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Existe uma hora certa para fazer o desmame? Saiba o que levar em conta!

Organizações de saúde recomendam um período mínimo para a amamentação, mas a decisão deve levar em conta as vontades e necessidades da mulher.

Por Flávia Antunes
Atualizado em 7 Maio 2020, 17h15 - Publicado em 7 Maio 2020, 17h13

A hora mais adequada para encerrar a amamentação divide opiniões. Algumas mulheres preferem esperar até que os filhos abandonem o seio, outras decidem quando parar, por questões de rotina profissional ou por motivos pessoais, e há quem faça uma retirada gradual, ao longo do tempo.

No caso da goiana Mikaella Freitas, o desmame aconteceu como uma resposta natural à segunda gestação. A mãe de Alice, de um ano e cinco meses, está no quarto mês de gravidez de Bernardo e, ciente das demandas que envolvem cuidar de um recém-nascido, decidiu iniciar a interrupção gradual com a pequena – a começar pelo fim das mamadas noturnas.

O processo, no entanto, não correu bem como o esperado. Apesar de a filha ter se adaptado, a produção de leite começou a diminuir, até que cessou de vez. “Meu leite secou. Não saía mais. A Alice ficava nervosa, tentava mamar, e meu peito começou a doer muito, ter muita fissura, como se fosse no início da amamentação”, contou a mãe.

“Foi um choque para mim. Porque eu fiz o desmame noturno, mas não imaginava que o desmame de fato  seria daquele jeito, tão difícil e doloroso”, desabafou. Em suas redes sociais, Mikaella ainda compartilhou um relato sensível sobre o acontecimento, em formato de carta dedicada à pequena. “Hoje escrevo esse texto com o coração partido e dilacerado! Mas quero te agradecer por esses 1 ano e 5 meses que ficamos conectadas de uma forma tão linda e única, sugando todo amor que eu tenho para te oferecer. Nossa caminhada até aqui não foi fácil, mas conseguimos!”, postou. O relato sincero fez muito sucesso e viralizou. 

“Foram muitos dias sofrendo com dores, rachaduras, fissuras e sangue tentando te trazer o alimento. Mas saiba que eu enfrentaria tudo de novo por você! Me desculpa por não conseguir continuar, mas agora você terá um irmãozinho que também precisará dessa dose de amor, e eu vou dividir meu coração em dois. O leite da mamãe secou, e por isso o ‘mamá’ termina aqui”, escreveu ela.

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O período indicado para amamentar

As organizações de saúde prescrevem um intervalo mínimo de amamentação, para que tanto a mãe quanto o filho desfrutem dos benefícios deste processo, que se inicia geralmente com a introdução alimentar. “A OMS e o Ministério da Saúde orientam a amamentação até dois anos ou mais”, diz Cinthia Calsinski, enfermeira obstetra e consultora em amamentação.

“Já a Associação Americana de Pediatria orienta até pelo menos um ano, mas indica logo depois uma série de benefícios para a mulher, como a diminuição da incidência de alguns tipos de câncer – como de ovário, de útero e de mama – e menor ocorrência de artrite e diabetes, e para o bebê – que apresenta menor chance de apresentar gripes, otites, meningite, diarréia e até pneumonia”, completa.

Mas, afinal, existe uma “hora certa” para o desmame?

De acordo com Cinthia, os profissionais de saúde não possuem um consenso sobre o tempo exato de parar de amamentar. “Só a mãe e o bebê podem dizer o momento ideal do desmame – e nem sempre é fácil perceber se a hora chegou. A ideia é que essa experiência seja sempre positiva para ambas as partes”, afirma.

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A pediatra Dra. Loretta Campos concorda.”A escolha do aleitamento materno é da mulher. É o corpo dela, a doação dela… Nós explicamos os benefícios que o processo traz, mas temos que dar a liberdade para que a mãe defina o caminho que vai seguir”, aponta.

Ela acrescenta que, independentemente da fase escolhida para encerrar o ciclo, o importante é que seja pela vontade materna, considerando suas demandas e necessidades. “Até porque, se amamentar for algo extremamente desgastante e desprazeroso para a mulher, não será bom para o bebê também”.

A questão de quando iniciar o desmame também é abordada em publicação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). “Para quem acha que a amamentação supostamente ‘prolongada’ pode gerar problemas emocionais ou deixar as crianças muito dependentes, há uma informação interessante: segundo diversas teorias, o período natural de aleitamento materno para a espécie humana se situa entre 2 e 4 anos”, aponta o documento.

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“Desconhecedoras desse fato, algumas mães promovem o desmame precocemente acreditando contribuir para o processo de amadurecimento de seus filhos. Entretanto, pode ocorrer exatamente o oposto, ou seja, gerar insegurança, dificultando que as crianças se tornem indivíduos independentes”, acrescenta o artigo.

De acordo com os autores, apenas um terço das mulheres no Brasil amamentam seus filhos por dois anos ou mais – e as razões para isso vão desde dificuldades práticas relacionadas à rotina diária, até a crença de que prolongar a amamentação para além do primeiro ano de vida traria malefícios do ponto de vista psicológico para o pequeno.

Idade máxima para encerrar a amamentação: mito ou verdade?

Como afirma a SBP, outro receio das mães, por exemplo, é que a amamentação possa prejudicar processos de desenvolvimento do bebê, como o da dentição – o que nega a pediatra. “O aleitamento materno, na realidade, melhora a questão do desenvolvimento oro-facial. A arcada dentária da criança é mais desenvolvida quando ela faz este aleitamento a longo prazo”, explica ela.

Ambas as especialistas concordam que não há contra-indicação médica sobre uma idade máxima para o desmame. Porém, Loretta enfatiza a importância de reconhecer com a paciente o que motiva a continuidade deste processo. “Temos que entender que necessidade está sendo atendida com o prolongamento deste aleitamento. Temos que perceber o que está sendo suprido, se possui relação com alguma demanda da infância que viveu, por exemplo”, diz.

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A saúde mental da mãe em primeiro lugar!

Algumas mulheres têm o desejo de amamentar por bastante tempo, outras priorizam levar o processo até apenas os seis meses exclusivos, ou até um ano. Pensando nisso, a pediatra Dra. Loretta reitera: “só a mãe é capaz de analisar os desafios que enfrenta e é a única pessoa que deve decidir o momento do desmame”.

Cinthia ainda coloca em questão como ter ou não um suporte faz diferença na hora de decidir até quando amamentar. “A rede de apoio da mulher é importante não apenas no pós-parto imediato, mas durante toda essa trajetória dos primeiros dois anos de vida, porque é muito exaustivo para ela – fisicamente e emocionalmente”, afirma.

E nada de achar que “tudo bem” ser doloroso! “Caso a mulher esteja sentindo dores, comprometimentos físicos ou orgânicos, a amamentação não está fluindo e ela deve procurar ajuda. A dica de ouro é: nunca ache que vai passar. Se está desconfortável, procure ajuda imediatamente”, alerta a enfermeira.

Desmame gentil – para a mãe e para o bebê

A Sociedade Brasileira de Pediatria divide o fim do aleitamento materno em algumas nomenclaturas – sendo o “gentil” ou “natural” o mais recomendado. “O desmame pode ser classificado em quatro diferentes categorias: abrupto, planejado (ou gradual), parcial e natural. Neste último, que seria o processo ideal, a criança se autodesmama, sob a liderança da mãe”, diz o documento.

“O desmame é chamado de gentil quando não é feito de forma abrupta. É um processo gradual, em que a mulher vai diminuindo o número de mamadas ao longo do tempo”, explica a enfermeira. “Dizemos que é questão de ‘não oferecer e não negar”, pontua ela.

Para que o processo seja saudável tanto para a mãe quanto para criança – e para que ambos tenham tempo de se ajustarem física e emocionalmente – Cinthia recomenda que as mamadas sejam substituídas por outros comportamentos maternos, como o “estar junto” ou o “brincar”.

“Por exemplo: o bebê começou a comer e a mãe costuma dar cinco mamadas por dia. Quando ele começa a ir na escolinha, já não mama de manhã e o número cai para quatro. Em seguida, para de acordar à noite e cai para três. Depois, podemos criar o hábito de oferecer café da manhã na mesa quando a criança acorda – reduzindo para duas mamadas. Antes de dormir, a mãe começa a pôr a criança para dormir com o pai, dando fim à mamada noturna. Depois do almoço, estabelecem a rotina de passear com o cachorro – e assim o aleitamento vai sendo substituído”, ilustra ela.

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O vínculo continua, mas de outras formas…

Interromper a amamentação pode ser doloroso para muitas mulheres, principalmente pelo medo de perder o vínculo tão íntimo criado com o pequeno. Apesar de ser uma insegurança natural, Cinthia explica que o desmame não significa abandonar os comportamentos de apego, e que o próprio ambiente contribuirá com o processo. “Conforme o bebê vai crescendo, o seio continua sendo um lugar importante, mas surge a necessidade de desbravar o mundo – de explorar o ambiente, se relacionar com outras pessoas”, pontua ela.

Além disso, com o leite sendo usado como forma de acalmar o pequeno e atender aos seus choros, as mulheres podem temer a perda desse recurso. “Às vezes o vínculo fica tão estreito e focado na questão do aleitamento, que a mãe acha que não consegue acolher o bebê de outra forma”, diz Loretta. “Temos que trabalhar e mostrar que ela vai conseguir suprir as necessidades e que a criança vai amá-la da mesma forma mesmo com outros gestos que não dar o peito”, acrescenta a pediatra.

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