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Mães de UTI: uma corrente do bem

O apoio entre as mães que tem filhos na UTI neonatal contribui para a recuperação dos bebês.

Por Fabiana Deziderio (colaboradora)
Atualizado em 4 nov 2016, 14h16 - Publicado em 21 mar 2015, 13h00

O caminho natural é que a mamãe, após dar a luz, receba seu pequeno nos braços e comece, a partir deste instante, a jornada da “maternização”, ou seja, da transformação da mulher em mãe. Porém, no Brasil, segundo estudos da Fiocruz, 10% das gestantes recebem o bebê antes da data esperada e isso tem um impacto profundo na vida dos pais.

O recém-nascido, que naturalmente seria cuidado pela nova família, passa a ser tratado por uma equipe multidisciplinar, dentro de um ambiente impessoal e que muitas vezes apresenta ares de hostilidade. “Não há dúvidas de que ser mãe de um bebê prematuro é muito traumático, demandando dos pais uma força emocional e psíquica extraordinária”, explica Valeria Pinhatari, psicóloga clínica com aprimoramento em saúde da mulher e do recém-nascido.

Para Priscila Agapito, 38 anos, mãe do Daniel de 6, nascido com 28 semanas, as lembranças não são as mais agradáveis. Priscila relata que os apitos dos monitores sempre foram causa de muito estresse. “Qualquer barulho a mais significava risco” e desabafa: “Costumo dizer que a gente sai da UTI, mas a UTI não sai de nós”.

Porém, algo muito especial acontece dentro desta experiência. Mães e pais costumam unir-se numa situação extremamente delicada para criar um elo de amizade e de apoio. Mas como isto funciona? Que elementos colaboram para esta união?

A corrente do bem

“A aproximação das famílias na UTI Neonatal acontece de forma natural e rápida. Quando menos se espera, já estão conversando, trocando informações sobre o parto, o nascimento e o estado geral do bebê”, conta Monica Portella Gazmenga, enfermeira neonatal, consultora materno-infantil e presidente da Associação Portella.

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Priscila, mãe de Daniel, endossa a visão da enfermeira quando diz que as amizades feitas, nos 59 dias vividos na UTI, fazem parte do pacote de boas lembranças.

“Sentimentos de identificação são extremamente poderosos, pois nivelam angústias podendo transformar solidão em solidariedade. Assim, abrem espaço interior para o cultivo de pensamentos e ações mais otimistas que incentivam a aceitação do momento e do bebê real”, explica a psicóloga, que presenciou, em diversos momentos, a força dessa corrente do bem.

O reflexo da amizade na melhora dos bebês

A amizade feita entre as mães também reflete na evolução dos bebês. Monica conta que a redução do estresse dos pais tem impacto direto sobre os pequeninos, que são bastante sensíveis ao ambiente que os cerca. E não pense que o reflexo da união entre as mães fique apenas nessa instância, ela abrange também a equipe que cuida dos recém-nascidos. “Para a equipe que atua na UTI Neonatal a serenidade dos pais é um ponto de muita importância, auxiliando na manutenção do equilíbrio dos profissionais, permitindo que os desdobramentos da rotina hospitalar ocorram de forma serena e natural.” completa a enfermeira.

A pracinha das mães de UTI

É comum que a cada três horas as mamães se encontrem num ambiente específico, o lactário, para estimular a produção e extrair o leite materno. “Lá falávamos de tudo. Era o momento que podíamos rever as mães das outras unidades da UTI e de certa forma era bom por este lado”, conta-nos Priscila. Para Monica, a amizade das mães no lactário é bastante benéfica no processo do aleitamento: “As salas destinadas para este procedimento, além do apoio profissional, permitem que as mães permaneçam juntas, o que facilita a troca de informações sobre o volume retirado para as mamadas, como cada uma se adéqua aos horários e forma de extração, gerando segurança e estímulo para a manutenção da lactação, essencial para o tratamento do bebê”.

A amizade que vai além da ala hospitalar

“Nós ficávamos a maioria do tempo ao lado de nossos bebês. Havia apenas uma  desconfortável cadeira de madeira para isso. Então, fazíamos uma amizade muito forte entre as mãezinhas da mesma UTI. A alegria de uma era a alegria da outra, a tristeza de uma, idem. Só tínhamos uma à outra para se apoiar. A família só podia visitar por uma hora o bebê e os pais, normalmente, voltavam ao trabalho, então, nos apegávamos além da conta”, afirma Priscila que ri, ao explicar que novembro – mês de nascimento do Daniel – é o momento do reencontro. A maioria dos filhos das amigas de UTI nasceram no mesmo mês e a agenda de festinhas de aniversário é lotada. Valeria reforça que amizade é uma forma de amor, de associação e de reciprocidade e pode ser praticada nos momentos mais desafiadores da vida. “Como nos lembra Aristóteles: ‘Sem amigos ninguém escolheria viver, apesar de todos os outros bens'”.

Celebrando seis anos de amizade!

Elas passaram pela experiência de parir um bebê prematuro e se uniram para enfrentar o processo que envolve a UTI Neonatal. Hoje, comemoram seis anos de uma amizade que foi traçada na maternidade. Priscila Agapito, mãe com 28 semanas, Julie Ivy Alvaro, mãe com 29 semanas, Isabella Tiano, mãe com 25 semanas, Andrea Zimmermann, mãe com 28 semanas, Vanessa Bueno, mãe com 27 semanas e Flavia Belmonte, mãe com 25 semanas, comemoram, e muito, a vida dos pequenos. E para mostrar que tudo vale a pena, elas enviaram fotos emocionantes do “antes e depois” dos adoráveis pequeninos.

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