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“O coração de mãe de UTI congela até o vendaval passar”

Eliete teve hipertensão na gravidez e, com 25 semanas, precisou fazer uma cesárea de emergência. Aqui, ela fala sobre as lições que tirou dessa experiência.

Por Luísa Massa
Atualizado em 25 Maio 2018, 18h22 - Publicado em 25 Maio 2018, 14h15

Depois de ter o primeiro filho, a funcionária pública Eliete Alves de Lima recebeu o diagnóstico de endometriose. Ela acreditou que não conseguiria engravidar novamente e ficou extremamente feliz – e surpresa – quando descobriu que estava esperando uma menina. A mãe passou por complicações na gestação e teve um parto prematuro: a pequena nasceu pesando apenas 380 gramas e ficou internada por quase 1 ano. Hoje, Beatriz tem 6 anos de idade e, apesar das sequelas, está se desenvolvendo bem. Leia esse emocionante relato:

“Minha história começa quando me casei, em 2001. Tive o meu primeiro filho três anos depois. Tudo corria bem na gravidez até a 37ª semana, quando o bebê entrou em sofrimento fetal e o parto foi feito às pressas, na verdade, no dia seguinte ao exame de ultrassom do pré-natal. Na época, não compreendi direito o motivo daquele parto prematuro e, falando a grosso modo, entendi que a placenta ‘envelheceu’. O meu primogênito nasceu com 2,1 kg e teve alta junto comigo pesando 1,9 kg. Nem de perto passamos pela tão temida UTI Neonatal.

Sempre quis ter o segundo filho, mas nos anos seguintes recebi o diagnóstico de endometriose. Por ler relatos que associam o problema com a maior causa de infertilidade feminina, não imaginei que fosse possível engravidar novamente – ao menos sem tratamento. A expectativa de não poder mais dar à luz me frustrava e, como se diz, ‘deixei as barbas de molho’. Esse assunto ficou esquecido por um bom tempo naquela gaveta que todos temos e não queremos abrir nunca mais. Sofri muito.

Após um longo período achando que não poderia ficar grávida, veio a grata surpresa do positivo no teste. Eu já sabia que, se fosse menina, chamaria Beatriz. Fiz o pré-natal como se deve e a previsão de nascimento era 02 de outubro de 2011, quando eu estaria com 40 anos, mas a pequena veio ao mundo em 22 de junho de 2011. Eu tinha 39 anos quando recebi o recado do médico: ‘A sua filha nasce hoje porque merece uma chance’.

Voltando um pouco, no dia 05/06/2011, um domingo, medi minha pressão arterial ao acordar (algo que eu estava fazendo todos os dias daquela semana) e ela estava alta. Como já tinha começado a tomar remédios para controlá-la, fiquei preocupada e liguei para o meu obstetra, que sugeriu que eu fosse ao pronto-socorro. Acabei ficando internada no Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo. Para mim seriam apenas três dias em observação, mas o tempo foi passando e a alta ficava cada vez mais distante. Foi quando me informaram que eu ficaria hospitalizada até o final da gravidez. Aprendi a duras penas que não temos o controle de absolutamente nada e passei a viver um dia de cada vez.

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Fui diagnosticada com disfunção hipertensiva específica gestacional (DHEG) e, se me lembro bem, cheguei a tomar 4 medicamentos diferentes para que a gravidez se estendesse pelo maior tempo possível. Mesmo assim, eu ouvia diariamente que o meu bebê deveria pesar por volta de 500 gramas para ser um ‘bebê viável’. Com isso, eu fazia ultrassom com doppler diariamente para detectar o momento em que o parto deveria ser feito e, então, chegamos no dia 22/06 depois de muita angústia, expectativa, solidão, incertezas, mas uma fé inabalável.

Nessa data, o ultrassom marcou que a a minha filha pesava 480 gramas e a cesárea foi feita de emergência porque o sofrimento fetal poderia levar ao óbito. Como o exame apresenta uma margem para mais e para menos, achei que o peso estava próximo do que tinham me falado sobre a tal questão do ‘bebê viável’. Quando a Beatriz veio ao mundo com 380 gramas, só me vinha na cabeça que esse número estava bem aquém do desejável para a sobrevivência de uma criança prematura.

Eu não sabia ao certo o que pensar, o que esperar. Cada dia naquela UTI foi muito intenso e não dá para descrever em palavras o que senti ao ver minha pequena pela primeira vez e poder tocá-la. O primeiro colo aconteceu quando ela tinha 45 dias e assim fomos atravessando cada intercorrência até a sonhada alta, quando faltava apenas uma semana para que ela completasse 1 ano de vida. E nem preciso dizer que chorei muito no caminho do hospital para casa, né? O trajeto foi feito em uma ambulância, mas dessa vez as lágrimas foram de alegria.

Durante o período na UTI, eu ouvia, mas não entendia quando diziam que os bebês prematuros podem ser internados após a alta. E, claro, com a Beatriz não foi diferente. Ela passou por 12 internações (todas muito graves) em três hospitais diferentes e temos muita história para contar. Ao todo foram 7 cirurgias, dezenas de transfusões de sangue e uma série de complicações: como diálise peritoneal, apneias, broncoespasmos e também 5 paradas cardiorrespiratórias – sendo 3 em um período de 24 horas.

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Recentemente, li uma frase que diz que ser mãe é ter o coração batendo fora do corpo. Eu suponho que os corações de mães de UTI congelam e fica quietinhos até o vendaval passar. Foram dias de muito sofrimento, mas nunca me desesperei na beira do leito. Quando a minha filha sofreu três paradas, confesso que me peguei pensando: ‘meu Deus, chegamos até aqui para morrer na praia?’. Foi quando um pai que estava lá colocou a mão no meu ombro e apontou a outra para o alto dizendo: ‘acalma o seu coração porque Aquele lá em cima ainda não falou a palavra final’.

Aquela frase me deu um alento que encheu o meu peito de esperança. Quando o cirurgião infantil chegou para fazer as dissecções, que foram três – na jugular, femural e arterial -, ele explicou todas as complicações do procedimento e perguntei: ‘é o que ela precisa nesse momento?’. Ele afirmou que sim e eu aceitei. Nesse instante, me aproximei da minha filha e disse: ‘mamãe não está te abandonando, jamais farei isso, mas conversa com o papai do céu e veja o que vocês combinam. O que decidirem, eu vou aceitar com resignação’. No procedimento, minha filha teve a terceira parada cardíaca e costumo dizer que naquele momento ela esteve com Deus e decidiu ficar.

"Devemos lutar por aquilo que acreditamos", diz mãe de prematura extrema
(Arquivo pessoal/Reprodução)

Desde então, Beatriz tem surpreendido e esse ano é o terceiro que ela está cursando na escola regular. Há um relativo atraso em relação aos demais alunos e questões de otorrino e ortopedista bucal, que serão verificadas para a possibilidade de melhora do rendimento. Ela faz terapia ocupacional duas vezes por semana e fonoaudióloga de segunda a sexta – sendo dois dias voltados para a parte pedagógica e fala e três para a introdução de alimentos, que começou a evoluir neste ano e, em breve, no tempo dela, poderemos retirar a gastrostomia. Eu olho para trás e entendo que devemos lutar por aquilo que acreditamos. Eu acreditei verdadeiramente que estaria com a minha filha nos braços – independente de todas as tormentas. Outra lição que eu tive é que foi fundamental contar com o acolhimento humano de toda equipe multidisciplinar que nos ajudou nos momentos mais difíceis dessa jornada. A palavra de ordem é resiliência, sempre!”.

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"Devemos lutar por aquilo que acreditamos", diz mãe de prematura extrema
(Arquivo pessoal/Reprodução)
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