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Mesmo exaustos, pais desejam continuar o home office após a volta às aulas

A dupla jornada na quarentena, ainda que trabalhosa, reaproximou pais e filhos e fez a maioria das famílias repensarem suas rotinas.

Por Fernanda Tsuji
Atualizado em 25 jul 2020, 16h00 - Publicado em 25 jul 2020, 16h00

Quando sento para escrever esta matéria, minha filha pergunta se pode desenhar ao meu lado. Ela interrompe meu fluxo de pensamento do texto com muitas perguntas, eu respondo, gargalhamos e lá se foi minha concentração. Ela, no entanto, me beija, e eu percebo que estou em casa. Exausta, tentando entregar uma matéria no prazo, enquanto a máquina de lavar bate a roupa, mas aqui, vendo ela desenhar num horário em que, na nossa antiga rotina, estaríamos separadas. Ela na escola, eu no trabalho. 

Agora, mesmo cansada, me parece um privilégio poder acompanhar as aulas online, fazer as refeições juntas, ver mais de perto esta primeira infância, tão valiosa. Nos ganhos e perdas da quarentena, foi possível redescobrir uma conexão que a gente nem sabia que tinha sido perdida com os filhos, com o lar… com nós mesmos. 

A minha casa é só mais uma das muitas em que as famílias estão repensando o modo como a rotina era estruturada. Em um levantamento feito pela consultoria Filhos no Currículo, em parceria com o Movimento Mulher 360, 825 pais e mães revelaram como estão sendo suas experiências no home office durante a pandemia do Covid-19.

Sim, como já era de se esperar, o cansaço e a preocupação com a saúde mental aparecem na pesquisa. Ninguém está aqui romantizando as dificuldades da jornada dupla em casa. Mas desponta também um dado interessante: a maioria dos profissionais quer o ampliação do home office após a volta às aulas. Curioso, não? 

“Estamos percebendo que esse tempo mais perto dos filhos está surtindo efeito. E é um caminho sem volta quando você nota o impacto positivo no desenvolvimento da criança”, explica Michelle Levy Terni, CEO e cofundadora da Filhos no Currículo. “Fica impossível voltar ao modelo como era antes, muito mais desconectado. As empresas que quiserem engajar os seus talentos vão ter que rever e trazer esse tema para pauta”, aponta. 

O ANTES: Os limites eram mais claros

Mas para entender todo o cenário, vamos voltar para antes da pandemia. Cerca de 57% dos entrevistados declarou que levava mais de 30 minutos de deslocamento de casa para o trabalho. Destes, um em cada três não fazia home office. Agora, idealizando um cenário pós-pandemia, 60% de todos os consultados declaram que gostariam de continuar a trabalhar remotamente. 

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O número é ainda maior (74%) entre os que levavam mais de 1 hora no percurso casa-trabalho. Faz sentido, afinal, a “viagem” também limitava o tempo de convívio com os filhos. Tremo só de lembrar das 14 estações de metrô + van + uber que me separava da minha filha. 

Hoje, quase quatro meses depois, a maioria dos entrevistados desta pesquisa (89%) não precisa mais enfrentar o trânsito e o transporte público, já que está trabalhando remotamente. Alívio por um lado, mas perrengue por outro.

Vamos colocar tudo no papel, porque a equação é complexa: 56% dos pais sentem dificuldade de dar atenção necessária aos filhos no home office, sendo que do total, 47% também relata que sua performance piorou no período da quarentena. Mais da metade dos entrevistados revelou ainda estar difícil cuidar de si.

Estes mais de 100 dias em casa mexeram tão fortemente com a rotina das famílias que foi preciso muito jogo de cintura, combinados e remanejamentos para conciliar todas as áreas da vida que agora se confundem num mesmo lugar físico.

Antes era possível deixar as crianças na escola e seguir pro trabalho. Os limites onde começava a labuta e cessava a vida doméstica pareciam mais claros e mais fáceis de serem estabelecidos. Atualmente, tudo se mistura: o apito do microondas toca no meio da reunião e os filhos aparecem para dar “oi” pros nossos colegas de trabalho, sem cerimônias.

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O AJUSTE: Misto de alegria e cansaço

Esta, inclusive, é uma das maiores dificuldades apontadas por 54% dos pais, principalmente das crianças menores de 3 anos. “Não é que a vida pessoal e profissional fossem apartadas, o que existia eram paredes físicas separando estes dois mundos, que agora estão misturados dentro de casa, com a nossa sala virando espaço de trabalho, de refeição, de entretenimento… Ficou impossível não ver todos os nossos papéis de uma maneira integrada”, explica Michelle.

“A gente vê os nossos filhos e o dos colegas aparecendo na vídeo conferência e começa a despertar um olhar mais empático, trazendo a necessidade de conversar sobre como tornar essa convivência com profissionais que têm filhos melhor. As empresas vão precisar criar programas e dar ferramentas para que estes pais possam continuar mais presentes”, diz a CEO, que criou na Filhos no Currículo, junto com um grupo de empresas, um movimento chamado #tátudobem. “A ideia é que os líderes digam para suas equipes que ‘tá tudo bem’ um filho ‘invadindo’ um call, por exemplo. Com boa vontade, empatia e planejamento, a gente vai trabalhar para que isso seja resolvido da melhor maneira possível”. 

“Acho que estamos conseguindo ser mais transparentes e completos dos dois lados, porque levamos os temas pessoais pra conversar com os colegas de trabalho, enquanto a família, nos vendo ali, consegue entender o nosso trabalho também”, acredita Juliana Grizzi, líder da área de Supply Chain da Cargill, e mãe de dois meninos de 3 e 5 anos.

 

O AGORA: Flexibilizar é a palavra-chave

São 21h da noite de um dia com muitas interrupções e ainda estou aqui escrevendo. Do escritório, escuto minha filha vendo TV, de banho tomado, lição feita e devorando as uvas de sobremesa. Nem sempre é equilibrado assim. Tem dias em que tudo dá errado e a angústia de tentar conciliar trabalho e maternidade consome.

Mas veja bem, são mais de 100 dias nesta “nova rotina”, e a gente também aprendeu uns truques neste tempo, não é mesmo? E o primeiro é: flexibilizar. O expediente não tem mais hora fixa. É possível parar pra brincar no meio da tarde sem prejudicar nenhuma entrega.

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“Comecei a quarentena achando que ia colocar ordem pras coisas acontecerem em casa e no trabalho. Mas fui percebendo que não cabiam horários tão rígidos. Existiam momentos mais críticos, em que eu precisaria estar 100% presente numa reunião, por exemplo, mas em outros, eu poderia me dividir entre duas ou três coisas ao mesmo tempo”, conta Juliana. “Entendi que o que importa são as entregas que precisam ser feitas e não necessariamente cumprir as 8 horas certinhas de trabalho”. A engenheira, aliás, no meio da pandemia, foi reconhecida dentro da sua empresa por bater metas ousadas junto com sua equipe.

Não pense, no entanto, que foi simples para Juliana conseguir chegar nessa equação mais equilibrada. “Tiveram dias em que tudo deu errado, enquanto em outros, vinha uma energia e uma satisfação depois de um dia exaustivo. Lembro que o ápice do meu cansaço foi depois de 84 dias sem ajuda nenhuma, só eu e meu marido compartilhando as responsabilidades. Eu estava indo dormir duas da manhã, depois de cuidar de tudo, e teria que acordar às seis. Nesta hora, falei pra mim ‘basta, não posso mais, não consigo ser essa heroína'”, diz ela, que conversou com o marido e decidiu pedir ajuda da mãe, que mora no interior.

Pois é, outra lição que a quarentena trouxe foi que é impossível dar conta de tudo. A angústia de buscar equilíbrio neste momento também é uma pressão. “Alguns pratinhos vão acabar caindo. Temos que reconhecer do que podemos abrir mão e também o que é ‘inegociável’. É hora de se cobrar um pouco menos e entender que a gente não tá só de home office: a gente está VIVENDO no meio de uma pandemia, com os filhos em casa, sem rede de apoio, tentando trabalhar. É importante essa autocompaixão”, pontua Michelle, que continua: “Não existe fórmula, não é todo mundo que vai fazer uma meditação e conseguir ter esse momento de autocuidado. É preciso olhar para si e entender o que te acalma”. 

 

A FALTA: Saudades, rede de apoio!

Antes da pandemia, 85% dos pais e mães tinha algum tipo de ajuda. Com escolas fechadas e cuidadores em isolamento social, outro dado que a pesquisa trouxe é que ficou ainda mais patente como a quarentena impactou homens e mulheres de forma diferente. Enquanto 50% deles acham “fácil” conciliar filhos e carreira, somente 33% das mães pensam assim.

“Este dado revela uma questão estrutural, histórica, de diferença de sobrepeso de papeis. Com a pandemia, ficou um pouco mais escancarado o acúmulo de funções das mulheres, mas eu vejo como uma grande oportunidade da gente reequilibrar essa divisão. Acredito que agora, pela falta de rede de apoio, essas conversas são inevitáveis”, diz a CEO da Filhos no Currículo.

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Ela ressalta também que cabe às organizações repensarem suas políticas com mais isonomia. “As empresas oferecem mais benefícios para as mulheres, o que contribui na percepção [equivocada] de que filhos são responsabilidade da mãe. Com medidas mais afirmativas, a empresa consegue transmitir a mensagem de que filho é cuidado da família, contribuindo na desconstrução desse viés”. 

O FUTURO: A vida que queremos

O contraponto (sempre existe um!) a este cansaço recorrente é que sem escola, sem rede de apoio, 88% dos entrevistados contaram que os vínculos com os filhos neste período ficaram mais fortes. Alivia-se também neste processo, a culpa materna e paterna de deixar os pequenos sob cuidados terceirizados.

Passamos a acompanhar cada passo: desde o ritmo de aprendizado da criança nas aulas à distância, os horários de comer, dormir, os tempos de tela… A quarentena foi um tempo de rever e repensar a vida. Foi preciso estar presente, atento, inteiro.

E dentro da complexidade de sentimentos, acabamos desenvolvendo habilidades como paciência, priorização e empatia, que também são apontados como boas características que podemos levar para o ambiente de trabalho.

Agora parece mais factível que 59,38% dos entrevistados desejam aumentar sua jornada de trabalho remoto na pós-pandemia, não parece? Se antes poderia ser assustador conciliar carreira e filhos em casa, agora que testamos, parece bem possível – e desejável manter essa proximidade maior.

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Na pesquisa, os entrevistados disseram que, em um cenário “normal” com crianças indo parte do dia para a escola, a produtividade em home office poderia ser ainda melhor.

“A pandemia acabou convidando as pessoas a refletirem as suas prioridades. O que agora faz mais sentido? Passamos por fases, nossa vida é cíclica e para cada momento existe um equilíbrio diferente. Isso tem sido uma herança muito positiva de tudo que estamos vivendo”, conclui Michelli. 

Mais uma lição aprendida nesta quarentena? Recomeçar. Existem muitas formas de construir uma rotina nova, menos estressante, mais confortável e conectada. Aprender pelo caminho apesar das dificuldades, também é uma forma de ensinar aos filhos sobre resiliência. Virão dias bons, dias ruins, mas podendo contar com sorrisinhos e abraços ao longo do dia fica mais fácil, não é?

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