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Pesquisa inédita avalia a qualidade nutricional do lanche das crianças brasileiras

O levantamento inclui pequenos de todas as regiões do país e demonstra que, para reduzir os altos índices de obesidade, é preciso mudar muitos hábitos alimentares - até mesmo nas pequenas refeições.

Por Luiza Monteiro
Atualizado em 27 out 2016, 21h48 - Publicado em 24 nov 2015, 18h16

A realidade é preocupante: mais de 30% dos meninos e meninas brasileiros menores de 5 anos de idade estão obesos, com sobrepeso ou em situação de risco para ultrapassar o seu peso ideal, de acordo com dados de 2014 do Sistema de Vigilância Alimentar Nutricional (Sisvan). Não é para menos. Nas últimas décadas, os hábitos alimentares da criançada têm mudado bastante por aqui – e para pior. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 60,8% dos pequenos menores de 2 anos comem biscoitos e bolos com frequência; quando se trata de refrigerantes e sucos artificiais, 32% das crianças dessa faixa etária consomem essas bebidas no dia a dia. Some a isso a falta de atividade física e está explicado, pelo menos em parte, por que os nossos cidadãos mirins andam tão gordinhos. 

Um dos passos mais importantes para mudar esse cenário é promover uma alimentação saudável e equilibrada desde cedo. E não pense que, para tanto, basta acrescentar frutas, verduras e legumes ao prato da meninada – é preciso, entre outras coisas, comer em uma frequência adequada. Isso significa que, além do café da manhã, do almoço e do jantar, é aconselhável também que os baixinhos façam pequenos lanches entre as refeições. A orientação vem da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que indica que a criança coma um alimento fonte de carboidrato, uma fruta, uma proteína e uma bebida nesses intervalos.

Mas será que a garotada segue essas recomendações? Para responder a essa e a outras perguntas, o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, coordenador do Centro de Dificuldades Alimentares do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, conduziu um estudo junto a outros cientistas brasileiros, em parceria com a Danone. Ele conta que a decisão de investigar os lanches veio exatamente da necessidade de definir no que consistem essas pequenas refeições. “A gente partiu de uma análise clara de que lanche é planejamento, enquanto belisco é fruto do acaso”, crava Fisberg. Nesta terça-feira (23), seu time apresentou os achados da pesquisa em um evento promovido pela revista SAÚDE É Vital, da Editora Abril, na capital paulista. 

O trabalho – divulgado na última edição de 2015 do International Journal of Nutrology, publicação científica da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) – envolveu 1.391 garotos e garotas de todas as regiões do país, com idades entre 4 e 6 anos. Para coletar os dados, foram enviados questionários às casas dos participantes, que foram preenchidos pelos pais. Eles informaram, por exemplo, em que momento do dia os alimentos eram consumidos, a quantidade e o local. O resultado desse levantamento foi um retrato detalhado dos hábitos alimentares dos brasileirinhos em relação aos lanches da manhã e da tarde e de como essas pequenas refeições contribuem para a sua saúde em termos nutricionais. 

Resultados

A pesquisa mostra que 71,17% das crianças fazem o lanche da manhã (entre o café e o almoço), que, em geral, conta com três alimentos. Nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul, os itens favoritos nessa refeição são banana, biscoito doce sem recheio e iogurte com polpa de frutas. No Centro-Oeste, o mamão foi apontado como a fruta que os pequenos mais costumam ingerir nesse horário.

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Em relação ao lanche da tarde, a pesquisa revela que 96,69% da garotada têm o hábito de comer entre o almoço e o jantar. Em todas as regiões, o biscoito doce com recheio está presente nessa refeição. Mas não só: no Norte, no Nordeste e no Sul, banana e iogurte com polpa de frutas acompanham a guloseima; no Sudeste, a bolacha foi consumida com frutas cítricas em gomos e leite achocolatado feito em casa; e no Centro-Oeste, banana e suco de frutas industrializado foram os eleitos.

A partir dessas informaçoes, Fisberg e seu time avaliaram a qualidade nutricional do lanche da meninada. Acompanhe os dados abaixo.

Energia

De modo geral, o valor energético dos lanchinhos atende as recomendações da SBP. A entidade orienta que uma criança de 4 a 6 anos deve ingerir, por dia, 1 800 calorias. O ideal, portanto, é que cada lanche (manhã e tarde) forneça de 180 a 270 calorias. No levantamento, o consumo médio de energia variou de 190 a 250 calorias.

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Carboidrato

Ele é fundamental para que os pequenos tenham pique de correr, brincar e estudar. Por isso, deve representar de 45 a 60% do total de calorias diárias. Segundo os autores do estudo, o desejável é que cada lanche ofereça 10% dessa quantidade, o que significa de 20,3 a 27 gramas de carboidrato. Na pesquisa, em todas as regiões as crianças extrapolaram esses valores, exceto no Centro-Oeste. Os autores ponderam, no entanto, que para saber o real impacto desse achado seria preciso avaliar também o tipo de carboidrato consumido e a participação desse nutriente nas outras refeições.

Açúcar de adição

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece que apenas 5% das calorias totais sejam provenientes do açúcar de adição – aquele presente em itens industrializados e nos sachês usados para adoçar sucos e achocolatados. Essa porcentagem equivale a 22,5 gramas por dia. De acordo o levantamento liderado por Fisberg, a soma do açúcar presente nos lanches da manhã e da tarde das crianças brasileiras chega bem perto do valor estipulado pela OMS. Considerando as outras refeições, é provável que o limite diário recomendado seja ultrapassado. Vale ressaltar que, no Centro-Oeste, a quantidade de açúcar no lanche da tarde chega a 21,4 gramas, praticamente a dose do dia inteiro . “Coincidentemente, nessa região observamos um consumo bastante frequente de sucos industrializados no período vespertino – e essas bebidas costumam ser carregadas de açúcar”, observam os autores. 

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Fibras

Elas são essenciais para a boa saúde: ajudam o intestino a funcionar, protegem o coração e dão sensação de saciedade, evitando a famosa gula. A ingestão diária ideal dessas substâncias para crianças de 4 a 6 anos varia de 9 a 11 gramas. E, com os lanches intermediários, os pequenos brasileiros atingem cerca de 20% desse valor. “O resultado tem a ver, provavelmente, com o fato de que o grupo das frutas, famoso por esbanjar fibras, apareceu na grande maioria das composições de lanches estudadas”, analisam os pesquisadores.

Proteína

Ela é responsável pela formação e reparação dos tecidos do corpo – daí porque é essencial na infância. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que o consumo de proteínas seja de 19 gramas por dia. Na pesquisa, em cada lanche, a ingesta proteica dos brasileirinhos foi de 5 gramas – menos no Centro-Oeste, onde esse valor girou em torno de 3 gramas. Os autores acreditam que isso se deve ao fato de os pequenos que vivem nessa região comerem menos produtos lácteos, como mostra a pesquisa. E os derivados do leite são importantes fontes desse nutriente. 

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Gorduras

A análise feita pelos cientistas brasileiros demonstra que as regiões Norte e Nordeste apresentam as maiores taxas de ingestão de gordura total na hora do lanche da manhã e no da tarde. No entanto, quem come com mais frequência biscoitos recheados – que estão cheios de gordura saturada, a pior para o risco de obesidade – são os pequenos do Centro-Oeste. Os cientistas acreditam que os índices de gordura total não foram maiores nessa área porque a porção ingerida não chegou a ser exagerada. “Isso reforça a ideia de que não é preciso proibir certos tipos de alimentos – o crucial mesmo está em saboreá-los com moderação”, concluem os cientistas.

Cálcio

Os lanchinhos são ótimas oportunidades para fornecer boas doses desse mineral, que é indispensável aos ossos e ao crescimento da garotada. “Isso porque as fontes de primeiríssima qualidade são queijos, iogurte e leite, ou seja, alimentos que combinam perfeitamente com as pequenas refeições”, destacam os estudiosos. A recomendação da Anvisa é que a ingestão diária seja de 600 miligramas. E as nossas crianças estão consumindo, em média, 120 miligramas de cálcio no lanche da manhã e 125 miligramas no da tarde. Para os autores, seria preciso aumentar o aporte do nutriente em outras refeições para atingir as metas – outro grande desafio.

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Sódio

Em excesso, esse mineral patrocina males como a hipertensão arterial. E acredite: pressão alta não é problema só de gente grande, os pequenos também podem desenvolver o problema. Daí a necessidade de maneirar em itens como bolachas, sanduíches e salgadinhos, que estão abarrotados da substância. Segundo a pesquisa, somando os lanches da tarde e da manhã, o consumo de sódio das crianças brasileiras chega a quase 40% do valor indicado para o dia inteiro, que é de 1200 miligramas. 

Soluções

Quando se trata dos lanches, a saída para melhorar a alimentação da meninada é planejar. “Eles têm que ser tão planificados quanto o almoço, o café da manhã ou o jantar”, indica Mauro Fisberg. Ao fazer isso, os pais estão garantindo que, assim como em outras refeições, os seus filhos recebam uma boa variedade de vitaminas, minerais e outros nutrientes fundamentais para o crescimento. “O lanche é uma terra de oportunidades. Ele permite a entrada de alimentos lácteos, que oferecerem uma proteína de boa qualidade; de frutas, que são excelentes fontes de fibras…”, exemplifica o pediatra. E saiba que o hábito de comer nesses intervalos deve ser incentivado desde a fase da introdução dos sólidos, aos 6 meses de vida. “A partir do momento que o bebê passa a ter um horário de almoço e um de jantar, o leite materno se torna o lanche”, diz Fisberg. E tem lanchinho mais saudável do que esse? 

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