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Os perigos do estresse tóxico na infância

Especialistas alertam para os efeitos da tensão no corpo e na mente dos pequenos. E também ensinam como lidar com um mundo cada vez mais estressante.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 15 Maio 2020, 15h53 - Publicado em 30 out 2017, 21h14

Se o estresse constante faz mal aos adultos, imagine às crianças. O assunto é sério e ganhou um painel no último Congresso da Sociedade Brasileira de Pediatria, realizado em outubro de 2017, que reforçou os efeitos do estresse tóxico na infância. Em junho, a entidade já tinha lançado um manual para os médicos sobre a prevenção do problema, que parece cada vez mais corriqueiro.

“Hoje as crianças estão expostas a muitas situações estressantes, como agenda cheia de compromissos, os pais trabalhando muito e até mesmo a instabilidade do país pode provocar tensões em casa que sobrecarregam os filhos”, aponta Blenda de Oliveira, psicóloga especialista em psicoterapia de crianças, adolescentes e famílias, de São Paulo.

É essa exposição exagerada e contínua, em um nível que a criança ainda não consegue suportar, que faz mal. “Além do abuso, da violência física e verbal, outras atitudes como falta de atenção, de carinho e cobranças excessivas podem levar ao quadro”, explica Liubiana Arantes de Araújo, neuropediatra presidente do Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

As consequências da sobrecarga são bem conhecidas pela ciência. “O estresse tóxico interfere no desenvolvimento cerebral e aumenta o risco de distúrbios do sono, dificuldades de aprendizado e problemas de comportamento na infância”, comenta Liubiana. No futuro, essas crianças também estão mais sujeitas a sofrer com hipertensão, doenças cardíacas, obesidade e depressão.

Nem todo estresse é ruim

Segundo a especialista da SBP, ele pode ser dividido em três níveis. O primeiro deles é considerado positivo. “É o que ocorre quando a criança toma remédios que não queria ou quando a família chama a atenção, mas de forma afetuosa”, exemplifica Liubiana. Esses estímulos nos preparam para lidar com frustrações e desafios durante a vida toda.

Depois, vem o estresse tolerável, que já está além da capacidade dos pequenos, mas que eles conseguem encarar com o suporte da família. São as situações inevitáveis como um divórcio, doença na família ou mudança de casa. “O fato dos adultos conversarem e ensinarem a lidar com aquela adversidade ameniza os possíveis danos que ela causaria”, comenta a médica.

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Ele passa a ser tóxico quando não há apoio e quando é recorrente. O problema aqui é que, cada vez que há um estímulo negativo, começa uma reação em cadeia no organismo. O cérebro libera grandes quantidades de cortisol, o hormônio do estresse, o coração acelera e as conexões entre os neurônios ficam prejudicadas. Se essa descarga vira rotina, o corpo passa a reagir exageradamente a qualquer acontecimento aparentemente inofensivo.

E aí o filho pode ficar mais irritado, ter problemas na escola, para dormir… A lista é longa e culmina em problemas que costumamos associar à vida adulta. “Tem aumentado a incidência de depressão, transtornos de ansiedade e de comportamento na infância – e parte disso se explica pelo estilo de vida não saudável que as crianças levam”, destaca Liubiana.

Quase adultos

Entre os principais vilões da saúde mental infantil está o que Liubiana chama de agenda de miniexecutivo. “A criança precisa do ócio criativo, precisa descansar e acaba não tendo tempo entre as diversas atividades do cotidiano”, comenta a médica.

Isso não quer dizer que os filhos não possam fazer esportes e aulas de idiomas fora do horário da aula. “Os estímulos devem ser oferecidos, mas sempre respeitando os limites, que são muito individuais. Mas mesmo que ela goste, pode se sentir exausta depois”, aponta a especialista.

“Muitas vezes também o problema não é a quantidade de coisas que a criança faz, mas o que se espera dela em cada uma dessas atividades. A cobrança excessiva de ambientes competitivos pode afetar a autoestima e impactar o desenvolvimento emocional”, complementa Blenda.

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Outra situação comum é o estresse dos maiores refletir nos menores. “O medo é parte da vida, mas o que vemos hoje são crianças com medos reais da violência urbana ou dos pais ficarem desempregados ao invés de temerem fantasmas”, aponta Blenda. “E isso é prejudicial pois são preocupações que elas ainda não compreendem totalmente”, orienta a psicóloga.

Como amenizar?

É impossível impedir algumas coisas chatas de acontecerem, assim como os assuntos que perturbam os pais provavelmente chegarão aos ouvidos dos filhos. Por isso, o ideal é ser sincero, explicar o que está acontecendo de maneira honesta e simples, respeitando a capacidade da criança de ouvir aquilo.

Se você já tem um filho que é ansioso, de nada adianta o sobrecarregar com informações com as quais ele não poderá fazer nada”, alerta Blenda. “Devemos levar em conta como cada criança enxerga as situações difíceis da vida, que existem e devem ser traduzidas com brincadeiras, conversas e carinho”, completa Liubiana.

É importante também ficar atento aos sinais de que a criança está se sentindo sobrecarregada, como irritabilidade, dificuldades no sono, alterações no comportamento e cansaço excessivo. E, a partir daí, pensar em estratégias para aliviar o peso sob os ombros dos pequenos.

Uma delas é rever hábitos e comportamentos da casa, uma vez que os mais jovens tendem a replicar atitudes, discursos – e porque não dizer medos? – dos pais. E, então, organizar uma rotina saudável, que inclua tempo para brincar, conviver em família e até mesmo fazer nada. A boa notícia é que, se a criança passa a receber atenção, carinho e subsídios para lidar com as adversidades da vida, o efeito negativo do estresse pode ser amenizado.

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