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O parto pelo olhar do pai

Um pai de primeira viagem conta o que viu e sentiu na hora do nascimento do seu filho.

Por Manuela Macagnan (colaboradora)
Atualizado em 22 out 2016, 19h53 - Publicado em 30 jun 2015, 02h25

João Valadares não sabia nada sobre partos. Até a sua mulher, Cecília, engravidar e decidir que queria um parto em casa. Nesse relato de tirar o fôlego, João narra o que viu, o que sentiu e como foi trazer ao mundo o filho Francisco.

“Parto de homem. É sobre isso que quero falar. E é para eles que escrevo. Então vou começar do começo. Ela estava no avião, foi ao banheiro e me telefonou: ‘estou grávida‘. Não teve tempo de falar mais nada. As portas já estavam em automático. Desligou. Fui buscá-la no aeroporto e, no caminho para o laboratório mais perto, completou a frase interrompida pela aeromoça: ‘quero ter o nosso filho em casa‘. A cabeça dura-sertão do macho pernambucano, dos miolos encaretados pelo sol, desinformado e suposto senhor das ações, travou. ‘Em casa? Você é maluca?‘. Ela não falou mais nada. Nem eu. Segui calado, com aquela angústia-catapora, que faz tudo coçar por dentro.

No outro dia, comecei a pesquisar sobre nascer em casa. Em apenas um dia, li muito. Um turbilhão gigantesco de informações. No outro dia, li mais ainda. E assim seguiu. Fui a todos os encontros e consultas. Ouvi depoimentos lindos sobre o nascimento. Escutei também um relato de uma mulher decepcionada, pessimamente atendida num hospital público de Brasília porque apenas queria que o filho nascesse na hora que ele quisesse nascer. Ouvi muito mais. Com três meses de gestação, não tinha absolutamente mais nenhuma dúvida. Meu filho nasceria aqui, no seu quarto, com o cheiro da nossa casa, num ambiente afetuosamente preparado para tentar parecer o escurinho quente da morada onde viveu por nove meses. E assim aconteceu.

Mulher foi feita para parir. Homem não. Mas homem também foi feito para sentir. E o parto em casa me proporcionou isso. Eu pari junto. Eu eu Cecilia viramos um só dentro da água. É sobre isso que quero falar. Sou um homem que senti o corpo da minha mulher tremer a cada contração. Sou um homem que senti os músculos da minha mulher esticar e relaxar numa dança perfeita. Sou um homem que emprestei meu corpo para minha mulher beliscar e aliviar a dor do nascimento. Choramos muito. Ela de dor. Eu de outro tipo de dor. Parimos.

É isso. Eu não estava num baby-lounge, longe do meu filho, olhando tudo por uma televisão. Também não estava separado por um pano verde, impossibilitado de perceber o olhar do meu filho na primeira vez que viu o mundo. Eu estava ali, do lado, sentindo e vendo a natureza no seu estágio mais verdadeiro. Vendo minha mulher virar um bicho, gritando e se contorcendo para proporcionar ao nosso filho uma chegada sem nenhum tipo de intervenção. Uma chegada sem luz forte no rosto, sem mãos estranhas, sem aquela higienização terrorista de manual, sem a impessoalidade de um quarto frio com objetos que não são nossos, que não foram colocados por nós.

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Desajeitado que sou, descobri que sei fazer massagem. Ah como foi bom perceber o alívio imediato quando apertava as costas de Cecília e ela mudava de som. Fiz isso por duas horas seguidas. Na verdade, posso dizer que era uma espécie de automassagem. Quando percebia que, de alguma maneira, era ator ativo do parto da minha mulher, do nosso parto, descobri que era mais do que pai. Muito mais.

Não escrevo para encorajar mulheres. Escrevo para encorajar os homens. Se puderem, passem por isso. A experiência mais incrível de toda minha vida. Francisco demorou cinco horas para nascer. Não houve nenhum tipo de intervenção. Ninguém sequer tocou em Cecília. Ele nasceu quando queria nascer. Passou dez minutos com a cabeça dentro da água. Ninguém o puxou. A natureza o empurrou quando achava que deveria empurrar. E ele saiu direto para os nossos braços. Ficamos ali por uns 20 minutos acarinhando o nosso filhote, tentando ainda entender como uma pessoa sai de dentro de outra. E foi lindo. Esperamos a placenta sair, cortamos o cordão umbilical e pronto. Cecilia se levantou, eu me levantei e fomos conversar na cama. Ficamos ali por horas, olhando o nosso filho. O melhor: na nossa casa.”

Depoimento publicado originalmente em julho de 2014

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