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“Como foi descobrir que meu filho seria surdo”

Após saber que seu bebê não ouvia, Sabine passou a viver uma nova realidade e, hoje, vê na Libras o caminho para se comunicar com o seu pequeno.

Por Carla Leonardi (colaboradora)
Atualizado em 16 nov 2016, 13h25 - Publicado em 16 nov 2016, 13h25

Um dia depois do nascimento do Guilherme, a comerciante Sabine Schaade recebeu uma notícia que nenhuma mãe que acabou de dar à luz quer ouvir: o teste da orelhinha de seu pequeno tinha dado negativo. Um mês depois, veio a resposta definitiva e ela teve que lidar com uma realidade inesperada. Seu bebê tinha uma surdez profunda. Depois de se desesperar, Sabine procurou a melhor forma de lidar com a situação e hoje, seis anos depois, aprendeu Libras junto de seu filhote e ainda ajuda outras famílias em seu blogseu canal no YouTube. Conheça essa história!

“Eu me chamo Sabine Stark Schaade, tenho 37 anos e sou mãe de quatro filhos, entre os quais o Guilherme é o caçula. A notícia da gravidez dele foi um baque para a nossa família, porque até então meu plano era ter só três crianças. Na época, eu tomava a tal minipílula porque ainda amamentava o Giovanne, que era o menor. Mas um dia eu esqueci de tomar uma dose e, quando lembrei, tomei duas de uma vez. Como tive relação sexual, ainda tomei uma pílula do dia seguinte, mas engravidei. A verdade é que não foi fácil encarar mais uma gestação. Minha vida estava voltada para outras coisas, mas apesar do susto, a gravidez foi tranquila na medida do possível. Não tinha nenhum problema de saúde. Fiz o acompanhamento e estava tudo bem.

Logo que o Gui nasceu, ainda na maternidade eu soube da possibilidade de surdez. Em 2010, o teste da orelhinha ainda não era obrigatório, mas as enfermeiras ou fonoaudiólogas passavam oferecendo. Como eu tinha feito nos meus outros três filhos, também quis fazer no Gui, mas o resultado foi negativo. É claro que você ainda não sai com o diagnóstico de que seu filho é surdo – eles me falaram que era normal falhar, pois podia haver resto de líquido amniótico no conduto auditivo. Na hora a gente não tinha muito o que fazer, mas eu saí da maternidade com um belo ponto de interrogação na cabeça. Essa sensação de dúvida é muito estranha e até cruel. Você acaba de parir uma criança, está frágil e ainda tem que lidar com a possibilidade de ter algo errado com o seu filho. Além da dúvida, o que me restou foi um papel que marcava o retorno.

Uma semana depois do parto, eu levei o Guilherme ao pediatra, que avaliou ambos os lados, falou sobre o líquido amniótico e tentou me tranquilizar. Claro que não adiantou nada. A gente tinha retorno para pedir um exame em 30 dias e foi um período muito tenso. Não conseguia olhar aquele bebê com naturalidade, pois estava insegura e com medo de que o resultado desse negativo novamente.

Um fato que chamou muito minha atenção foi que uma semana antes do exame eu estava no quarto dos meninos guardando uma pilha de brinquedos e, sem querer, derrubei tudo no chão. Como o piso do quarto é de madeira, não preciso nem dizer o barulho que fez! Minha reação foi olhar imediatamente para o Guilherme que estava no berço. Ele dormia como um anjo! Foi naquele momento que a minha ficha caiu. Dentro de mim, vi que nada tinha mudado. Meu filho era surdo.

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Quando meu marido chegou do trabalho à noite, a primeira coisa que fiz foi contar o que tinha acontecido. Ele achou tudo uma bobagem, disse que era coisa da minha cabeça. Mas uma semana depois tivemos a confirmação de que ele, de fato, não ouvia.

Nesse primeiro momento os especialistas não me falaram que meu filho era surdo. Eles simplesmente disseram que ele ‘não passou no teste’ e que teríamos que marcar um segundo BERA (Exame do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico). Foi nesse exame que eu finalmente saí com o diagnóstico: surdez profunda neurossensorial bilateral.

É muito difícil a ficha cair! Eu não conhecia nenhum surdo, na família não temos ninguém com surdez e, na época, eu ficava tentando imaginar quais barulhos ele conseguiria ouvir… Foi muito difícil. Chorei horrores e as coisas meio que foram acontecendo automaticamente: as consultas com otorrino, com fonoaudiólogo, a utilização do primeiro aparelho que era só um amplificador… Aos três meses, Gui já usava o seu primeiro AASI (aparelho de amplificação sonora individual).

Sabine Schaade

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Esse primeiro ano de vida do Guilherme foi o mais difícil pra mim, pois além da descoberta da surdez, veio toda essa rotina de médicos, exames, sessões de fono… Coisas com as quais eu não estava acostumada. Entrei para um novo mundo!

E esse foi o momento de ‘enterrar’ aquele bebê tão sonhado e perfeito que aparentemente habitava minha barriga e substituí-lo por esse novo filho que tinha algo que eu não entendia, mas que eu já sabia que faria com que ele precisasse muito de mim e dos meus cuidados. Não é fácil passar por isso, mas essa fase de luto é necessária, pois precisamos desse tempo para assimilar tudo de novo que estamos vivendo e tudo aquilo que ainda vamos ter que encarar.

Nesse meio-tempo, o otorrino falou sobre o implante coclear, que era o que existia de mais moderno na época para a surdez: um ouvido biônico capaz de fazer a criança ouvir quase de forma normal. Foi uma esperança! Passamos o primeiro ano do Gui só nos preparando para isso. Porém, foram exames e mais exames até a descoberta da malformação das cócleas do Gui. Precisávamos esperar que ele ganhasse peso e pudesse fazer uma ressonância magnética para avaliar a situação – havia a possibilidade de que ele não tivesse os nervos auditivos. Isso gerou ainda mais insegurança e medo, porque, se ele não tivesse os nervos, nem o implante coclear (IC) seria possível!

Foi nesse período que eu criei meu blog “Filhos especiais, pais abençoados“, que mantenho até hoje e onde escrevia tudo que estava acontecendo. Era meu diário, um lugar em que eu podia desabafar. As pessoas começaram a ler e a me mandar e-mails contando suas histórias. Saber que eu não estava sozinha me fez um bem enorme.

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Como foi possível, com 1 ano de idade, Guilherme fez a cirurgia do implante coclear – ainda só de um lado, por indicação médica. A cirurgia não era simples como deveria por causa da malformação das cócleas, mas tínhamos esperança e sabíamos que essa era a única solução para o caso dele. Acabou dando tudo certo e, surpreendentemente, o médico conseguiu inserir todos os eletrodos na cóclea, mesmo ela sendo malformada.

Depois da cirurgia, passamos um ano e meio focados na oralização do Gui. A audição dele melhorou, sim, mas acabou estacionando e muita coisa acontecia enquanto isso. Instalou-se uma crise no meu casamento e parecia que não falávamos mais a mesma língua entro de casa. Meu marido me cobrava demais e colocava toda a culpa em mim pela falta da fala do Gui.

Mas eu levava nosso filho à fono quatro vezes por semana e nada acontecia! Até o dia em que marquei uma consulta para os ajustes do implante coclear e falei da minha frustração. O Gui passou por vários exames e, novamente, estava tudo ok com a parte interna. Mas a especialista me falou que, pelo tempo de uso do IC, meu filho estava mesmo atrasado. Foi aí que questionamos sobre a malformação, queríamos saber quanto ela influenciava na oralização dele. Para a nossa surpresa, a fono ficou espantada. Não sabia da malformação! Saí daquele consultório e nunca mais voltei. Indignada, troquei mais uma vez de profissional. Aquilo foi um soco no estômago, foi meu segundo luto. Quer dizer que eu tinha passado um ano e meio tentando tirar leite de pedra e que não adiantou nada?

Foi nesse momento que eu decidi que o Gui aprenderia Libras! Aí já não ouvia mais ninguém, fui pelo que meu coração me falava e essa foi a melhor coisa que nos aconteceu.

Guilherme tinha dois anos e meio e ficou seis meses participando do PED (Programa de Estimulação e Desenvolvimento) do Centro de Educação para Surdos Rio Branco, até poder frequentar o maternal aos três anos de idade. Em uma semana, ele já sabia o que era menino, menina, xixi… Pareceu que um mundo novo se abria para ele, para nós. Era disso que meu filho precisava! Finalmente ele tinha uma língua.

Ainda assim foi um período difícil, porque as pessoas – inclusive os médicos – têm certo preconceito com Libras. Mas eu consegui me manter firme e forte! Perdi amizades, mas fiz outras e não tenho dúvidas de que aquela foi a melhor escolha para ele.

Não desistimos da oralização. Guilherme continua frequentando a terapia duas vezes por semana, mas eu não podia esperar mais. Eu precisava me comunicar com ele e, por isso, aprendi Libras também, o que é essencial. Hoje, meu filho está no 1º ano do Ensino Fundamental e, na turma dele, a primeira língua é Libras e, a segunda, o português escrito.

O colégio dele mantém dentro da unidade em que ele estuda o Centro de Educação para Surdos, então a sala dele é toda formada por crianças também surdas. Entretanto, artes, educação física e outras atividades são praticadas junto com as crianças ouvintes, mas sempre acompanhadas por uma intérprete. Eu, particularmente, não colocaria o Gui em uma escola regular (embora a escola em que ele estuda seja regular, a turma dele é focada na língua que escolhi para ele e esse casamento é perfeito). Não consigo imaginá-lo em outra configuração de ensino.

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Filho de Sabine Schaade

Hoje, não me arrependo da minha escolha e sei que foi o melhor para ele. Guilherme é uma criança feliz e o seu desenvolvimento é absolutamente normal. Quando converso com alguma mãe, sempre digo para ela observar seu filho, pois nem sempre o que nós queremos é aquilo de que eles precisam. Temos que ter esse olhar e esse cuidado.

Ao longo desses seis anos, aprendi a ter paciência e a entender que nada acontece na hora que a gente quer. Aprendi também a ter um olhar diferenciado para a surdez: ela não limita a criança em nada e está tudo bem se ela não quiser falar! A Libras é uma língua e, quando se aceita isso, tudo fica muito mais fácil”.

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