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“Como foi perder minha filha aos 3 meses e meio de gestação”

Confira o depoimento de Ariane Ferrari, que precisou encontrar no amor por seu bebê a força para passar por um processo de muita dor.

Por Carla Leonardi (colaboradora)
Atualizado em 10 jan 2017, 12h20 - Publicado em 9 jan 2017, 18h54
 (Arquivo Pessoal/Ariane Ferrari)
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No mesmo dia em que soube que o seu bebê era uma menina, Helena, Ariane Ferrari descobriu através do ultrassom que a pequena tinha um edema na cabeça e no corpinho. Dias depois, com 14 semanas de gestação, a atriz de 34 anos que tem um canal no YouTube, recebeu a pior notícia que poderia ter: ela havia perdido sua filha. Em meio a tanta dor, foi com muito carinho e respeito – inclusive de seu médico – que ela decidiu não optar pela curetagem e enfrentar a espera e o processo do parto. Conheça essa história!

“Me lembro como se fosse neste instante o momento em que descobri que estava grávida. A felicidade era tanta que eu mal podia acreditar. Fiquei atônita e ao mesmo tempo queria gritar ao mundo que meu sonho tinha se realizado. Eu queria tanto, eu planejei tanto! E ela estava a caminho.

Ouvir o coração dela foi a mais bela canção que eu poderia ter escutado na vida. Ela foi crescendo, eu fui mudando, meu corpo ficou diferente, minha alma se transformou e eu evoluí anos em três meses e meio – tudo graças a ela.
Eu era sedentária, mas comecei a me exercitar diariamente; eu que adorava comer uma porcaria, passei a ter uma alimentação extremamente equilibrada e rica em nutrientes; eu que era fumante inveterada, não mais tive coragem de colocar um cigarro na boca; eu que era ligada no 220, diminui a frequência pra que ela pudesse ficar tranquila.

No dia em que soubemos que o nosso bebê era a Helena, também descobrimos que ela tinha um edema na cabeça, no tronco e em parte dos bracinhos. Nosso tão sonhado bebê poderia ter uma síndrome rara ou, na melhor das hipóteses, ele estava inchado por uma reação desconhecida, que poderia ser viral, e que talvez pudesse regredir. Nesse dia nossa vida quase desabou, mas tínhamos tanta fé, tanto amor que resolvemos lutar! Ela merecia todo o nosso esforço.

Ariane Ferrari

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Eu e o papai viramos um só, foi mágico, nunca tínhamos vivido tanta união e tanto amor. Todos os dias, nós rezávamos juntos, fazíamos mentalizações para que seu inchaço diminuísse, para que ela ficasse saudável. A primeira coisa que eu fazia, quando acordava, ainda na cama, era carinho na minha barriga, dizendo o quanto ela era amada, esperada e que ia se curar. Viesse como viesse, com síndrome ou sem síndrome, com anomalias ou sem, seria amada, recebida e cuidada por nós.

Os dias passavam e eu oscilava entre a certeza de que ela estava bem e o desespero do choro descontrolado que de repente fazia meu mundo desabar. Eu pegava as roupinhas, fazia planos para o futuro, imaginava como seria, do que iria gostar, como iria falar, se movimentar… E assim sonhávamos como seria nossa família.

No dia 13 de julho, com 14 semanas de gestação, logo pela manhã fiz uma sessão de psicoembriologia e, pela primeira vez, senti a Helena se mexer dentro de mim. Senti a vida, senti a melhor sensação que poderia ter experimentado e jamais esquecerei esse momento. À tarde, fomos ver como ela estava, cheios de esperança e fé. Quando ela apareceu no ultrassom, imediatamente já vimos que continuava inchada. Foi triste, mas ainda assim tínhamos fé. Mas ela não se movimentava mais. Aquela menina espoleta e cheia de energia que não parava quieta em nenhum ultrassom não se mexia. Pudemos contar todos os dedinhos, mas suas mãos não se moviam. Eu queria pensar que ela só estava quietinha, mas o seu coração já não batia. Então meu maior medo aconteceu: Helena estava morta dentro de mim.

No primeiro momento fiquei em choque e não consegui reagir, nem sequer olhar para o rosto do pai, eu não suportaria ver a dor nos olhos dele. Eu não conseguia ouvir o que o médico tinha para falar, mas ele foi humano, se juntou a nossa dor, nos acolheu e nos perguntou se queríamos ir para casa, pois ele nos atenderia no dia seguinte ou a qualquer momento que quiséssemos.

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Entramos no carro e desabamos. Helena estava morta e eu sentia que tudo tinha sido arrancado de mim. Meu coração foi arrancado à unha. Me tiraram as pernas, os braços, tudo… Foi o pior dia da minha vida, a pior noite de todas as noites, eu não conseguia fechar os olhos, via Helena boiando dentro de mim, sem reação, sem vida, suas mãozinhas soltas.

Racionalmente, eu entendi e pedi a Deus que essa tortura acabasse e que ela se fosse, para que pudéssemos viver a dor desse luto por inteiro. Mas alguma coisa fez com que ela ficasse ou com que eu não a deixasse ir. Assim, passaram-se as horas, os dias, lentos como se fossem anos.

Eu não consegui trabalhar, ir ao supermercado, descansar… Eu não sabia o que fazer, onde ir, como me comportar, eu não conseguia viver. A única coisa que eu sabia é que viveria o processo do parto, teria contrações, sentiria a dor, viveria aquele momento para o qual eu deveria ter 9 meses para me preparar – mas, ao invés disso, eu teria que parir em 3 meses e meio e voltar pra casa de mãos vazias, de coração vazio, de ventre vazio.

Em uma noite, comecei a sentir muita cólica. Chamei o médico, minha mãe tentou me colocar na banheira morna, mas comecei a sentir um frio congelante. Fui para baixo das cobertas, meu médico fez massagem nas minhas costas enquanto meus olhos cheios de lágrimas encontraram as mãos do apoio do meu marido e os olhos igualmente cheios d’água, me dizendo que eu estava sendo forte e que tudo daria certo.

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Minha família estava unida no cenário do meu parto perfeito e sonhado – em casa – e eu não consegui abortar. Minha cabeça não deixou, eu pensava que não poderia e, de fato, não consegui. As cólicas cessaram, os dias continuaram passando e meu psicológico ficou por um fio.

No dia 19 de julho, fiz uma sessão de acupuntura para tentar induzir o parto, mas foi uma tentativa sem sucesso. No dia seguinte, exausta, eu não conseguia mais, não aguentava mais. Decidimos, então, que eu seria internada para dar um empurrãozinho com remédio.

Nesse momento, a culpa e a exaustão se misturaram. Eu não queria expulsá-la do meu corpo, não eu, mas me dei conta que, de uma forma ou de outra, teria que fazer isso. Só não queria que ela fosse arrancada de mim.

Ariane Ferrari

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Feita a primeira aplicação no colo do útero, era hora de esperar. Cinco horas depois a dor começou forte e, com cólicas e contrações, o trabalho de parto entrava em ação. Eu não estava pronta! Eu tinha que ter 9 meses para me preparar para esse tal trabalho de parto e deveria ser um parto! As dores deram trégua e, depois da segunda aplicação, entrei em um sono profundo, mas quando acordei já estava com uma dor horrível, dobrando meu corpo.

Nada parecia ajudar. As dores novamente deram trégua e eu me frustrei, me perguntando se não seria daquela vez. Mas a dor voltou, deitei na cama e senti uma pressão, senti algo sair e comecei a chorar desesperadamente, pensando que era minha filha. Mas foi um alarme falso: era a bolsa. Fiquei decepcionada, aliviada, frustrada… Tudo junto.

Eu estava de pé quando senti que ia desmaiar, meu médico foi me colocar na cama e disse que já era a hora de ficar sem calça, meu marido foi tirá-la para mim e foi aí que tudo aconteceu. Não ouvi mais nada, nem ninguém. Senti o sangue escorrer pelas minhas pernas, senti uma pressão forte, meu marido abaixou e disse que ela estava lá, tinha saído. Não consegui vê-la naquele momento. Eu estava tonta, com náuseas e esperando a placenta sair, mas eu não pensava em outra coisa, queria vê-la. De repente, outra forte pressão aconteceu para a saída da placenta e foi quase como um segundo parto. Depois disso, eu só queria ver minha filha.

Rezamos, contamos seus dedinhos, vimos como ela era rosinha e perfeita, os olhinhos, a boquinha, o tornozelo, os pezinhos… Dava para ver o edema, como uma gordurinha atrás do pescoço. Ela era linda, ela era perfeita, ela era minha. Como eu queria que ela tivesse viva. Eu a amo tanto.

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Eu fui respeitada do início ao fim, minhas decisões foram sempre tomadas em conjunto: eu, meu marido e meu médico, mas os dois, sempre, repito, sempre respeitaram as minhas vontades e os meus tempos.

Quando tive alta, lembrei-me do momento em que cheguei no hospital e vi uma mãe que saía com seu bebê no colo, pensando que eu sairia dali de mãos vazias. Então eu estava na cadeira de rodas, chorando, mas com o coração cheio de gratidão, pois Helena, minha filhinha, meu anjo de luz, me ensinou tanto, me encheu de coragem, me fez ter fé, me fez acreditar, me fez enxergar uma mulher cheia de força e coragem que até então eu não sabia que existia.

Eu queria tanto ter tido mais tempo, ainda que o tempo que Helena esteve materialmente comigo tenha sido o melhor da minha vida, espiritualmente sei que sempre estará. Eu queria tanto alimentá-la nos meus seios, queria tanto poder ter tido a oportunidade de saber do que ela iria gostar, como seria o som do seu chorinho, como seria o seu cheiro, como seria seu adormecer e despertar, queria ensiná-la a dar os primeiros passos, mas Helena, meu anjo de luz, já nasceu com asas sabendo voar. Helena, minha maravilhosa guerra de Troia, a mais bonita travada contra mim mesma.

Sobre ser mãe de anjo, posso dizer que só você sabe o quanto você não suporta a dor de ter perdido esse filho e o quanto você agradece por ter vivido o tempo que viveu com ele. Eu sou e sempre serei mãe da Helena. Pode ser que um dia eu tenha outros filhos, mas a Helena vai continuar sendo minha filha. Uma coisa que eu tenho certeza é que um filho não substitui o outro.”

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