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“Por que quero divulgar as cartas que escrevi para minha filha”

A partir de um financiamento coletivo, Renata Magliocca vai passar adiante a emoção das cartas que escreveu para sua pequena da gestação aos 2 anos de vida.

Por Carla Leonardi (colaboradora)
21 nov 2016, 20h24

Depois de passar pelo susto e pela dor de um aborto, Renata Magliocca tornou-se mãe da Nina, hoje com 2 anos. Preocupada em estar sempre presente na vida da filha, ela mudou toda a sua rotina de trabalho e começou a escrever cartas para sua pequena – todo dia 29, ela escrevia um e-mail com conselhos, reflexões e coisas que ela gostaria que um dia sua filhota pudesse ler. Incentivada pelos amigos, Renata, hoje com 32 anos, abriu um financiamento coletivo para levar algumas dessas cartas adiante. Hoje, o livro está sendo finalizado e logo estará emocionando outras pessoas. Conheça essa história!

“Eu e meu marido estávamos casados há um ano quando descobri que estava grávida. Foi um susto. Cheguei a sonhar com um bebê menino no meu colo, cabelos bem escuros e sorriso largo, daqueles que iluminavam tudo ao redor. No segundo ultrassom, porém, descobrimos que o coração dele não batia e que aquela vida não iria nascer. Outro susto que demorou para passar. Três anos depois, estávamos em São Paulo a caminho de Belo Horizonte para passar o Natal com a minha família mineira quando propus ao Vinícius, meu marido, que listássemos os aprendizados e os bons momentos que tínhamos vivido naquele ano. Não demoramos para concluir que estava na hora da gente aprender mais com a vida – para nós, essa escola era a coragem de ter um filho. Dois meses depois, no dia 2 de fevereiro, soube que estava grávida. Dessa vez, o coração de nós três bateu forte e o meu sonho foi com uma menina. De cabelos cacheados castanho claro, que gostava do mar e de andar de bicicleta. Era a nossa Nina, de nome cantado, curto e doce. Da Nina do Ziraldo. Da Nina Simone. Da Nina que escolheu esse nome.

Minha barriga foi começar a aparecer mesmo no último trimestre. Nós nos encaixamos muito bem e meu corpo, por incrível que pareça, nunca foi tão leve. Um pouco de enjoo no começo, um pouco de azia no final. E eu já sabia que ela ia gostar dos sabores cítricos e dos amargos. Até hoje é assim. Mudamos de obstetra na metade da gravidez e escolhemos investir nossas economias em uma equipe que nos deixasse seguros e confiantes. O enxoval veio das doações dos filhos dos primos e amigos e tudo da Nina começou com boas histórias para contar. Nossa família respirou, então, pela primeira vez no dia 29 de outubro – três dias depois da data prevista. Eu achava, todo dia, que estava bem perto dela chegar. Eu achava, todo dia, que ainda ia demorar. Não sabia se seria correria ou mansidão. Foi o segundo. Nina veio em valsa, dois pra lá, dois pra cá. E eu entendi que com ela eu aprenderia muito sobre o esperar. Ir sem pressa. Dar fôlego para o tempo resolver. Ele resolveu e eu passei a confiar – um tanto na vida, outro tanto em nós.

Renata Magliocca e Nina

Quando eu nasci, um tio avô querido desenhou à mão meu mapa astral. Lá em mil novecentos e bolinha. Achei aquilo tão precioso que prometi que se um dia tivesse filhos, faria o mesmo. Nina chorou agudo e corri para fazer o desenho. Mal comecei e estava lá uma ausência de mãe. Sei que isso poder ter muitas interpretações, mas o medo de ser ausente me fez repensar toda a minha presença. Não só com a Nina. Muitas coisas mudaram e a principal delas foi como eu recriei minha carreira para estar presente nesses primeiros dias de vida com ela. Saí do papel de liderança que estava na consultoria na qual atuo há quase 10 anos e foquei nos projetos que tinham a ver com pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e serviços e que poderiam ser gerenciados remotamente.

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Tive um retorno gradual das minhas atividades depois da licença-maternidade e fiz várias passagens de bastão e empoderamento do time. Eu ia de duas a três vezes por semana para o escritório e não passava mais de 5 horas longe da Nina, para não prejudicar de forma alguma a amamentação. Nesse período, eu levava a bombinha de retirada do leite e garantia essas pequenas ausências. Quem ficava com a Nina nesses momentos era meu marido, minha sogra ou minha mãe, que me ajudaram muito a fazer esse plano dar certo. Eu me adaptei à rotina de sono da Nina e produzia nesses intervalos como nunca. Quantas vezes me perguntei o que fazia com aquelas 12 ou 14 horas que trabalhava antes. Onde eu estava antes que não conseguia tempo nem para ir ao parque em uma quarta-feira à tarde e agora, com um bebê, eu conseguia?

Com todas essas mudanças, crie um e-mail para a Nina e comecei a enviar todo dia 29 uma carta para ela um dia poder ler e saber de tudo que vivemos juntas. Acho que o medo de ser ausente me fez pensar como seria quando ela estivesse na adolescência ou se um dia fosse mãe e não tivesse com quem conversar sobre a vida. Os e-mails eram a minha forma de deixar conselhos, reflexões que eu gostaria que ela levasse com ela, independentemente de como fossem as suas próprias escolhas. Um dia comentei sobre essa caixa de e-mail com uma amiga e ela me pediu para ler. Ela me mandou uma resposta que dizia: “Essas cartas não são valiosas apenas para a Nina. É uma missão sua compartilhar com mais pessoas. Você conseguiu unir sua veia poeta com seu conhecimento de psicóloga e seu amor de mãe. Isso precisa ir além dessa caixa de entrada”. Passei, então, a publicá-las no Facebook na minha página pessoal e elas foram ganhando ainda mais sentido quando vi toda uma rede repensando a sua própria presença e me cobrando para ir ainda mais além e criar uma página só para a publicação dessas cartas, para que outras pessoas que não nos conheciam pudessem chegar até elas.

Quando estávamos nos aproximando dos, então, 1001 dias com ela – que foi o nome que dei para a página – achei que seria uma celebração importante, unir em um financiamento coletivo aquelas pessoas que tanto me apoiaram e me incentivaram para a publicação do livro com as 29 cartas para a Nina (29 porque é o dia que ela nasceu). Escolhi esse caminho porque entendia que o principal não era a venda ou o número de cópias impressas, mas toda a história que a Nina carregaria sobre seu aniversário de 2 anos: um livro feito de memórias. E esse é o tipo de presente que não se dá sozinho. É preciso um tanto de gente. E, no final, foram 129 pessoas (!!!) em 29 dias que contribuíram e tornaram possível não só a publicação do livro, mas também a doação de 129 livros para pais participantes de rodas de gestante e pós-parto. A minha ideia é mesmo que a Nina aprenda que a gente é feito desse mar de gente e que pedir ajuda e tocar a vida das pessoas com aquilo que temos de mais honesto em nós é a melhor forma de não sermos ausentes da nossa própria história.

Agora, o livro está sendo ilustrado (as cartas já estão prontas) e o lançamento está previsto para acontecer em março de 2017, pela Editora Timo, que tem foco nos temas relacionados à primeira infância e que tem um público que valoriza a amamentação e a paternidade/maternidade real, com afeto, presença e nessa construção coletiva, naquele conceito de que é preciso toda uma aldeia para educar uma criança. Eu acredito muito nisso porque nunca mais fui a mesma depois da Nina. E com sorte (a nossa) muitas pessoas também não foram”.

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Veja, a seguir, uma das cartas de Renata para Nina:

Nina,
vou logo me adiantando: a culpa não é da mesa. Muito menos do chão e da escada, minha filha. Dói mesmo cair, arranhar os joelhos ou levar um baita susto, mas culpar o outro não cura. Nem sara. A mesa não estava ali de propósito. O chão não é feio por ter ficado ali parado. Pode parecer bobo ou exagerado, mas é assim que começa esse padrão de terceirizarmos os nossos tropeços. Sinto muito, mas não vou te consolar apontando para o outro: a culpa não é dele. Nem é só tua. Você também não tem todo esse poder: algumas lágrimas nunca vão deixar de rolar mesmo que você (ou eu) queira muito.
Então, vem cá, a gente pode abraçar essa dor. Dar um beijo no arranhão. Vamos juntas sentir que dói mesmo sair da nossa zona de conforto. Ô se dói. Mas vamos combinar que não precisamos achar culpados? Podemos substituir o “quem fez isso” pelo “como você está” e nem precisaremos da Bela Gil para nos ensinar.
Nem tudo o outro. Nem só você. A verdade, meu amor, é que nessa história real que vivemos não dá para separar tudo em mocinhos e bandidos. Bem ou mal. É um pouco misturado: somos nós e também o outro. Não vá se perder por aí, Nina, buscando a causa – ou o causador – de cada cicatriz tua. Faz que nem os mineiros: transforma em causo. E seja feliz para sempre.

Sua mãe.

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