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Vídeos de youtubers mirins podem ser retirados do ar. Entenda a polêmica

Inspirada por denúncias de ONG, ação visa combater publicidade direcionada ao público infantil e ainda aguarda julgamento.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 11 jan 2019, 17h28 - Publicado em 11 jan 2019, 17h05

O MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) entrou recentemente com uma ação judicial para solicitar a retirada de mais de cem vídeos dos canais de sete youtubers mirins, sob a alegação de propaganda velada ao público infantil. A denúncia partiu do Instituto Alana, ONG que defende os direitos da criança e do adolescente.

Nos vídeos listados, os youtubers fazem unboxing (vídeos onde um produto novo é aberto) e campanhas mais elaboradas, como o caso que deu origem à ação, da youtuber Julia Silva, de 13 anos. Em 2016, ela foi contratada pela Mattel para fazer 12 vídeos temáticos da marca de bonecas Monster High. Os vídeos incluíam desafios e competições que culminavam no recebimento de bonecas e um evento na sede da empresa.

Para o MP, embora Júlia “não ofereça diretamente as bonecas da linha Monster High como produto a ser adquirido, a todo o momento as utiliza como tema dos vídeos, gerando e reforçando a adesão e identificação no público alvo da campanha”. O texto também diz que a indicação de que o conteúdo era patrocinado, um aviso obrigatório nesses casos, não estava em destaque nos vídeos.

A família da youtuber foi procurada pela reportagem, mas não respondeu ao pedido de entrevista. Além da Mattel, McDonald’s, C&A, Cartoon Network, Tilibra, Ri Happy e outras grandes empresas foram citadas na ação, que aguarda julgamento para decidir se os vídeos sairão ou não do ar.

Qual é o problema da propaganda

Diversas legislações brasileiras proíbem a publicidade direcionada ao público infantil. Para os especialistas, a prática é danosa. “Diversos estudos internacionais apontam que até os 8 anos a criança não distingue propaganda de conteúdo, e até os 12 não consegue identificar o caráter persuasivo da publicidade”, explica Livia Cattarruzi, advogada do programa Criança e Consumo.

O MP entende que a comunicação feita pelas empresas por meio dos youtubers mirins desrespeita o desenvolvimento infantil pleno, e se aproveita da “hipervulnerabilidade para realizar venda de produtos”. Mesmo com leis como o Marco Legal da Primeira Infância, de 2016, que diz que crianças não devem ser alvo de propaganda, é comum encontrar vídeos do tipo na plataforma.

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E, com o crescimento da publicidade digital por meio de influenciadores, está mais difícil identificar o que é propaganda. “O unboxing, que era um formato mais tradicional, está sendo substituído por conteúdo, então não fica claro que se trata de uma promoção. Às vezes fica difícil até para os adultos perceberem os ‘merchans’ de um filme, imagina para uma criança?”, defende Livia.

O que dizem as marcas

Procuramos duas empresas para essa matéria, Mattel e McDonald’s. Em nota, a Mattel afirma que a campanha foi realizada de acordo com as leis brasileiras e que, “a despeito da regularidade do conteúdo, o mesmo deixou de ser veiculado pela Mattel a partir de outubro de 2017”.

Já o McDonald’s diz que não trabalha com youtubers mirins e que segue rigorosos critérios internos para se comunicar com os consumidores. A empresa alimentícia diz ainda que em 2016 reafirmou seu compromisso para uma publicidade responsável de alimentos e bebidas para crianças. Entre outras restrições, a rede definiu que não anunciaria em programas, veículos ou canais com mais de metade da audiência composta por menores de 12 anos.

Lugar de criança é no Youtube?

Apesar da propaganda partir dos anunciantes, o Google, dono do Youtube, é o alvo do pedido do MP-SP. “Ele tem que ser responsabilizado na parte que lhe cabe, porque é o dono dos canais”, comenta Livia. No texto, o órgão diz que o Youtube “mantém-se inerte em relação às comunicações mercadológicas abusivas praticadas em face do público infanto-juvenil”.

O Google afirma que “não comenta casos específicos”, mas reforçou que o Youtube é uma plataforma destinada a adultos, o que está mesmo descrito em seus termos de serviço. E que seu uso por crianças deve ser sempre feito em contexto familiar e em companhia de um responsável.

No texto enviado, a empresa afirma ainda que presta esclarecimentos quando necessário ao Ministério Público. E que, quando não há violação clara às políticas de uso, a análise final sobre a necessidade de remoção de vídeos “cabe ao Poder Judiciário”. Na ação, que corre em segredo de justiça, o MP sugere que o Youtube faça uma fiscalização mais enfática sobre o tema e adote medidas que impeçam a prática.

Medidas preventivas

Pais sabem que é muito difícil afastar os filhos dos vídeos de seus canais favoritos. E nem é preciso fazer isso, mas dá para tomar algumas atitudes que previnam a exposição aos anúncios velados. “Reduzir o tempo de tela, controlar o que a criança está assistindo, ensinar sobre o que é publicidade e para que ela serve são medidas importantes”, aponta Livia.

Mas não só. “É muito difícil para um pai e uma mãe lutarem contra uma indústria que investe milhões, por isso, além do cuidado em casa, a lei deve ser respeitada”, encerra a advogada.

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