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“Por que criei um grupo de apoio à perda gestacional e neonatal”

Conheça a história de Larissa Rocha Lupi, que encontrou na dor do aborto a força para ajudar outras pessoas.

Por Carla Leonardi (colaboradora)
Atualizado em 17 jan 2017, 15h44 - Publicado em 16 jan 2017, 22h26

A psicóloga Larissa Rocha Lupi, de 33 anos, sofreu um aborto na segunda gestação, pouco tempo depois de vivenciar o luto pela perda gestacional que sua irmã gêmea havia sofrido. Foi a partir dessas experiências e do desrespeito às suas escolhas ainda na maternidade que Larissa teve força e empatia para criar o grupo Do Luto à Luta: apoio à perda gestacional e neonatal, passando a ajudar casais que enfrentam a mesma dor. Conheça essa emocionante história!

“Sou mãe de dois filhos na terra e um no céu. Tomás, de 3 anos, Nicolas ou Monique (que eu perdi numa gravidez molar) e Mila, minha bebê arco-íris de 10 meses. A maternidade me pegou de surpresa e desprevenida já na minha primeira gravidez. Tudo transcorreu maravilhosamente bem, sem nenhuma intercorrência e me vi amando o meu primeiro filho aos poucos e naturalmente. Fomos construindo um vínculo forte e profundo à medida que o tempo passava, com a convivência, de forma espontânea e natural. Foi uma gravidez não planejada, mas desejada desde o início.

Foi na segunda gestação que eu passei por uma perda no quinto mês e, naquela altura, perder nosso filho já não parecia mais uma possibilidade. Mas descobrimos a mola (doença que acomete a mulher durante a gestação e que se trata de uma malformação celular que não permite o crescimento e desenvolvimento do feto). Logo, além do sofrimento da perda do meu sonhado e desejado filho, estava com a suspeita de uma doença que eu não sabia ao certo o que era.

Foi muito difícil enfrentar aquela perda e seus desdobramentos, como o despreparo das equipes de saúde da maternidade e dos funcionários, que estão preparados para lidar o tempo todo com o nascimento com vida, com o happy ending. Nós não nos sentimos respeitados, apoiados, acolhidos… Muito pelo contrário. Tivemos transtornos adicionais que poderiam ter sido evitados, como receber parabéns do maqueiro na volta do centro cirúrgico, por exemplo. Ainda tivemos que lidar com a proibição da entrada do meu marido para a realização do procedimento e com o fato de permanecer ao lado de casais com seus filhos saudáveis, ouvindo chorinho de bebê a noite toda. Todo esse processo, da forma como ele existe hoje, é muito cruel e desumano.

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Não conseguimos viver a tristeza na sua plenitude por estarmos ao lado dos casais com os seus bebês. Nem eles conseguiam vivenciar a alegria plena pela nossa presença. Foi lamentável e constrangedor para ambos os lados. Vida e morte tão próximos, lado a lado.

Não me sentia respeitada nas minhas escolhas e decisões, pelo contrário. Me vi tendo que tentar convencer a equipe a respeitar meu desejo de ter o meu marido ao meu lado. Alegavam que não era possível por risco cirúrgico. Argumentei que se nosso bebê estivesse vivo seria o mesmo risco, mesmo centro cirúrgico (caso a gente fosse fazer cesariana, a entrada dele seria permitida). Percebi que não fizeram por mal, então não guardo mágoas, nem ressentimento. Fizeram o que acreditavam ser melhor para mim naquele momento, mas presumiram o que seria melhor, não me perguntaram nada.

Costumo dizer, porém, que a minha primeira perda foi através da minha irmã gêmea, que sofreu um aborto com nove semanas de gestação. Era uma gravidez muito desejada e planejada, um sonho de mais de três anos. Então, não foi uma gravidez de quase três meses que desmoronou, mas um sonho de quase três anos. Acompanhei de perto o drama dela e dei todo o apoio possível.

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No entanto, um mês depois da sua perda, me vi grávida (do filho que iria perder, sem saber). Então rezava e torcia todos os dias para ela engravidar novamente, porque eu sabia o quão penoso seria para ambas conviver com a minha gravidez logo depois da perda dela. E aconteceu! Foi emocionante, parecia um sonho! Gêmeas grávidas quase juntas. Nos falávamos todos os dias sobre a nossa gravidez, dizíamos que seriam primos gêmeos. Até que eu perdi, e pude contar com todo apoio, amor e acolhimento dela, mesmo estando grávida.

Na época, não contamos com grupos de apoio, somente terapia individual. Eu e a minha irmã nos apoiávamos bastante e tive também muito apoio do meu marido. A terapia e o suporte dos dois foi essencial para mim, porque, no geral, me sentia inadequada ao tentar falar do meu filho com amigos e familiares. Não encontrava espaço, não sentia que estavam prontos e desejosos a me ouvir, pois falavam muitas frases prontas e que eu detestava, como ‘foi melhor assim’ ou ‘você é muito nova, daqui a pouco engravida de novo’.

Nunca me esqueço, porém, de um amigo médico que nos mandou uma caixa de bombons desejando dias melhores e mais doces para mim e meu marido. Foi a primeira pessoa que demonstrou empatia de verdade e o quanto sentia por nós.

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Foi a partir da minha experiência pessoal com a perda e a da minha irmã gêmea que surgiu o desejo de fazer a diferença. Percebemos que muitos casais ainda vão viver o drama da perda gestacional ou neonatal, o que não podemos evitar, mas que eles precisam viver a perda da forma mais respeitosa e acolhedora, preservando sua autonomia, seu protagonismo e a dignidade humana.

Por isso, criamos o grupo Do Luto à Luta, para lutar por um maior cuidado com os casais que enfrentam esse drama. Desejávamos um movimento pró-vida, para fazer o bem, para ir, de fato, do luto à luta. Assim, começamos reivindicando uma pulseira de identificação nas maternidades, para evitar equívocos como os que vivenciamos e que só aumentaram a nossa dor. Também pedimos um lugar mais reservado a ser oferecido nos casos de perda gestacional e neonatal.

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Sabemos que pode ser oneroso criar um espaço para esses casos, mas pensamos em um quarto mais reservado, sem choro de bebê ao lado, para demonstrar maior respeito e cuidado com a dor do outro. Nesse meio-tempo, percebemos que foi implementada uma forma de sinalização de gravidez de risco nos quartos, o que já foi uma melhora.

Por acaso, sou psicóloga e me tornei fundadora e idealizadora do grupo, mas poderia ter qualquer profissão. Acredito que o fato de ser psicóloga me ajudou, sim, mas acho que qualquer casal que passou pela perda e deseja oferecer apoio está apto a fazer isso.  Sabemos da importância de uma palavra de afeto, da demonstração de carinho, da empatia e, sobretudo, da solidariedade. Só nós entendemos o quanto o nosso luto é invisível socialmente, porque nosso filho não nasceu para a sociedade, mas permanece vivo dentro da gente. Nesse sentido, ser psicóloga me ajudou a ter ferramentas para conduzir o grupo de apoio presencial, sendo que a principal delas é a empatia.

Atualmente, o grupo oferece apoio através dos seus encontros presenciais mensais, geralmente no último sábado do mês, como um espaço de troca e compartilhamento de vivências. Também iniciamos nossas oficinas de sensibilização, voltadas para os profissionais que acompanham gestantes e que desejam se preparar para casos de perda gestacional e neonatal.

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Já fizemos duas campanhas fotográficas de sensibilização e temos uma cartilha colaborativa com todo material sobre o tema compilado. Ainda oferecemos apoio online através das nossas mídias sociais, que funcionam como espaço de troca e compartilhamento de relatos, ajudando a quebrar o silêncio e o tabu sobre o tema.

Recentemente, lançamos nosso livro coletivo Histórias de amor na perda gestacional e neonatal, através de um financiamento coletivo. Nele, reunimos cerca de 63 relatos de amor – de casais que mandaram suas histórias e de profissionais que acompanharam perdas.

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Para desenvolver esse projeto, pedimos aos participantes que falassem principalmente do amor que fica, sem focar na dor. Nosso desejo era passar uma mensagem de esperança, focar na ressignificação, em como conseguir seguir em frente. O resultado foi um compilado de lindas histórias de amor, que se tornou uma forma de eternizar os nossos tão amados filhos.

Nosso plano agora é fazer esse livro chegar ao maior número possível de pessoas, levando esperança, acolhimento e respeito a todos que precisam. Também vamos seguir com os encontros presenciais no Rio de Janeiro, e temos a intenção de expandir para outras capitais, dando continuidade às nossas outras atividades. Juntos somos mais fortes!”

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