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Bonecas LOL, as febres de brinquedos e o consumismo na infância

As “necessidades” são cíclicas e deixam muitos pais de cabelos em pé; saiba como atuar agora para beneficiar seus filhos inclusive no futuro

Por Raquel Drehmer
Atualizado em 22 fev 2018, 14h54 - Publicado em 21 fev 2018, 21h29

Uma boneca LOL aqui, outra ali e, quando a engenheira Sílvia Brito abriu a fatura do cartão de crédito, um susto: R$ 1200 gastos nestes brinquedos. “Minha filha tem 5 anos, foi pedindo aos poucos e não percebi quanto estava indo naquelas coisinhas minúsculas. É praticamente o salário da nossa funcionária de casa! Me senti muito mal, muito sem controle”, desabafa.

Sílvia não está sozinha. Os valores variam, mas centenas – talvez milhares – de mães e pais se veem na mesma situação de perplexidade e falta de pulso quando as crianças embarcam em febres de brinquedos.

Propaganda infantil por todos os lados

“É bem difícil, porque as crianças são bombardeadas por propaganda. Antes, havia uma divisão um pouco mais clara entre a atração e o anúncio. Hoje, muitas vezes o programa na internet é a própria propaganda, com youtubers exibindo brinquedos, sem explicar que ganharam dinheiro, e às vezes muito dinheiro, para mostrá-los ali”, analisa a psicóloga Gabriela Malzyner.

Ela refere-se tanto aos publis – vídeos em que influenciadores digitais são pagos para recomendar produtos – quanto aos unwraps – que consistem em apenas desembrulhar um brinquedo e mostrar o que tem dentro (e despertar em quem está vendo a vontade de ter aquilo também).

Na visão de Gabriela e também de Priscila Gatti, psicóloga e voluntária do Instituto Horas de Vida, o consumismo infantil incentivado por esse tipo de ação não é novidade e dificilmente a febre das bonecas LOL será a última desse tipo. “As bonecas chamam mais a atenção por causa da relação tamanho x preço, mas o tempo todo existem criações de novas ‘necessidades’ de consumo”, observa Priscila.

Primeiro passo: conversar com as crianças sobre consumismo

As especialistas acham interessante limitar o acesso das crianças a propagandas disfarçadas de conteúdo e colocar um freio nos pedidos por brinquedos, assim como conversar com elas sobre as razões disso.

Tudo começa com o sentar e assistir junto. “Nessa hora, é legal comentar. A criança do vídeo só abre o presente e não brinca, o que já é um gancho para mostrar para o filho ou para a filha que o modo como os brinquedos são aproveitados em casa é muito mais legal, ainda que não seja aquele brinquedo da moda”, orienta Priscila.

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(monkeybusinessimages/Thinkstock/Getty Images)

Mesmo que a criança seja pequena, os pais podem também esclarecer que aquilo que está sendo visto recebeu dinheiro para ser feito, que não é espontâneo e natural. “A partir de uns 3 anos de idade, elas têm bastante clareza de compreensão”, garante Gabriela.

A psicóloga defende que isso é o início de um trabalho que terá repercussão por muitos anos: “É importante começar já na infância a abrir os olhos para a construção do desejo por meio da publicidade, para auxiliar na formação do senso crítico. Essa criança terá mais chances de ser um sujeito autônomo e menos riscos de ser um adolescente suscetível a influências publicitárias e imposições de padrões.”

Mas afinal: dar ou não dar os brinquedos dessas febres?

De forma bem direta: pode dar, sim. Mas sem tornar isso uma obsessão ou uma rotina.

Os pais precisam entender que as crianças não têm noção de valores, então o limite de gasto fica por conta deles. “O limite é bom e organizador”, diz Gabriela. “Não é uma questão de privação ou de tentar impedir que a criança queira algo. O desejo é livre. Seu filho pode querer ter tudo, mas não pode efetivamente ter tudo. Ele ganhará as coisas na medida do possível.” Ou seja, pode dizer NÃO de vez em quando sem medo. É para o bem de todos.

Uma maneira prática de fazer os pequenos entenderem que não precisam ter todos os milhões de variações de brinquedos da moda é inserir o modelo que ganhou no universo de brinquedos que já possui. Priscila explica: “A LOL pode estar na mesma brincadeira que a Barbie e a Polly, por exemplo. Elas não precisam ser isoladas. Isso vai influenciar na visão que a criança tem dos brinquedos e até na noção de diversidade. Todos podem e devem se misturar.”

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Diante de frustração e birra, segure a onda e seja firme

Tudo muito lindo, só que na vida real bicos, choros e birras em geral são bem comuns no momento da frustração de não ganhar AQUELE brinquedo (repetido) que a criança tanto acha que precisa ter. Esta é a hora de ser firme, no propósito de educar – que é uma das mais nobres funções dos pais, afinal de contas.

“Além disso, a frustração é importante para todos nós, em todas as fases da vida. Faz parte do amadurecimento”, ameniza Priscila.

Gabriela sugere que os pais negociem com os filhos, especialmente quando se tratar de modinhas – esta é uma forma de eles perceberem que a tal necessidade era passageira. “Postergar é sempre bom nesse sentido. Dizer que agora não dá, mas no aniversário ou em uma outra data comemorativa dá. Quando chegar lá, a febre passou e eles podem ser alertados sobre isso, para entenderem melhor.”

Com esse acompanhamento, as chances de seu filho ou sua filha ser um adulto com uma capacidade avançada de discernimento são bem grandes. “Pode ser que, quando ele for mais velho, pense o consumismo de uma forma diferente dos pais, mas terá noções de limites bem construídas”, finaliza Gabriela.

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