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Masturbação infantil: pais não devem reprimir, mas orientar o filho

Quase todas as crianças fazem, e o jeito de lidar com a situação pode influenciar no desenvolvimento psicológico e até na vida adulta dos filhos.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 15 Maio 2020, 16h02 - Publicado em 28 nov 2019, 17h00

Você chega no quarto ou na sala e seu filho ou filha está assistindo TV com a mão na calcinha ou na cueca. Para os pais, a cena é estranha e pode até parecer errada, mas os especialistas garantem que trata-se de uma etapa natural do desenvolvimento infantil, que não deve ser reprimida.

O interesse pelos órgãos genitais começa cedo, assim como a descoberta do resto do corpo. “Varia de pessoa para pessoa, mas podemos pensar que ele se inicia quando a criança passa a percebê-los ao tirar as fraldas”, explica Virginia Georg Schindhelm, psicóloga doutora em educação e sexóloga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF/INFES), no Rio de Janeiro.

Ao tocar o pênis ou a vagina, a criança sente uma sensação prazerosa, mas que não está relacionada ao sexo e não é maliciosa. É aí que a cabeça do adulto tende a “bugar”. “Ao tocar os genitais, ela sente muito prazer sensorial, tal qual quando enrola o dedo no cabelo ou acaricia o lóbulo da orelha”, completa Virginia.

O que fazer?

Por volta dos três ou quatro anos, boa parte das crianças se masturba — sim, o termo correto é esse, mas sem a conotação sexual — e o ideal é tratar a situação com naturalidade, sem fazer uma grande cena à respeito ou falar mais do que ela está preparada para ouvir.

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“No fim das contas, a malícia está na cabeça do adulto, não na dela, e esse toque acontece de uma forma bem mais inofensiva e sutil que os pais imaginam”, explica Luciane Gonzalez Valle, psicóloga cognitiva que atua no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). A tendência é que a criança brinque um pouco com os genitais mas logo se entretenha com outra coisa.

Explique que não há nada de errado com o que ela está fazendo, que entende que é gostoso, mas que há condições para que o toque aconteça. “É um ótimo momento para explicar a ela que o corpo é dela, e que só ela pode tocá-lo, quando estiver sozinha, assim ela já entende as diferenças entre o público e o privado”, aponta Gabriela Malzyner, psicóloga mestre em psicologia clínica pela PUC/SP. Deixe claro que adultos só podem tocá-la no momento da higiene.

Falar é uma maneira de proteger

A conversa franca é importante não só para o desenvolvimento psicológico e emocional mas para prevenir o abuso sexual infantil. “Uma criança pequena não sabe a diferença entre a sensação gostosa de um abraço e a de um toque no genital, e precisa que isso seja explicado para ela”, comenta Luciane.

Ter tabus sobre o assunto pode, por outro lado, deixar a criança mais vulnerável. “Se ela for tocada por alguém, pode não contar porque os pais disseram que ela não pode falar de nada que envolva aquela região”, exemplifica Luciane.

Se você reprime ou diz que é sujo…

…Ensinará ao filho que ele não é dono do próprio corpo e que é errado sentir prazer. Crianças tendem a generalizar, então ele pode entender não apenas que se masturbar é errado, mas que sentir prazer, no geral, é ruim.

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“Crescer com restrições e pudores em relação ao próprio corpo não é saudável ao desenvolvimento físico, emocional e psicológico, e pode ter consequências negativas nos futuros relacionamentos afetivos”, aponta Virginia.

Como a criança não tem noção do que o ato significa para os adultos, pode se masturbar em público, na escola ou na frente de familiares. Mantenha a calma e explique – quantas vezes forem necessárias – que trata-se de um momento íntimo.

Como falar sobre sexo com os pequenos

O ideal é ter uma postura aberta, mas respeitar o tempo dos pequenos. Embora a criança tenha curiosidade, não está pronta para ouvir grandes elaborações sobre sexo e prazer – e nem deveria.

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“Oriente desde cedo sobre os cuidados com o próprio corpo, mas espere que ele traga as perguntas até você de forma natural”, sugere Sirlene Ferreira, psicóloga de São Paulo. Durante todo o processo evite mentir, falar além da conta e passar anos e anos chamando as partes íntimas apenas por apelidos como “pipi”.

Os órgãos genitais têm nome: pênis e vulva, e a criança precisa conhecê-los quando já estiver com a linguagem desenvolvida, capaz de compreender a palavra tão bem quanto seu significado.

Se você tem dúvidas ou não se sente confortável para responder, seja sincero com a criança de que irá procurar uma resposta para ela e que não está pronto para falar sobre isso naquele momento. “Na dúvida, procure um psicólogo e peça as orientações necessárias, você não é obrigado a saber tudo”, comenta Marcos Raul de Oliveira, psicólogo fundador do site PSICO.ONLINE.

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O excesso deve preocupar

Uma coisa é a criança se tocar na intimidade, eventualmente, outra é repetir o gesto a todo momento, reproduzir discursos adultos e falar de sexo. Caso note comportamentos que não condizem com a idade, vale procurar um profissional para entender o que está motivando aquilo – pode ser uma válvula de escape para algo que a esteja incomodando, necessidade de chamar atenção ou mesmo exposição à pornografia.

“Hoje vemos crianças muito pequenas expostas a conteúdos sexuais logo cedo, e ela pode ter contato com figuras eróticas por acidente pela internet antes de ter maturidade cognitiva para isso”, aponta Luciane.

Respeite seu modo de viver

Se você é religioso ou tem seus próprios tabus em relação a sexo, tudo bem. O assunto é mesmo cercado de dogmas e cada um tem uma maneira muito particular de lidar com a própria intimidade.

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Mas vale considerar que estamos falando de um processo de descoberta, que é natural ao corpo, e não sobre desejo. “Por isso mesmo, será até mais fácil falar sobre masturbação enquanto ela é pequena do que depois, na adolescência, quando aí sim o sexo estiver envolvido no ato”, comenta Luciane.

Por último, tenha em mente que orientar a criança não é incentivar algo no qual você não acredita, e que a educação é uma das formas mais eficazes de proteger a criança do abuso sexual. Hoje, 18% das pessoas estupradas no Brasil têm menos de cinco anos. E elas precisam saber que seu corpo é propriedade só delas desde a mais tenra idade, por mais tenso que seja o assunto para os pais.

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