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Boato de que Momo teria aparecido em vídeo do Youtube Kids preocupa pais

Vídeo de boneca suicida cria polêmica, onda de preocupação entre pais e debates sobre limites na internet para crianças

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 19 mar 2019, 15h44 - Publicado em 18 mar 2019, 13h38

A nova preocupação dos pais atende pelo nome de Momo e não é tão nova assim. A personagem, protagonista de uma corrente de Whatsapp no ano passado, parece ter surgido novamente, dessa vez escondida em vídeos aparentemente inocentes do Youtube Kids. Ao que tudo indica, trata-se de uma lenda urbana, mas com potencial para causar danos reais.

Nas inserções que circulam nas redes sociais, a boneca de olhos grandes e feições bizarras surge em meio a tutoriais de slime ou vídeos musicais e pede em vários idiomas que os espectadores cumpram desafios, entre eles cortar os pulsos com objetos cortantes. A professora e produtora de conteúdo Juliana Tedeschi, 41 anos, de Campinas, recebeu o alerta sobre o assunto com um dos vídeos, e se surpreendeu ao descobrir que a filha Bianca, de oito anos já conhecia a Momo.

O material chegou pelo grupo de Whatsapp da família do marido de Juliana, que é do Chile — a lenda sobre a Momo nasceu na América Latina. “Ao conversar sobre o assunto com a minha filha e mostrar uma imagem da personagem, ela teve uma crise intensa de choro, que durou uma hora”, conta a mãe em entrevista ao Bebê.com.br.

Bianca disse que já tinha visto a Momo em vídeos de slime, massinha e que os colegas da escola comentaram que o mesmo ocorreu em vídeos sobre videogame. “Ela disse que não contou antes porque ficou com medo que achássemos que ela era boba por acreditar na promessa da Momo de levar os pais embora caso ela não cumprisse o desafio”, conta Juliana.

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Da preocupação nasceu um post, publicado em 14 de março no Facebook, que logo viralizou e já foi compartilhado mais de 1300 vezes.

Momo no Youtube

A origem do “desafio Momo” é misteriosa. Um caso de suicídio na Argentina de um garoto de 12 anos teria sido provocado pelo jogo em julho de 2018, e assim o boato passou a circular nas redes sociais e se espalhou pelo mundo. Polícias de diversos países emitiram alertas sobre o tema, só que nenhum dano real ou morte até agora foi comprovadamente ligado ao personagem.

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Na verdade, Momo é a invenção de uma empresa de efeitos visuais japonesa, como aponta o Washington Post. Em 2019, a história maliciosa voltou à tona, dessa vez alertando para a presença da personagem em vídeos da plataforma para crianças do Youtube, um ambiente criado justamente para evitar a exibição de conteúdos impróprios aos pequenos.

O caso virou fenômeno de popularidade quando a socialite Kim Kardashian o publicou em seu stories, pedindo providências ao Youtube. A empresa prontamente respondeu que não havia encontrado indícios do desafio nos vídeos da plataforma, e reforçou que a imagem é proibida no site e deve ser denunciada sempre que avistada.

Procurado pela reportagem, o Google, que é dono do Youtube, afirmou que “ao contrário dos relatos apresentados, não recebemos nenhuma evidência recente de vídeos mostrando ou promovendo o desafio Momo no YouTube Kids. Conteúdo desse tipo violaria nossas políticas e seria removido imediatamente. Também oferecemos a todos os usuários formas de denunciar conteúdo, tanto no YouTube Kids como no YouTube. O uso da plataforma por menores de 13 anos deve sempre ser feito pelo YouTube Kids e com supervisão dos pais ou responsáveis. É possível que a figura chamada de “Momo” apareça em vídeos no YouTube, mas somente naqueles que ofereçam um contexto sobre o ocorrido e estejam de acordo com nossas políticas. Para mais detalhes, vale consultar a página sobre Segurança Infantil no YouTube.” No ano passado, quando o boato começou a surgir, a plataforma tirou a publicidade de todos os vídeos sobre o tema, incluindo os que desmentiam a história, para evitar que ela se espalhasse.

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Baleia azul

O caso lembra o do jogo “baleia azul”, que também encorajaria o suicídio de crianças e adolescentes e virou motivo de preocupação no mundo entre 2015 e 2017. Anos depois, se descobriu que a história era falsa, criada a partir de uma lenda urbana russa. As taxas de suicídio entre adolescentes do país euroasiático são altas, e ali a “baleia azul” nasceu como uma explicação para eles.

Uma notícia dada sem apuração por um site russo, baseado nas suspeitas do pai de um adolescente que tirara a própria vida, serviu para dar fôlego à lenda, que é isso mesmo: só um boato. Não é que os conteúdos ameaçadores não existam, mas não há comprovação de que ações organizadas atuem em massa para provocar automutilação e até a morte infantil.

A preocupação é que as lendas urbanas sirvam de inspiração para pessoas mal intencionadas criem conteúdos do tipo. Como ocorreu com a própria “baleia azul”, com o “desafio do desodorante” e, agora, com a Momo. No caso deste último, não há links para os vídeos do Youtube Kids onde o personagem supostamente estaria escondido.

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As lendas existem, mas o perigo é real

Mesmo que seja provavelmente um boato, uma aparição do tipo pode assustar de verdade os pequenos, como ocorreu com Juliana e Bianca. “O personagem é imaginário, mas o medo deles é real”, explica a psicóloga Deborah Moss, especialista em psicologia do desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (USP). “Ao invés de apenas insistir que ele não existe, vale explicar que é uma criação do faz de conta, que não pode fazer mal nenhum na vida real” comenta a especialista.

Agora, se os pais tiveram acesso ao conteúdo antes dos filhos, o ideal é dar um tempo para digerir a notícia por mais chocante que ela seja, buscar suas fontes e checar sua veracidade quando possível. “O ideal é que a conversa não ocorra no calor da emoção, porque muitas vezes o próprio filho não tem noção do perigo, e os pais são a referência dele. Deve haver transparência e um diálogo sem julgamentos ou acusações”, ensina Deborah.

Prevenir é melhor

O aumento no número de suicídios entre crianças e adolescentes no Brasil e no mundo, para os quais ainda não existem muitas explicativas concretas, e as fake news que circulam nas redes sociais colaboram para a difusão de histórias do tipo. Mas estima-se que em 90% dos casos em que pessoas tiram a própria vida o motivo seja algum transtorno psiquiátrico, como a depressão, e não um jogo da internet.

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Apesar de não haver motivo para pânico, o alerta é válido, pois há outros conteúdos perturbadores à solta na rede, assim como pessoas mal intencionadas que podem expor os pequenos a perigos reais, como a pedofilia. Daí a importância de acompanhar de perto a atividade do filho nas redes sociais. “Os pais acreditavam que os filhos estavam mais seguros em casa, mas a conduta na internet deve ser como na rua: sem falar com estranhos, atento à coisas suspeitas”, explica Deborah.

No Youtube, mesmo que com o filtro para crianças aplicado, o cuidado permanece. “Muitos desses vídeos são caseiros, feitos sem controle ou orientação, por isso é preciso orientar os filhos e sempre assistir o que eles assistem”, aponta a psicóloga. E isso não deve ser feito como um castigo ou uma supervisão, mas sim como um acompanhamento. “Para que a criança se sinta confortável em contar o que viu e estabelecer um canal de comunicação com os pais, os pais precisam demonstrar interesse no que elas estão vendo”, completa.

A ONG SaferNet Brasil oferece orientações para denunciar conteúdos impróprios e cartilhas educativas para pais e crianças sobre segurança digital.

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