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Mãe solo faz experimento no Tinder e recebe mensagens machistas

O depoimento a seguir relata a experiência de Fernanda Teixeira no aplicativo e os retornos que ela teve de possíveis parceiros.

Por Laís Barros Martins
Atualizado em 17 Maio 2017, 04h30 - Publicado em 16 Maio 2017, 23h26

Se não bastassem as dificuldades que as mães solo enfrentam ao cuidar de seus filhos sozinhas, elas ainda recebem todo tipo de julgamento no dia a dia. E quando querem retomar suas vidas amorosas – como qualquer outra pessoa que saiu de uma relação e deseja seguir em frente -, elas não se deparam ~ apenas ~ com comentários ou palpites maldosos, mas se veem frente a frente com o machismo. Prova disso é o “experimento social” que uma mãe decidiu fazer no aplicativo de relacionamentos Tinder. Divorciada, Fernanda Teixeira, de 27 anos, resolveu atualizar o seu perfil e, entre as informações, não deixou de incluir um aspecto importante de sua vida: o de que é mãe!

O anúncio trazia a foto mais bonita dela, com a seguinte descrição:

  • Fernanda, 27 anos
  • Mãe
  • Professora
  • Militante
  • Feminista
  • Amor à culinária, literatura e aos amigos
  • Ódio ao capital e aos de coração raso

A ideia era justamente ver como os homens reagiriam. E após trocar mensagens com 83 heterossexuais, com idade entre 24 e 34 anos, possivelmente interessados em conhecê-la melhor, Fernanda comprovou o que já suspeitava: que as mulheres precisam esconder a maternidade quando buscam se envolver novamente com alguém. Isso porque os homens não só acabam fugindo quando descobrem que elas têm um filho, como ainda julgam seu caráter por serem mães solo e por utilizarem um aplicativo de paquera como o Tinder.

Os comentários recebidos por Fernanda chegaram a ser extremamente agressivos. E ela relatou tudo isso numa postagem realizada no Facebook no último sábado, 13. Abaixo, listamos apenas alguns dos diálogos que Fernanda teve durante a semana que fez essa experiência:

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*Raul – 27 anos:
– Oi gata
– Oi. tudo bem?
– Melhor agora.
– >< – Que bom que você avisa que tem filho.
– É? Por que?
Assim facilita e a gente não tem surpresa.
– Como assim?
– ah gata, não se apaixona nem se desiludi
– como assim?
– vc é mãe, já sei q n rola nd sério

*Lucas – 28 anos:
– então o seu filho está onde agora?
– Em casa, comigo. por que?
– Nossa. Você é bem feminazi esquerdista mesmo.
– Coitada da criança com uma mãe puta dessas que fica procurando macho.

*Lucas – 24 anos:
– Sou mais novo que vc
– Sim. 3 anos. Isso é um problema grande?
-n, n. é q vc é mãe, e eu procuro uma namorada
-E?…
-E que daí n dá, né

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*Ivan – 34 anos
-Divorciada?
-Oi. Tudo bem contigo? Sim, sou separada. Por que?
-É que mulher com filho a gente pergunta né
– Por que?
– Se n casou é que n vale muito

*Elton – 29 anos
-… eu concordo com esses caras na verdade
– tu concorda com os absurdos que disse que já ouvi por ser mãe?
– ué, vc ficou solteira pq quis e parece esperta
– e???
– e que todo mundo sabe q ngm leva a sério mulher com filho
– Por que?
– pq se ja teve filho e ta solteira boa coisa n é

*Markus – 25 anos:
– vc tem com quem deixar a criança? n sou chegado, mas achei vc gata.
– oi? tu n é chegado em que?
– Filho dos outros kkk
– Tu tem a foto com uma criança!!!!
– É meu afilhado.
– Pra chamar mulher?
Siiim. da certo. Com vcs tbm?

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*Marcos – 27 anos:
– …
– Mas priorizei outras coisas na minha vida
– Como assim? temos a mesma idade e tu tbm é pai
– sou pq minha ex quis. acho q ela e vc n são iguais
– Como assim?
– Vim morar no sul pra fugir dela
– E do teu filho?
tbm. ela engravidou de gosto
– hmmm. Quantos anos vcs tinham?
– Ela 17 e eu 26
– Tu recém foi pai então?
– ahan
– meu, tu é quase 10 anos mais velho que ela. Acho q ela n queria engravidar e ter um filho sozinha em SP
– mas ela n se cuidou. n tenho muito a ver com isso

As mensagens acima expõem todo o machismo de uma sociedade que diminui as mulheres e enxerga as “mães solteiras” com maus olhos, como se elas não tivessem o direito de recomeçar, de ter novos relacionamentos após a chegada de uma criança. Isso não acontece com os pais! O comentário de Markus, por exemplo, mostra como é positiva a imagem do homem que, no mesmo aplicativo de paquera, mantém em seu perfil uma foto com o filho (no caso, apenas de um afilhado). E é aí que vemos como a liberdade sexual feminina ainda é ameaçada e como a igualdade de gêneros está longe de ser uma realidade.

“Ser mãe não é amar incondicionalmente e abrir mão da vida social/sexual/amorosa; nem desfazer planos, nem se privar da carreira, nem se privar de todos os sonhos e planos traçados. Isso é ser submissa à alguém. Ser mãe é ser responsável pela vida de um terceiro, eternamente ligado a ti. Nutrir o crescimento desse ser da melhor maneira que conseguires e se esforçar muito pra que tudo dê certo pra ele, em primeiro lugar”, escreveu Fernanda em seu perfil no Facebook, que chegou a ser desativado após a repercussão do post.

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Ela também chegou a contar que suas relações posteriores à separação tiveram um traço forte em comum: todos os homens a esconderam de suas vidas sociais pelo fato dela ter um filho. “O primeiro homem que me assumiu socialmente, no entanto, era mais um dos abusadores emocionais que estão por aí. E eu caí, como uma presa, em mais um relacionamento abusivo porque estava recebendo atenção”, revelou.

Hoje sigo no limbo social e emocional que nos colocam, fingindo que sou forte e que está tudo bem. Não está. Esses diálogos nojentos aí em cima provam que nada está bem. O meu estado ‘civil’ no momento não importa pra ninguém […]; [o que importa é o] meu estado emocional e o estado emocional de todas as mães que escondem sua maternidade no primeiro momento para evitar fetichização e conseguir atenção afetiva”, comentou.

“Ser mulher não é fácil.
Ser mulher e mãe, menos ainda.
Ser mulher, mãe e reivindicar uma vida social fora dos padrões patriarcais é enlouquecedor.
Na luta da mulher mãe, a resposta é essa mesmo: não há ninguém perto de você, só seu filho”.

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Veja o post de Fernanda na íntegra, republicado na página da ONG Artemis.

 

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