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Os desafios de uma mãe cadeirante

Um acidente automobilístico mudou para sempre a vida de Elaine. Mas ela escolheu o caminho da superação: se tornou uma grande atleta e também encarou com garra a maternidade. Confira a sua história!

Por Luísa Massa
Atualizado em 22 out 2016, 15h33 - Publicado em 9 Maio 2015, 12h58

Elaine Cunha, 33 anos, é velejadora paralímpica e mãe da Aline, de 1 ano e 7 meses. Aqui, ela conta os desafios que enfrentou ao ser tornar uma mãe cadeirante. Veja!

“Eu era uma mulher jovem de 25 anos, funcionária pública, uma pessoa com personalidade forte e independente. Eu ia para onde queria, resolvia o que precisava, gostava de sair e de dançar, enfim, era alguém que amava ser livre. Mas em abril de 2007, a vida me surpreendeu. Eu sofri um acidente automobilístico, que me deixou paraplégica e usuária de cadeiras de rodas.

Receber o diagnóstico foi desesperador. Pensei que seria o fim de muitos sonhos, inclusive o de ter um relacionamento e filhos futuramente. Também fiquei preocupada com o preconceito que enfrentaria e me sentia presa. Eu estava em um mundo desconhecido, cheio de questionamentos e inseguranças. Eu não havia perdido “apenas” os movimentos das pernas, tinha perdido minha liberdade, independência, o ritmo de vida que estava acostumada.

Felizmente, eu não me entreguei à depressão e resolvi lutar, enfrentar a vida e todos os meus medos. Fui para a reabilitação, conheci outras pessoas que estavam em situações semelhantes a minha e aprendi muito com elas. Me fortaleci fisicamente e emocionalmente, conquistei mais independência e confiança. Também venci vários medos, superei limites que eu julgava impossíveis. Foi lá que eu aprendi a nadar sem poder bater as pernas – isso me estimulou a buscar novos desafios e superações.

Logo mais, ingressei no mundo dos esportes. Primeiramente, na equipe de Remo Adaptado na USP – no qual fiquei por um ano e meio. Posteriormente, fui para a Vela Adaptada, onde velejei por quatro anos e trago em meu currículo competições internacionais e uma Paraolimpíada (Londres 2012) – sonho de todo atleta. Velejar me fortalecia fisicamente e emocionalmente, eu me sentia bem e feliz! Fui a primeira velejadora brasileira paraolímpica a representar o Brasil – até então, só homens haviam feito isso. Foi uma grande honra!

Nessa fase, eu já mantinha um relacionamento, que quase acabou, e a convivência com a minha família também diminuiu. Minha vida era muito agitada, eu treinava de domingo a domingo, intercalando com sessões de fisioterapia, academia e treino prático na vela. As dores musculares eram minhas companheiras, mas eu sabia que precisava ser forte. Meu corpo pedia os exercícios e o que o esporte exigia de mim era dedicação, rotina e foco.

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Passaram-se as férias e quando eu me preparava para voltar aos treinos – em fevereiro de 2013 – inesperadamente, após acordar enjoada, descobri que estava grávida! Eu tinha um contrato e um calendário a cumprir como velejadora, mas a gestação me pegou de surpresa e chegou a hora de fazer a minha escolha: ser atleta – logo que pudesse voltar aos treinos – ou ser mãe. Conclui que estava no momento de viver a segunda opção, pois essa era a realização de mais um sonho que eu tinha.

Abandonei tudo e me foquei no mais importante: a minha filha. Sempre cuidei muito da minha saúde e a gravidez foi tranquila e saudável. Porém, a partir do oitavo mês, tive problemas pelo inchaço, já que a cadeira de rodas prendia a circulação das minhas pernas. As transferências – passar da cama para a cadeira, da cadeira para a cadeira de banho – se tornaram mais perigosas devido o peso da barriga. Então, nos últimos dias antes do parto fiquei na cama, em repouso, o que também contribuiu para que eu engordasse. Tive que usar fraldas porque o peso do bebê pressionava a minha bexiga e as perdas urinárias eram frequentes. Cansava-me com facilidade, ficava ofegante e também tive muita azia. Fiquei chorona, sensível e me aborrecia facilmente.

Confesso que o final da gestação não foi fácil para mim. Precisei muito da ajuda da minha mãe e do pai da Aline, mas saber que eu estava prestes a ter o melhor encontro da minha vida me motivava. Meu obstetra também foi maravilhoso em todo o pré-natal. Ele me explicava todos os detalhes, falava sobre os exames, me acalmava e me passava segurança. Meu parto de cesariana foi marcado para o dia 25/09/2013, com exatamente 38 semanas – esperar mais tempo poderia ser perigoso.

Eu tenho pinos de fixação na coluna devido à fratura causada pelo acidente e isso impossibilitou – apesar de várias tentativas e picadas doloridas – que eu tomasse a anestesia raquidiana. Então, fomos forçados a optar pela anestesia geral, o que apresentava um risco para a minha filha caso o parto não fosse feito rapidamente, além de que eu não veria a pequena nascer, pois estaria desacordada. Meu parto foi o último daquele dia, os médicos estavam tensos, mas tentavam me deixar tranquila. Eu também fazia orações e me esforçava para manter o autocontrole, as boas energias e ter pensamentos positivos até apagar.

A Aline nasceu um pouco sedada porque a anestesia que eu tomei passou para ela pela corrente sanguínea. O risco era exatamente esse: se o parto demorasse, ela poderia não aguentar. De fato, a minha filha chegou a ter duas paradas cardíacas logo após o parto, mas a minha guerreirinha é forte e lutou pela sua vida! Meu primeiro contato físico com ela foi assim que me recuperei da anestesia geral, apesar de ainda estar tremendo e com a visão turva. Dentro do centro cirúrgico, a enfermeira a colocou sobre mim e disse “olha como a sua bebê é linda como você!”. Eu me esforcei para focar a visão, gravar o seu rostinho em minha memória e falei “oi vida!” – o mesmo que eu dizia todos os dias de manhã quando ela estava na minha barriga. Na mesma hora, ela abriu os olhinhos e ficou me procurando, tentando me enxergar, pois ela reconheceu a minha voz e sabia que eu era a sua mãe!

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As lágrimas correram pelo meu rosto, meu coração acelerou e a gratidão por estar vivendo aquele momento me fez a mulher mais feliz do mundo. Eu só conseguia pensar que nós havíamos vencido. Fiquei dois dias sem poder ver a minha filha novamente, pois ela ficou em observação na UTI e eu não conseguia sentar na cadeira para ir até lá. Esses foram os dias mais longos da minha vida, eu chorava muito. O pai dela ia encontrá-la e trazia fotos para eu ver que estava tudo bem. Depois disso, ela veio para o quarto e finalmente podemos ficar juntas – assim como eu desejo que seja até o fim dos meus dias.

Tivemos alta no terceiro dia após o parto e me passou várias vezes o pensamento: “Será que vou dar conta de cuidar dela? Será que estou preparada para ser mãe?”. Cuidar de um recém-nascido não é fácil para ninguém, ainda mais sendo mãe de primeira viagem e cadeirante. Mas, felizmente, eu tive muita ajuda da minha família – em especial da minha mãe, que é o meu anjo nessa vida. No pós-parto demorei mais de um mês para conseguir voltar a ficar na cadeira devido ao inchaço e as dores que tive. Também fiquei um pouco depressiva e sensível, por tudo o que passamos e por querer cuidar dela e mal conseguir sair da cama. Mas eu sabia que tinha que me tranquilizar e manter o controle da situação.

O período de cólicas da pequena também foi conturbado, pois eu não podia sair da cama e tinha que acalmá-la da forma que conseguisse. Passei muitas noites em claro com ela e, durante o dia, pedia que a minha mãe me ajudasse para que eu conseguisse dormir um pouco. E assim fomos passando, superando as dificuldades até eu me fortalecer e assumir integralmente as tarefas e cuidados.  Vivemos juntas todas as fases dela: sentar, engatinhar, a primeira palavra que foi mãmã, o nascimento dos dentinhos, os primeiros passos, as brincadeiras, as gargalhas, os carinhos e beijinhos, os entendimentos por olhares, enfim, momentos maravilhosos.

Não me arrependo de ter largado a minha rotina de treinos para cuidar da minha filha até que ela fique mais independente e possa ir para a escolinha. Sei que esse momento se aproxima e meu coração já aperta, mas é necessário que ela tenha convivência social e eu também preciso voltar a pensar em mim. Hoje, a Aline está com 1 ano e 7 meses, e como me falaram um dia, a criança se adapta à mãe. Cuido dela sozinha praticamente o dia todo, faço as tarefas domésticas e a noite, quando o pai chega do trabalho, ele me ajuda.

Minha filha entende minhas limitações físicas e coopera comigo. Ela me ajuda quando vou pegá-la no colo, pois sabe a posição certa que é melhor para mim e também colabora na troca de fraldas. Além disso, ela preocupa-se comigo, brinca de me ajudar a empurrar a cadeira e já mostra que cuida de mim. Eu tenho uma linda companheira como filha!

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De tudo o que vivi até aqui, concluo que as coisas nem sempre sairão da forma como planejamos. Mas a vida é perfeita naquilo que tem que ser e cabe a nós colaborar para que as coisas aconteçam da melhor forma, para que tudo flua e que nossos sonhos se realizem no momento certo. Ser mãe foi a melhor coisa que já me aconteceu. A Aline me ensina todos os dias o que é o amor incondicional: ela me fortalece, completa, me faz feliz e eu sei que sentirei isso para sempre! Existe um elo muito forte entre mãe e filho – um vínculo eterno, imutável, indissolúvel, um amor sem fim. Por esse amor, nos desdobramos em mil e brilhantemente conseguimos dar conta de tudo. Eu te amo minha vida!”

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