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Por que não deixamos nossos filhos nos verem chorando?

Pais podem ter medo da criança se sentir culpada ou perder o respeito ao vê-los chorar, mas a vulnerabilidade é importante para o desenvolvimento dela.

Por Alice Arnoldi
Atualizado em 18 ago 2020, 16h33 - Publicado em 13 ago 2020, 16h29

O fim do dia chega, é hora de desligar do trabalho que está acontecendo no cômodo ao lado, nessa nova realidade de home office. Mas quando você está preparada para sentar e brincar com o seu filho, o nó na garganta vem e a primeira reação é pedir um minuto para ir até o banheiro. Ali, se esforçando para não fazer barulho, o choro da frustração e do medo das inconstâncias do momento acaba sendo inevitável.

A reação de se esconder para extravasar o que guardamos o dia inteiro não é incomum, especialmente quando os filhos pequenos estão por perto. O motivo disso, segundo a psicóloga Letícia Cavalieri, especializada em psicologia escolar e professora do curso da Psicologia da PUCPR, é o nosso processo de formação como indivíduo, onde todo comportamento humano tem um significado social.

“No caso do choro, ele tem o significado coletivo de fraqueza, tristeza, que são características que a nossa sociedade tende a negar”, esclarece a especialista. E para os pais, essa negação tende a vir ainda mais forte com a pressão social de que não se pode errar ou demonstrar fragilidade, pois isto prejudicará o desenvolvimento da criança ou fará com que ela perca o respeito pelos adultos.

Só que não é assim que caminha a resposta emocional das crianças. Nos seis primeiros anos, os pequenos se sentem confusos ao verem os pais chorarem porque há um limite no entendimento infantil sobre outros fatores poderem chatear os pais.

“A criança passa por uma fase de egocentrismo, focada em si. Ela ainda não ampliou a visão de que há muitas coisas que circulam a sua volta. O que faz com que ela pense que, por não ter se comportado, fez a mãe ficar triste ou chorar”, explica Deborah Moss, neuropsicóloga mestre em Psicologia do Desenvolvimento (USP).

Outra confusão que pode acontecer é a associação da criança com a dor. Deborah detalha que a criança conhece apenas o choro como reflexo de se machucar fisicamente. Isso faz com que ela tenha dificuldade em entender que os pais não estão doentes quando choram ou o que significa chorar de felicidade.

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“É difícil esse lugar abstrato do choro na vida de uma criança, porque ainda há um raciocínio mais concreto ao estar muito focada na realidade dela do choro”, completa a neuropsicóloga.

Então o que fazer neste momento?

Com as diferentes dificuldades que o filho pode ter para entender o choro dos pais, esconder o sentimento pode parecer, num primeiro momento, a melhor saída. Mas não é isso que reforça as especialistas.

Letícia pontua que as crianças na primeira infância já captam com muita facilidade o que está acontecendo ao redor dela. Ainda que elas não vejam as lágrimas, são capazes de perceber os pais mais silenciados ou irritados. Para que elas não associem a culpa a elas, é importante que os adultos expliquem o que está acontecendo.

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“Algumas pessoas pensam em não falar para os filhos o que estão sentindo porque eles não têm condições de entender. Mas mesmo quando não estamos falando, eles estão entendendo várias mensagens que são colocadas de maneira não verbal. Já quando você verbaliza, há a oportunidade da criança entender, por meio do pensamento racional, o que está acontecendo”, detalha a psicóloga.

Só tenha atenção em respeitar os limites psíquicos da criança na hora do diálogo. É essencial que os sentimentos comecem a ganhar nomes, como tristeza, frustração e medo. Mas não é preciso entrar em detalhes profundos sobre o que está levando os pais ao choro. Com a dose certa de informações, a criança consegue entender que a culpa não é dela, mas sem ser sobrecarregada psiquicamente.

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Esta troca sincera entre pais e filhos pode ajudar os adultos a lembrarem que as crianças não estão em uma missão de dificultar ainda mais o dia a dia. Na verdade, o resultado chega a ser o oposto. “Quando a criança sabe o que aconteceu, ela tende a ser alguém que vai ajudar os pais a regularem as emoções. Os pais cuidam e devem dirigir essa relação, mas a criança também é uma fonte de afeto para o adulto”, explica Letícia.

Explodi e me sinto culpada…

Só que mesmo com a teoria em mãos, a prática pode não ser tão didática. A convivência diária, sem intervalos, com a sobrecarga de trabalho e cuidados com os filhos pode levar pais a explodirem ao se sentirem esgotados emocionalmente.

A culpa após esse episódio pode ser avassaladora. Mas acreditem, pais, o que acontece depois da crise é o mais importante para as crianças. Deborah aconselha os adultos a retomarem o acontecido assim que conseguirem se acalmar.

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Em uma conversa tranquila, Letícia orienta pais a explicarem para os filhos os motivos que os levaram a extrapolar os limites, e pedirem desculpa às crianças. Quando isso acontece, os pequenos são ensinados a assumirem os próprios erros, independente da hierarquia que existe na relação, e é apresentado a eles o que é empatia.

Todo esse processo é benéfico tanto para os adultos quanto para as crianças. “É uma oportunidade para os pais ensinarem aos filhos que a vida tem problemas, não somos perfeitos, mas encontramos soluções”, detalha Letícia.

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Especialmente para os menores, os exemplos são essenciais. Mais do que explicar o que é estar em contato com as próprias emoções, a importância de pedir desculpa e respeitar o próximo, é fundamental que os filhos vivam tais experiências para compreendê-las melhor.

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