Além da hidrocefalia, a criança apresenta outras alterações que também são consequência da mielomeningocele. Dentre elas, bexiga neurogênica, que é uma bexiga que não consegue conter urina dentro dela, o que causa refluxo de volta para o rim, podendo levar à perda da função renal. Outra consequência da mielomeningocele é o intestino neurogênico, que é caracterizado pela retenção e endurecimento das fezes associado a uma grande dificuldade para evacuação. Ainda associado a todo esse quadro, a neném teve um tempo de parto muito prolongado e sofreu baixa oxigenação cerebral.

Amor e acompanhamento médico

Desde o início do processo, foram 9 meses, e a guarda provisória saiu há 1 mês. Senti a mesma emoção do dia do parto de cada uma das minhas filhas. Essa é a descrição mais próxima do que senti no momento em que recebi a notícia de que a guarda provisória havia sido deferida. Agora, estamos aguardando nossa habilitação ser validada para que saia a adoção definitiva.

A Maria Helena está conosco desde a saída da guarda provisória. Deixou nossa vida de cabeça para baixo, mas com extrema felicidade para todos da casa. Ela está sendo acompanhada pelas seguintes especialidades: Urologia, Nefrologia, Neurocirurgia, Nutrição, Pediatria do Desenvolvimento, Fisioterapia, Ortopedia e Enfermagem.

Além das cirurgias que já mencionei que a Maria Helena realizou ainda recém-nascida, ela precisou de uma cirurgia urológica para correção de uma obstrução do ureter esquerdo, que leva urina do rim esquerdo para a bexiga. Essa cirurgia foi realizada em abril deste ano e, como consequência, ela ficou com esse ureter drenando urina direto na pele, próximo à virilha esquerda. Ela permanecerá nessa condição por aproximadamente 1 ano, quando o urologista reconstruirá a inserção do ureter na bexiga. Essa cirurgia permitiu que o rim esquerdo conseguisse melhorar sua função.

Além desse procedimento, ainda está em fase de avaliação a necessidade de fazer uma cirurgia na extremidade da válvula de derivação ventrículo-peritoneal (DVP), uma vez que alguns exames de imagem mostraram a possibilidade de a extremidade dessa válvula estar parcialmente obstruída.

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Processo de adoção

Todos os familiares aceitaram e se comoveram muito com a história, envolvendo-se de imediato. Em nenhum momento, amigos nem familiares se manifestaram contra ou colocaram visões negativas sobre nossa decisão. Conheci algumas histórias de adoção que deram certo, mas também me contaram histórias de pessoas que, apesar de todos os esforços, não conseguiram realizar a adoção. Isso me deixou muito preocupada.

Várias pessoas nos trouxeram histórias de conhecidos ou amigos que tentaram adotar e encontraram muitas barreiras, principalmente judiciais, que levaram à desistência do processo de adoção. Ou, ainda, histórias de pessoas que estavam com a guarda provisória e, depois de algum tempo cuidando da criança, tiveram que devolver para a justiça ou para a família. Essas histórias assustam e transmitem uma visão muito negativa da adoção. 

Acredito que os profissionais que trabalham na área da adoção, sejam as pessoas que têm abrigo/lares de crianças, sejam os profissionais do sistema judiciário, precisam estar preparados adequadamente para lidar com as infinitas situações que envolvem a adoção, sobretudo quando se trata de crianças/adolescentes com necessidades especiais. O tempo do processo e os entraves judiciais podem fazer com que a família interessada desista ou, pior, que as sequelas/necessidades da criança/adolescente aumentem sua incapacidade, por falta de tratamento ou condições adequadas e específicas de cuidados.

Acredito que a avaliação das necessidades de crianças especiais para adoção deve envolver uma equipe multiprofissional composta não apenas por assessores de juízes e juízes, mas profissionais da área da saúde, social e pedagógica, entre outros, para que as decisões sejam tomadas  rapidamente, visando ao melhor interesse para a criança/adolescente”.

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