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A criança só quer ficar sozinha? Saiba o que o individualismo infantil representa

O comportamento solitário dos pequenos costuma deixar os pais cheios de dúvidas sobre como agir, mas aos poucos é possível aprender a lidar com ele.

Por Carla Leonardi (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 01h48 - Publicado em 16 set 2016, 14h25

Sabe aquela criança que só gosta de brincar sozinha, não joga bola com os outros se não é ela quem cria as regras e se recusa a participar das atividades coletivas na escola? É tão comum pensarmos que isso faz parte do comportamento “dela” que quase nunca ponderamos o quanto ele pode ser influenciado pelas atitudes da família na qual está inserida. Assim, logo a rotulamos de tímida, individualista, egoísta e pronto – uma vez definida, fica cada vez mais difícil que ela trilhe caminhos diferentes. Mas a verdade é que muitos fatores podem contribuir para o modo como os filhos agem e refletir sobre isso, considerando todo o contexto, é essencial para não limitar os pequenos a definições simplistas.

“Todos nós, inclusive as crianças, devemos desenvolver a individualidade e isso é maravilhoso. Saber quem eu sou, quais são as minhas questões, o que sinto, quais as minhas dificuldades… Esse processo se dá ao longo da vida e não para nunca, pois nossa consciência se amplifica cada vez mais conforme vamos nos conhecendo. Nesse caminho, uma criança pode ser mais introvertida ou extrovertida, mas acredito nesses rótulos apenas como ponto de partida, já que eles podem ser transformados”, diz Daniella Freixo de Faria, psicóloga infantil formada e especializada em psicologia analítica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). A profissional destaca ainda que é durante os primeiros 7 anos de vida que a consciência sobre si mesmo e sobre o outro é formada. “Por isso, acredito que não cabe dizermos ‘individualismo’, mas falarmos em uma criança que permanece mais egocêntrica”, explica.  

Influência do meio

De acordo com a especialista, um dos principais fatores que levam os pequenos a permanecer mais centrados em si mesmos está fortemente relacionado à dinâmica das casas nos tempos atuais, em que os filhos têm todas as suas necessidades e vontades atendidas, sendo muitas vezes colocados no centro da família. Isso está certamente ligado à resistência que os pais têm em frustrá-los ao dizer “não”. “Crianças que crescem nesse contexto têm maior dificuldade para considerar o outro, uma vez que esse treino pouco acontece no ambiente familiar. Portanto, nosso grande desafio enquanto educadores é atender à educação das crianças e não às crianças. Quando dizemos não aos desejos, levamos à espera, à dedicação por algo e à consideração do outro”, ressalta Daniella.

Os pais são os primeiros outros na vida das crianças e não estão lá para atendê-las, mas para educá-las. Com esse ponto de partida, grande parte do caminho já está garantido.

Entretanto, uma criança que cresce naquele contexto em que tem seus desejos prontamente atendidos tem uma tendência maior a se manter egocêntrica e com grandes dificuldades na vida escolar, seja para fazer amigos, aceitar regras, perder no jogo, seja para brincar de algo que não é como ela quer. “Mas minha maior preocupação é em relação à tolerância à frustração, pois elas crescem com baixíssima condição de se frustrar, já que não costumam viver essa experiência. Por não ‘treinarem’, chegam à vida adulta com problemas para enfrentar qualquer desafio e seguir em frente. O prejuízo é muito grande”, alerta a psicóloga infantil.

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Aprendendo aos poucos

Se é no ambiente familiar que o comportamento egocêntrico é incentivado, é também nele que essa questão pode ser trabalhada, considerando os filhos nas tomadas de decisões, mas sem deixar de lado as suas próprias vontades. “Grande parte dos adultos de hoje apenas atendem às crianças e não se consideram mais”, lembra Daniella. E além de incentivar a percepção do outro dentro de casa, outro apoio fundamental vem do ambiente escolar. “Quando esse tipo de atitude é percebida no colégio, é comum que a família seja convidada para um trabalho em conjunto e as coisas tendem a se transformar rapidamente. A psicoterapia também pode ajudar, mas é importante ressaltar que é o contexto familiar que fará toda a diferença nesse processo, uma vez que a criança apenas reproduz o que lhe foi dado”, orienta a especialista.

Portanto, a dificuldade em se relacionar e a preferência por permanecer sozinho e evitar atividades em grupo não aponta, necessariamente, para uma característica de crianças tímidas – vale lembrar que estar introvertida não implica ser introvertida, voltando novamente à questão dos rótulos – mas muito mais de pequenos que estão acostumados a ser o centro das preocupações. Ainda assim, é importante que os pais tenham a consciência de que eles também estão em fase de aprendizado e que, nesse caminho, é normal errar. “Aprendemos a ser pai e mãe todos os dias, na experiência, e é o desconforto que nos faz corrigir a rota. Se algo der errado, preste atenção e tente mudar”, aconselha Daniella.

Portanto, se esse é o caso do seu filhote e você não sabe como agir, lembre-se de que são as atitudes dentro de casa que começam a moldar o comportamento dele, afinal, os pais são os primeiros modelos que temos na vida. E, mais uma vez, tente não rotulá-lo com expressões como “ele é assim mesmo, só gosta de brincar sozinho”. Os pequenos ainda estão em formação e, nessa fase, nada é definitivo.

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