“Eu nunca pensei que seria mãe novamente”

Mãe conta como decidiu encarar a maternidade novamente após lidar com grandes perdas.

Por Luísa Massa
Atualizado em 28 out 2016, 19h33 - Publicado em 23 Maio 2016, 08h38
Arquivo pessoal
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Claudia Repetto, 48 anos, é jornalista e, após perder duas filhas na tragédia de Angra dos Reis na passagem do ano de 2009 para 2010, ela tentou reconstruir a sua vida e, três anos depois, engravidou de trigêmeos.

“No verão, uma parte da nossa família decidiu passar as férias em Angra dos Reis. Como não tínhamos viajado naquele ano, eu e meu marido resolvemos que levaríamos as meninas para lá. Antes da viagem, o tempo ficou ruim, estava chovendo muito e protelamos o passeio ao máximo. Acabamos indo para Angra no dia 30 com o intuito de comemorar a passagem do ano. Nossos parentes alugaram uma casa, mas como ela já estava cheia, pedimos para que eles procurassem outro local para que ficássemos hospedados. Depois nós fomos encontrá-los e nossas filhas brincaram muito. À noite fizemos a ceia de Ano Novo com todos reunidos. Depois disso, voltamos para a casa que tínhamos alugado. Como ainda estava chovendo bastante, sugerimos que o tio do meu marido e a sua esposa dormissem conosco, já que eles teriam que ir embora de barco.

Eles aceitaram e ficaram no quarto em que as meninas estavam dormindo. Elas vieram para o dormitório que eu e o Marcelo ficávamos – eu dividi a cama de casal com a Giovanna e a Gabriela e colocamos um colchão no chão para o meu esposo. Como todas as noites, eu rezei com as minhas filhas e contei histórias. Logo adormecemos, mas em determinado momento acordamos com um barulho, um enorme estrondo, e segundos depois tudo caiu sobre nós – estávamos soterrados. Eu e o Marcelo não perdemos a consciência em nenhum momento, mas ficamos alguns minutos em silêncio porque não conseguíamos acreditar no que estava acontecendo. Você nunca se imagina vivendo uma situação dessas. A casa era nova, reformada e eu não fazia ideia de que atrás dela tinha uma montanha que podia desabar.

Depois de um tempo, eu e o meu marido começamos a nos falar. A sensação que eu tinha era de que ele estava em outro cômodo da casa, quando, na verdade, ele estava junto às minhas pernas. Os únicos sons presentes eram a minha voz, a dele e a chuva. Em nenhuma hora – mesmo depois que eu fui socorrida – me falaram da partida das minhas filhas, mas desde o primeiro momento eu sentia que elas tinham partido. Ainda assim, quando o resgaste surgiu ao amanhecer, eu só pedia para as pessoas que tirassem as meninas de lá. Apesar de ter acontecido algo muito bruto, eu tinha esperança de que elas sairiam vivas. Por mais que eu tente, nunca conseguirei entender o que aconteceu comigo e com a minha família.

Fiquei um mês internada no hospital, pois fraturei a coluna, minhas pernas foram esmagadas, tive embolia pulmonar e outros problemas de saúde decorrentes do soterramento. Confesso que no primeiro momento eu briguei com Deus, mas depois veio uma coisa maior que me fez pensar: “Claudia, como você briga com Deus no momento em que Ele está acolhendo suas filhas?”. Então pedi perdão e que elas ficassem bem. Viver uma inversão da ordem natural da vida, que é quando os filhos vão antes dos pais, é algo muito chocante e marcante.

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Passei por um longo período em que tentei me recompor, juntar os meus pedacinhos, o que sobrou de mim porque a minha vida eram as minhas filhas e eu vivia colada nelas. Contei com a ajuda dos amigos, da família, do meu marido e de uma terapeuta. Eu sabia que precisava de uma razão para continuar vivendo, então, fui em lares de crianças carentes para tentar ajudá-las de alguma forma. Apesar de ter feito várias coisas, aquilo não me bastava, pois o fato de não poder suprir todas as necessidades dos pequenos me fez um mal maior naquele momento. Depois que as meninas partiram, eu tentei não cair em depressão, que era o caminho que eu julgava ser o mais óbvio: me anular da vida e desistir de tudo. Eu disse para mim mesma: “continuo sendo mãe delas e aonde quer que elas estejam eu quero que sintam e recebam uma boa energia vinda de mim”. Para sobreviver a isso tudo, comecei a criar maneiras de me fortalecer. Eu não passo um dia sequer sem falar da Giovanna e da Gabriela: a presença delas é diária na minha vida. Agradeço muito a Deus por ter tido a oportunidade de conviver com as meninas, pois hoje eu posso sentir essa saudade grande e acredito que a gente só tem saudade do que foi bom.

Arquivo pessoal
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Eu nunca pensei que poderia reconstruir a minha família e ter outros filhos. Para mim, tudo tinha acabado. Apesar disso, minhas amigas diziam que eu era jovem e que poderia ter outras crianças, mas qual era o propósito se eu tinha perdido as minhas meninas? No final de 2010, eu engravidei sem planejar e sofri um aborto espontâneo no começo da gestação. Comecei a viver outro drama e me senti culpada pelo que aconteceu, por não estar preparada para receber esse bebê. Acho que foi a partir disso que eu comecei a considerar o que as pessoas me falavam: “você pode ser mãe de novo, sim. Você tem muito amor para dar!”.

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Trabalhei bastante essa questão até decidir que eu teria filhos novamente. Fui ao obstetra, fiz exames e ele me indicou contatos de especialistas em fertilização. Por coincidência, um deles era pai do melhor amiguinho de turma da Giovanna! O médico deu muita força para mim e para o meu marido, disse que nós conseguiríamos. A partir dali comecei o tratamento de inseminação artificial, que não é fácil, pois inclui injeções diárias e oscilações hormonais. Também tem a questão financeira e a expectativa que todos criam. Acho que o tempo é o senhor de tudo. Fiz a primeira vez e não deu certo. Na segunda também não. Na terceira, colocamos quatro embriões e eu descobri que três deles tinham “vingado”: eu estava esperando trigêmos – três corações batiam dentro de mim! Apesar da felicidade, confesso que também levei um grande susto!

Desde a tragédia, eu e o meu marido fugíamos das festividades de Réveillon – íamos para lugares com fuso horário diferente e longe da família porque não achávamos certo privar as outras pessoas de comemorarem o Ano Novo, mas, para nós, aquilo não fazia sentido algum. No ano em que eu realmente decidi engravidar, eu disse para o Marcelo que deveríamos fazer um brinde para as nossas filhas porque elas fizeram a sua passagem em uma data maravilhosa, que tem uma energia muito boa, quando todos estão vibrando e comemorando. As meninas viraram força maior exatamente nesse dia. Eu percebi que deveria ser feliz, mandar alegrias para que elas também pudessem ser felizes.

Em novembro de 2013, três anos após a partida das meninas, os bebês chegaram. Depois que nasceram, eles foram para a UTI. A Flora e o Filipe receberam alta depois um mês, já a Valentina continuou internada por mais 10 dias. Esse desdobramento não foi nada fácil. Era difícil amamentar os dois bebês em casa e depois ir para o hospital tirar leite para a pequena, mas graças a Deus tudo deu certo. Hoje, os trigêmeos têm dois anos e são a nossa alegria! Eu sempre falo para eles da Giovanna e da Gabriela e mostro fotos. A vida delas é muito presente na minha, mas procuro sempre manter isso com muita leveza. Eu não quero que os bebês cresçam com a carga de suprir o lugar de ninguém, pois cada filho ocupa um espaço no meu coração e brinco que ele é elástico: sempre cabe mais um! Agora, como eles já estão falando, surgiu a seguinte brincadeirinha: a Flora é a dona da lua, a Valentina é a dona do sol, o Filipe é o dono dos planetas, a Giovanna e a Gabriela são as estrelinhas que têm no céu e a mamãe é a dona do céu porque tudo isso está no céu. Eles adoram escutar essa história!

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Tudo o que passei me ensinou muito. Acredito que não devemos nos martirizar por aquilo que não temos. Eu, na verdade, não tenho o futuro das minhas filhas, mas construí uma história de vida com elas e esse foi um grande presente que ganhei! O importante é levarmos cada dia como se ele fosse único, minimizarmos as coisas ruins e deixarmos que as boas cresçam sempre!

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Eu tive a oportunidade de ter a Giovanna e a Gabriela e de conviver com elas por alguns anos, mas a minha história aconteceu dessa forma, outras pessoas seguirão o seu caminho. Por isso, abra sempre o seu coração para que a felicidade entre. Não feche as portas porque dificuldades são inerentes, cabe a nós buscarmos uma ótica do bem!”

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