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Marcos Piangers sobre a paternidade: “Descobri a necessidade de valorizar mais a mulher”

Em entrevista ao Bebê.com.br, o autor do best-seller "O Papai é Pop" fala sobre o papel do pai atualmente, a falta de cobranças em cima do sexo masculino quando se trata da paternidade e o que ele aprendeu tendo duas filhas.

Por Luiza Monteiro
Atualizado em 22 out 2016, 14h07 - Publicado em 11 ago 2016, 16h38

Muito se fala sobre a “maternidade real”, que nada mais é do que a retratação da vida de mãe como ela é: dura, cansativa, desgastante, dolorosa. É claro que há momentos lindos e deliciosos na criação dos filhos, mas a verdade é que há também muitas cobranças (da sociedade e das próprias mulheres), julgamentos, pressão e desafios em jogo. E cada vez mais, o que as mamães querem ver são histórias de superação – e não se espelhar em “mães perfeitas”.

Mas e os pais? A sociedade tem cobrado que os homens se tornem pais melhores, mais participativos e que, ao mesmo tempo, deem conta do trabalho, dos amigos e dos outros familiares? Para o jornalista catarinense Marcos Piangers, pai da Anita, de 11 anos, e da Aurora, de 4 aninhos, a resposta para essa pergunta é “não”. “Eu falo ‘vou ser pai’ e meu chefe não fica preocupado, fica até feliz! Ele pensa que eu vou virar um cara mais responsável. Então, não tem cobrança”, diz Piangers, em entrevista ao Bebê.com.br.

A boa notícia é que muitos homens têm se dado conta de que é preciso, sim, participar da vida dos filhos. Assim como aconteceu com as mães, que passaram a assumir diversas funções, o papel do pai também mudou. E Marcos Piangers é parte dessa nova geração. Em 2015, o jornalista lançou o livro O Papai é Pop (Editora Belas Letras), que reúne textos seus sobre a experiência da paternidade e coisas que ele descobriu e aprendeu sendo pai. A obra foi um sucesso: em pouco tempo chegou ao topo dos principais rankings de leitura do país e já vendeu 100 mil exemplares!

A melhor parte, no entanto, foi ver que muitos leitores se inspiraram em sua experiência. “Acho que o que está acontecendo é uma tendência muito bonita do homem descobrindo a paternidade”, afirma Marcos Piangers. Em 2016, foi publicado o segundo volume da série, com novas histórias e aprendizados da criação de Anita e Aurora. A seguir, confira o bate-papo que tivemos com o jornalista sobre os avanços no mundo da paternidade e as lições que os homens podem tirar sendo mais ativos na vida dos filhos.

O papel da mãe mudou muito nos últimos tempos. E o do pai?

Marcos Piangers (M.P.): O pai moderno é mais participativo, mais interessado, mais preocupado em estar com seus filhos. A gente vem de algumas décadas em que o pai era o cara que pagava as contas enquanto a mulher cuidava dos filhos. E aí, hoje em dia, a gente vê pais superamorosos, que participam de tudo, escolhem escola, nome do bebê, brincam o tempo todo. Acredito que está havendo uma mudança.

Existe muita cobrança em cima das mulheres para que elas sejam “mães perfeitas”. Os homens recebem algum tipo de cobrança quando se trata da paternidade?

M.P.: Eu acho que é muito cômodo ser homem, na boa. Quando a mulher engravida a relação profissional dela muda completamente, o chefe fica puto porque ela engravidou e vai ficar longe, às vezes é demitida. Além disso, o corpo da mulher muda, tem cobranças sobre a amamentação, o parto… Homem é muito de boa! MUITO de boa. Eu falo “vou ser pai” e meu chefe não fica preocupado, fica até feliz! Ele pensa que eu vou virar um cara mais responsável. Então, não tem cobrança.

Acho que o que está acontecendo é uma tendência muito bonita do homem descobrindo a paternidade. Ele naturalmente está ocupando um espaço que antes era só da mulher. Depois que ela começou a trabalhar sobrou um espacinho pro homem nessa criação dos filhos. E todos os homens que começaram a ocupar esse lugar se apaixonaram. A impressão que eu tenho é que o homem está nessa fase de romantismo e idealismo com relação à paternidade, porque a gente descobriu que é mágico, é legal, é bonito e que não é obrigação. A gente está fazendo por prazer, por deslumbre. Eu vejo muito pai na escola, estudando com os filhos, passeando com eles… Isso me deixa muito feliz. É um sopro de esperança no meu coração.

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Como foi pra você a experiência de ser pai e marido logo que as meninas nasceram? Quais os desafios de não deixar as duas coisas de lado?

M.P.: Eu acho que passa pela questão de empatia. Por muitos anos eu não entendia o quanto é difícil para a mulher. Eu usei um artifício muito cômodo pro homem que é dizer “Ah, minha mulher tá na TPM, ela é louca…”. E é claro que a gente brigava muito, porque a minha mulher tinha o corpo mudado, a sociedade cobrando, a vida profissional complicada. E o homem não entende essas coisas.

Com o tempo eu fui sacando isso, mas a gente passou por momentos muito complicados. Passamos por períodos em que ficamos perto de nos separar, porque não é fácil ter um filho. As pessoas colocam foto no Instagram e aquilo é bonito, só que é muito difícil ter um filho. É trabalhoso, é complicado financeiramente e emocionalmente. E por isso a gente se apaixona. Porque é complicado que é bonito, que a gente se emociona quando o filho dá certo. Então, todas essas informações, tudo o que eu estou falando, é aprendizado de vida. Mas no começo é muito mais fácil dizer “eu vou me separar” do que dizer “não, vamos acreditar e tentar”.

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Pelo que você viu desde que lançou o livro, do que as mães mais sentem falta em relação à participação dos parceiros?

M.P.: Uma vez uma mulher me escreveu dizendo estava grávida e o namorado tinha dado no pé. Me disse que ele era muito novo e que ia dar o meu livro para ele. Ela pediu pra eu torcer por eles e eu respondi dizendo que iria fazer isso. Um mês depois o cara me escreveu. Ele falou “Piangers, ganhei seu livro e mudou completamente a minha visão de paternidade, agora eu vou participar”. E aí, um mês depois ele me escreveu de novo, superemocionado e agradecido, descobrindo o prazer da criação dos filhos.

Mas eu acho que tem muito homem que não tem uma referência. A gente não foi treinado, sabe? Ninguém falou pra gente “Olha, o certo é trocar fralda, virar noite, levar na creche, participar todos os dias…”. NINGUÉM FALOU ISSO PRA GENTE! Pelo contrário: desde pequenininho você é ensinado a pegar mulher, ser desrespeitoso… Nada a ver com criação de família. Aí, esses caras veem o livro ou têm esse tipo de conversa e isso vira uma espécie de referência e um entendimento de que “Opa, tem um outro jeito de fazer. Talvez eu esteja errado em não participar”.

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Homem que brinca de boneca Minha primeira filha não foi planejada e demorei um tempo até entender porque minha mulher – minha namorada, na época – ficou tão nervosa quando aquelas duas listrinhas apareceram no teste. Eu sempre quis ser pai, uma espécie de substituição inconsciente daquilo que eu não tive quando era criança, e não fiquei nervoso com a notícia. Afinal, não era meu corpo que iria mudar. Não era minha profissão que iria mudar. Pra ser sincero, mal seria a minha vida que iria mudar – eu teria ainda nove meses de cerveja, amigos e futebol, não é mesmo? Talvez mais, se a Ana tirasse tudo de letra. Fui me flagrar do que é ser pai no dia do parto. As pessoas tem aquela visão romântica, dizem que é o dia mais maravilhoso da sua vida. Quando o obstetra, amigo da família, disse naquela manhã de domingo: “Vamos fazer a cesária?”, fiquei chocado. “Com toda essa naturalidade, doutor! Espere aí! Eu não estou preparado!”. Mas a minha mulher estava, depois de nove meses de espera, e dor, e desequilíbrios hormonais. Não achei romântico nem mágico, achei brutal e sangrento. E, de noite, depois que todas as visitas inconvenientes foram embora, minha mulher estava exausta e minha filha chorava. Chamei a enfermeira, perguntei se ela poderia fazer algo para a criança dormir. E ela riu, e me olhou nos olhos e disse: “Agora é com você”. Ali virei pai. Para o homem, a descoberta da paternidade vem aos poucos. A gente passa anos pra se acostumar com a ideia. Não fomos treinados, não brincamos de casinha, não ganhamos bonecas. Alguns homens acham que tudo isso é coisa de mulher, mas eu acho que não. A gente deveria ter treinamento desde pequeno, pra entender a importância de dividir as funções. Talvez, os homens crescessem mais sensíveis, gentis, mais cuidadosos com o sentimento dos outros. Esses dias eu estava entre bonecas e minha filha pequena. Demos papinha, colocamos uma roupinha quente, passeamos com a boneca de carrinho pela sala. “Um dia eu e você vamos casar, né pai?”. Respondi: “Papai já casou com a mamãe. Você vai casar com alguém mais legal ainda que o papai”. Alguém que está por aí, em algum lugar. Brincando de bola, de bicicleta, ou de boneca.

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Quais comentários você mais recebe dos seus leitores?

M.P.: Recebo todos os dias de cinco a dez e-mails. E todos eu respondo pessoalmente agradecendo e comentando. Recebo muitas histórias: mulheres abandonadas, homens participativos, mulheres elogiando seus maridos, filhos dizendo que o pai é incrível ou que os deixou… Tem de tudo. Mas o que mais chama atenção é como tem homem que abandona a família e muita gente que vê o pai como um herói. É muito legal quando recebo e-mail de uma adolescente ou de uma pessoa que tem no pai a pessoa mais inspiradora e companheira que ela já conheceu.

O que você aprendeu com a paternidade?

M.P.: Eu aprendi um milhão de coisas. Aprendi muito, é a melhor faculdade que um ser humano pode ter. Eu aprendi a ter mais paciência, porque o bebê demora pra fazer as coisas, pra comer, pra dormir… Aprendi a ser mais preocupado com o futuro, ecologicamente falando; a pensar nas outras pessoas para dizer “por favor”, “obrigado”, “com licença” e assim dar o exemplo para as minhas filhas. Aprendi muito sobre empatia, sobre igualdade de gênero. Descobri a necessidade que a gente tem de valorizar mais a mulher e deixar o mundo mais igual pra elas.

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Eu aprendi também a perguntar “por que?”. Criança pergunta “por que?” o tempo todo, né? E foi com a Aurora perguntando “Por que?” que eu fui me fazendo essas perguntas também. “Por que eu fico até tarde no trabalho?”, “Por que eu bebo cerveja?”, “Por que eu quero ganhar dinheiro?”, “Por que eu moro onde eu moro?”. Isso é muito importante para você achar as suas motivações, o que realmente você quer fazer da sua vida e qual é o seu propósito. A quantidade de coisas que eu aprendi com elas é uma lista bem grande.

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Muito o que aprender "Não há pessoa grande demais que não possa aprender; não há pessoa pequena demais que não possa ensinar". Esopo Uma lâmpada queimou lá em casa, precisávamos ir até a ferragem. Eu e a minha filha de quatro anos, de mãos dadas na calçada, conversando sobre as coisas da vida. Um leitor me mandou e-mail esses dias, disse que a coisa que mais sente falta na vida é de caminhar de mãos dadas com a filha, agora adolescente e arisca. Eu aproveito esses momentos como se fossem água no deserto. Não quero nunca perder o deslumbre de uma criança pequena, que olha pra tudo e reflete e pergunta. E, às vezes, aprende. "A mana disse que não existem princesas", a Aurora me disse indo pra ferragem, "mas a gente foi pra Disney e viu que as princesas existem". De fato, vimos o castelo das princesas, tiramos fotos com princesas, recebemos tchauzinhos de princesas, vimos a Sininho voar. "A mana me disse também que não existe aquele cara lá em cima no céu". A Aurora estava se referindo a Deus. "Mas agora que vocês viram que existem princesas, vocês sabem que existe aquele velhinho lá em cima no céu, né pai?". A Aurora estava querendo dizer que, depois de ter a prova que princesas existem, tem agora argumento para defender que Deus também existe. "Vocês têm muito o que aprender comigo, né pai?", completou. Voltamos pela calçada, missão cumprida, sacola na mão. Brincamos de "corre e pára” (que é quando a Aurora corre ou fica estátua de acordo com meu comando – ótima tática para andarmos rápido); de pular os riscos da calçada; de quem chega primeiro no portão do prédio. A Aurora acha tudo incrivelmente divertido, dá gargalhadas de dez em dez segundos. Ela adora qualquer brincadeira, qualquer piada. Ela acha a vida um deslumbre, uma dádiva diária. Eu tenho muito o que aprender.

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Li que você gostaria de ter uma filha a cada sete anos. É isso mesmo?

M.P.: A minha mulher é contra, ela não quer. Mas hoje a gente conversa sobre adoção. Ela não quer passar por todos os processos fisiológicos da gravidez de novo, então a gente discute a possibilidade de entrar na fila de adoção.

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Vocês gostariam de ter um filho homem?

M.P.: Eu posso dizer: sou muito grato por ter duas filhas meninas, porque elas me abriram os olhos para as questões feministas. Se eu tivesse só menino provavelmente não teria essa percepção empática de entender que o mundo é mais complicado para as mulheres. Então, eu sou grato porque foi muito importante para mudar a forma como eu vejo o mundo. Muitos amigos meus que têm filhos homens ainda não mudaram. Mas se a gente for adotar será indiferente, adotaríamos um menino ou uma menina com a mesma empolgação e felicidade.

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