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Mães desabafam sobre como é viver o puerpério na pandemia de coronavírus

Elas contam como o momento do pós-parto, que já é tão delicado, ficou ainda mais difícil sem liberdade e sem rede de apoio.

Por Alice Arnoldi
Atualizado em 15 Maio 2020, 15h51 - Publicado em 13 abr 2020, 16h58

“Minha filha, quando sair da quarentena, vai achar muito estranho que tenha outras pessoas no mundo”. Ainda que uma risada tenha acompanhado a reflexão de Juliana Pina sobre ter dado à luz Cléo no dia 2 de março, ela traz uma situação única que mães estão vivendo: a de passar pelo puerpério em meio à pandemia de coronavírus (Covid-19).

Como explica Rosângele Monteiro, psicóloga perinatal e terapeuta de casais, esse período após ao parto já é desafiador por si só. “É um momento naturalmente solitário e não é porque fisicamente essas mulheres estejam sozinhas. É porque aquilo que a mulher vivencia no corpo, no psiquismo, e nas emoções, é algo extremamente íntimo. Tão íntimo que dá uma sensação de solidão. É como se você não conseguisse acreditar que as pessoas ao seu redor conseguem sentir o mesmo que você sente”

Só que com a pandemia, essa complexidade de não conseguir perceber o auxílio oferecido pelas pessoas próximas aumenta ainda mais. A situação deixou de ser apenas um conflito interno da mulher e passou a ser físico. Isso porque o isolamento social impediu qualquer tipo de rede de apoio presencial e mudou completa e repentinamente a forma como as mães precisaram se organizar para a chegada do filho.

Quando a bióloga foi ao hospital para que a filha pudesse vir ao mundo, o primeiro caso da doença já havia sido confirmada no Brasil. Mas as medidas preventivas ainda eram iniciais e o isolamento social parecia a realidade só do outro lado do hemisfério. “Já tinha na Itália, o número de mortes aumentando todos os dias, mas aqui não tinha nada estabelecido, estava tudo incerto. De certa forma, eu tive até sorte, porque no dia do parto, meus familiares puderam estar presentes e recebi visitas na maternidade”, lembra Juliana.

O mesmo aconteceu com Dvorah Lea Valdez na sua terceira gestação, quando o pequeno Aharon Yossef veio ao mundo no fim de fevereiro. O Covid-19 já ganhava atenção, mas ainda não tinha sido confirmado em terras brasileiras. Isso fez com que a família pudesse até mesmo celebrar o primeiro ritual do recém-nascido dentro do judaísmo.

“Com o oitavo dia, nós fizemos o Brit Milá (a circuncisão do bebê). Fomos para a sinagoga, teve uma pequena lehaim, que é como se fosse um brinde. Depois, teve um almoço. Ou seja, as pessoas estavam vendo que estava acontecendo, mas não se falava sobre isso. Falava-se do cuidado com as gripes, não receber visita e mandar fotinho”, explica Dvorah. 

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Só que, de repente, o cenário mudou completamente. No décimo dia de vida do Aharon, ela o levou até o posto médico para fazer a consulta esperada desse período. Como Dvorah mesmo pontua: “Nesse dia, o posto já estava um absurdo de loucura”. E, a partir de então, as inseguranças vieram ainda mais fortes.

Aos 41 anos, Dvorah teve pressão alta e diabete gestacional durante a formação do caçula. Além disso, com 26 semanas, ela sofreu um acidente. “Eu estava entrando num carro de aplicativo, ele deu ré e eu caí para trás. Quebrei o cóccix.” Mesmo com as duas doenças e uma fratura, a consultora tentou o parto humanizado na Santa Casa, com a ajuda de duas doulas, mas não foi possível. Ela precisou passar por uma cesárea.

Como se passar pela recuperação do processo cirúrgico já não fosse difícil por si só, a situação ficou ainda mais delicada com a chegada da quarentena. Logo de cara, os dois filhos mais velhos, Ariel de 12 e Sarah de 7, pararam de ir à escola com a paralisação das aulas em decorrência do isolamento social.

Dvorah Lea com os filhos Ariel de 12 anos, Sarah de 7 anos e o recém-nascido Aharon Youssef. (Acervo Pessoal/Reprodução)

“A cesárea requer muito mais atenção. Você não consegue pegar todas as coisas, sentar direito e, principalmente, o cóccix estava pesado. Não foi fácil. E a quarentena só veio a prejudicar um pouco mais isso, porque estávamos esperando fazer fisioterapia após a gestação. Antes não podia fazer para não adiantar o trabalho de parto. Só que parou tudo. E eu tenho dois filhos, que antes iam para a escola e agora estão em casa, então, você tem que ser mãe, professora, cuidar do bebê, cuidar da casa. Meu marido ajudou, mas a gente não consegue. É realmente um momento que eu não paro pra pensar, porque quero que termine logo”, desabafa Dvorah.

E quem auxilia a mãe?

Ainda que o marido tenha 64 anos e faça parte do grupo de risco do coronavírus, ele não pode ficar em casa. O sustento da família depende do restaurante em que trabalha. E essa rede de apoio fica ainda mais fragilizada pela mãe da consultora. Por mais que ela esteja a ajudando no que pode, a avó materna também faz parte do grupo de risco da doença por ter 67 anos e problema no pulmão.

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Durante o dia, a movimentação pela casa e a presença da mãe não dão sequer tempo para Dvorah pensar direito. Mas a noite, com a casa em silêncio, o sentimento de solidão vem à tona.

“Ele está no período que está tendo cólica, então estar no colo do pai ou da avó é limitado a pouco tempo. Eles conseguem dar uma atenção de cinco, dez, 15 minutos, no máximo, porque como o bebê só mama, a dor passa com a mamada. É a solidão de você vir para sala e não ter ninguém. É você e ele. É ir para o quarto e estar todo mundo dormindo. Por mais que você acorde, a pessoa ainda está sonolenta e eles não abraçam a situação como responsáveis”, desabafa a mãe.

Já Juliana sente o isolamento de outra forma. Ao programar a gestação, a mãe e a madrinha estavam prontas para ajudá-la a cuidar da filha, mas agora não estão sequer visitando a pequena.

“Quando eu cheguei em casa, depois do período padrão de ficar no hospital, toda aquela história que eu tinha me programado não aconteceu. Eu tinha contrato uma pessoa para me ajudar, que viria todo dia para fazer um pouco de faxina e comida, também estava contando com a minha mãe, com a minha madrinha, mas todas essas pessoas não vieram mais.”

A saudade de fazer o básico

O que ameniza um pouco a situação é o marido em casa, uma questão ainda particular para as mulheres no puerpério já que os pais não têm o mesmo período de licença que as mães. Entretanto, ainda que Juliana sinta que eles encontraram uma rotina que funcione com o passar dos dias, o coronavírus continua a impedir que ela viva os pequenos momentos, mas cheios de significado, com a filha.

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“Eu sinto muita falta de dar aquela voltinha nem que fosse de 10 minutos. Tomar um solzinho, não faria mal para ela, faria bem. Ver outras coisas. Ver até uma árvore faz falta”, detalha a bióloga.

Juliana Pina em um passeio com a filha Cléo antes da quarentena ter sido instaurada em São Paulo. (Acervo Pessoal/Reprodução)

A mesma saudade dos momentos fora de casa, ainda que mais restritos por ser no puerpério, acertou em cheio Rosi Meurer, de 39 anos. Ela e o filho Arthur, de dois meses, já tinham experimentado o que era curtir alguns lugares juntinhos. Mas agora a situação mudou – e muito.

“Não é um período fácil. As únicas coisas que a gente fazia, eu e ele, além de ir no pediatra, era descer ao jardim, tomar um sol, um ar, conversar com pessoas. E agora a gente deixou de fazer tudo. Acaba sendo mais difícil do que já é”, enfatiza a vendedora.

Para Rosi, o período de isolamento é ainda mais delicado porque, assim como Dvorah, ela teve pressão alta durante a gestação. Isso fez com que ela precisasse ser afastada do trabalho antes do período de licença-maternidade. E, como as férias do trabalho venciam em julho, ela precisará ficar mais 20 dias em casa para não perdê-la.

Nesse vai e vem, Rosi sabe dizer exatamente quanto tempo ficará afastada do trabalho: cinco meses e 20 dias. “Foi muito difícil o começo, e tem sido pior, principalmente o fato de ficar só em casa, cuidando dele. A quarentena só reforçou isso”.

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Esse sentimento de que o isolamento social deu ainda mais peso para o que já estava difícil de carregar não é por acaso. A psicóloga Rosângele reforça como processo do puerpério é forte para a mulher e tem ficado ainda mais desafiador durante a quarentena.

“Uma das grandes questões que o puerpério traz é essa responsabilização pela vida de alguém muito especial, que importa muito para essa mulher. E essa questão da sobrevivência do bebê é algo que atua de uma maneira muito importante no psiquismo da mulher. A convocação do bebê pelo choro, que é a maneira pela qual ele consegue se expressar, é algo que demanda essa mulher a cuidar dele. Mas, em algumas situação, se ela está muito cansada, sem dormir, em um estresse muito grande, pode ser que esse choro a convoque para outras angústias, sobre culpas e não dar conta.”

Portanto, se esse período já é delicado por si só, com o coronavírus pode realmente ficar ainda mais difícil. “Tudo isso na condição da pandemia está ainda mais forte na vivência psíquica da mulher, porque ela não tem podido contar com a rede social que ela provavelmente tenha se programado na gravidez para ter. Portanto, fisicamente falando, elas estão sozinhas cuidado desses bebês“, enfatiza a especialista.

Internet na dose certa

Para contornar a solidão, Juliana e Rosi têm usufruído da internet para tentar ficar mais próxima dos familiares e ouvir mulheres em situações parecidas. Mas com algumas ressalvas importantes.

Juliana, por exemplo, optou por não ter contato com grupos grandes de maternidade em que o público não consegue fazer uma filtragem do que tem contato. Mas ela mantem o grupo do trabalho em que outras mães estão presentes. “Ali, você pode tirar dúvidas, ouvir a experiências delas, o que dá um certo conforto”, explica a bióloga.

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Rosi também tem um cuidado a mais com o excesso de informações sobre o Covid-19. “Tanto a rede social quanto a internet em si são momentos de lazer no puerpério. Com a chegada do coronavírus, o que eu tento fazer é ver coisas que não tenham informações sobre a doença.”

Rosi Meurer curtindo o filho Arthur com uma selfie fofíssima. (Acervo pessoal/Reprodução)

Isso significa que a vendedora tem preferido por não deixar a televisão ligada frequentemente nos jornais que cobrem a doença, mas assistir a um filme ou ver as redes sociais da família. Para ela, é uma forma de acompanhar a vida que continua a acontecer fora de sua casa.

Já Dvorah optou por um acesso mais restrito e focar em outras questões da sua rotina. “Causa muito estresse, informação, muita gente mandando mensagem. Já saí de grupos, coloquei os de família no mudo, não abro todos os vídeos. Não respondo, não compartilho. Nós, religiosos, temos o resguardo de algumas informações, de muita tragédia. O nosso foco é ter boas notícias para que possamos viver em harmonia na torá, a bíblia judaica. O rabino deu instrução clara: fecharam-se todas as sinagogas no mundo, porque o que prevalece é a vida. A rede social, às vezes, distrai um pouco na hora que você está passando ali, vê algumas notícias, o que cada um está falando. Mas eu me dei a opção não ficar atuante.”

O uso da internet também é um alerta da psicóloga Rosângele para que a saúde mental da mulher puerpéria seja mantida. “É preciso cuidar dos excessos de notificações do mundo virtual. Você pode encontrar as coisas mais bárbaras, que podem fazer mal para essa mulher”.

Só que, ao mesmo tempo, a especialista lembra que as redes sociais também podem ajudar a fazer com que essa mãe tenha contato com a rede de apoio que não pôde estar presente pessoalmente. Portanto, o conselho final é: “Permaneça conectada, mas saiba filtrar”.

(Juliana Pereira/Bebê.com.br)
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