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Como a intervenção precoce pode mudar a vida de crianças com deficiência

Com a nova lei que entrou em vigor no dia 2 de janeiro, os pequenos com atraso no desenvolvimento ou que nascem com anormalidades têm garantido o direito a um atendimento multidisciplinar já nos primeiros dias de vida. Entenda a importância disso para o crescimento saudável desses brasileirinhos.

Por Luiza Monteiro
Atualizado em 20 jul 2017, 20h45 - Publicado em 15 jan 2016, 17h18

Dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 5,3% dos brasileiros com idades entre 0 e 14 anos sofrem com a deficiência visual. Quando se trata de problemas auditivos, essa faixa etária representa 1,3% dos afetados. Alterações motoras atingem 1% das crianças e jovens e os problemas mentais e intelectuais acometem 0,9% dos cidadãos mirins. Todas essas pessoas sofrem, desde a infância, com a falta de acesso a uma educação de qualidade, a uma cidade adaptada às suas demandas e, muitas vezes, a um sistema de saúde que atenda suas necessidades para um desenvolvimento normal e saudável.

Mas o Brasil deu mais um passo rumo a essas conquistas. Aprovada no dia 6 de julho de 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) entrou em vigor no último dia 2 de janeiro. Também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, a LBI traz avanços em diversas áreas de políticas públicas que beneficiam toda a população, inclusive os pequenos. No campo educacional, por exemplo, a lei estabelece uma educação mais inclusiva. Já na saúde, um dos principais pontos é o direito ao diagnóstico e à intervenção precoces, realizados por uma equipe multidisciplinar. E é nessa questão que queremos focar.

“Diversos estudos mostram que quanto mais cedo um bebê recebe os estímulos certos, muito mais promissor será seu desenvolvimento”, observa a deputada Mara Gabrilli, relatora do projeto que deu origem à LBI. E isso vale para todos os recém-nascidos, especialmente aqueles com algum tipo de deficiência. No caso deles, muitas vezes é necessário que essa estimulação seja feita e acompanhada por especialistas, a fim de detectar e prevenir atrasos – e é disso que se trata a intervenção precoce. “Ela é fundamental para o sucesso na comunicação, socialização, coordenação motora e outros aspectos do crescimento dessas crianças”, destaca a deputada.

A seguir, saiba mais sobre quem pode receber intervenção precoce, suas vantagens e como ter acesso a esse direito. 

Quem pode se beneficiar com a intervenção precoce

Não são apenas os recém-nascidos com deficiência que estão aptos a contar com esse atendimento. Crianças que nascem com malformações cerebrais, cardiológicas ou mesmo de face, como o lábio leporino, também são indicadas para a intervenção precoce. Os pequenos que têm complicações decorrentes de infecções intraútero – a exemplo de sífilis, toxoplasmose e HIV – também fazem parte do grupo que deve receber um atendimento multidisciplinar.

“Prematuros que tiveram asfixia neonatal ou que ficaram em uma internação prolongada também têm indicação”, conta a neuropediatra Danielle Christofolli, médica responsável pelo Ambulatório de Diagnóstico da APAE de São Paulo. Crianças autistas são outras que podem tirar vantagem da terapia antecipada, embora o diagnóstico do transtorno não seja feito logo nos primeiros meses de vida

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Microcefalia

Os pequenos que nascem com essa malformação cerebral também estão no time daqueles que devem receber a intervenção precoce. “Se forem atendidos logo nas primeiras semanas de vida, é possível amenizar problemas que esses bebês tenham para amamentar e se posicionar ou mesmo prevenir que o corpo deles cresça de uma forma anormal”, exemplifica o terapeuta ocupacional americano Bryan Mattson, especialista em pediatria e intervenção precoce.

Daí porque o Ministério da Saúde lançou, na última quarta-feira (13), as Diretrizes de Estimulação Precoce para crianças de 0 a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor causado pela microcefalia. O documento foi elaborado devido ao surto da malformação em todo o país, provocado pelo vírus zika. Além de orientar funcionários da rede pública de saúde para intervir e estimular corretamente, o governo pretende capacitar 7.525 profissionais para atuar em conjunto no atendimento a esses pacientes.

A importância de intervir cedo

“Quanto antes a gente intervém, mais novo e maleável é o cérebro da criança”, diz Danielle Christofolli. Desse modo, a chance de o pequeno absorver os estímulos recebidos é bem maior. “Isso tem a ver com a plasticidade do sistema nervoso central ao longo da primeira infância”, explica a neuropediatra da APAE. O ideal é que o tratamento comece antes dos 12 meses. “O desenvolvimento cerebral é muito grande nos primeiros dois anos de vida. Se você perde essa janela de oportunidade para estimular a criança, fica mais difícil depois”, pontua a neuropediatra Mara Lúcia Schmitz Santos, coordenadora do Ambulatório Bebê de Risco do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, no Paraná.

Inclusive, se a intervenção demora para acontecer, as dificuldades e atrasos do pequeno tendem a piorar. “A criança não vai parar de aprender, brincar e crescer porque ela tem um problema. Ela vai achar o caminho mais fácil para fazer isso, o que nós chamamos de compensação”, ensina Bryan Mattson. Segundo ele, a partir do momento em que essas alternativas viram regra, fica difícil revertê-las. “Então, quanto mais tempo o pequeno passar sem terapia, mais ele vai desenvolver maneiras anormais de fazer uma séries de coisas”, conclui o especialista.

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Vantagem econômica

Segundo Mattson, diversos estudos já demonstraram que, em termos de saúde pública, a intervenção precoce também é uma forma de economizar. “Uma pesquisa mostrou que para cada 1 dólar gasto antes dos 3 anos, 17 dólares são economizados depois dessa idade”, conta o terapeuta ocupacional. Isso significa que, quanto mais cedo a terapia começar, menos será gasto com outras técnicas terapêuticas lá na frente.   

Equipe multidisciplinar

A intervenção precoce pressupõe um atendimento multidisciplinar, ou seja, que inclui profissionais de várias áreas: fisioterapeutas, psicólogos, médicos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais… O ideal é que esse atendimento seja feito em conjunto, de modo que todos os especialistas se comuniquem e atendam da melhor forma os pequeninos. “Apenas um profissional não consegue atingir todas as esferas de tratamento de que essas crianças necessitam. Um paciente com atraso motor e de fala, por exemplo, precisa de um fisioterapeuta e de um fonoaudiólogo”, esclarece Danielle Christoffoli.

Vale lembrar que a família também tem um papel fundamental nesse processo. Até porque é no ambiente domiciliar que a criança passa a maior parte do tempo e recebe um grande número de estímulos. “Quando os familiares se engajam no tratamento e seguem as orientações dos profissionais, é criado um ambiente de continuidade da terapia em casa”, orienta a neuropediatra da APAE de São Paulo. Quando os pequenos vão para a escola, essa instituição também passa a ter uma grande responsabilidade sobre o seu desenvolvimento.

Como ter acesso à intervenção precoce

Em geral, se o bebê não foi diagnosticado com nenhum problema ao deixar a UTI neonatal, é o pediatra quem vai detectar eventuais atrasos no desenvolvimento. Nesse caso, ele pode decidir encaminhar o pequeno para um centro especializado em intervenção precoce. Se o atendimento for feito na rede pública, a criança deve ser direcionada para um dos 136 Centros Especializados em Reabilitação (CER) do país ou para algum dos Núcleos Integrados de Reabilitação do município em que ela mora.

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Entidades como a APAE, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação também oferecem esse tipo de atendimento. Instituições privadas – a exemplo dos hospitais Albert Einstein, Sírio Libanês e Santa Joana, todos em São Paulo, e do Pequeno Príncipe, no Paraná – são outras que contam com ambulatórios especializados na estimulação dessas crianças. 

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